Com a diversidade na ordem do dia, a indústria da moda pretende liderar o movimento para um mundo mais inclusivo. Desde os anos 90, assistimos a um aumento da inclusão de modelos negras nas revistas de moda e passarelas de todo o mundo, com Naomi Campbell e Tyra Banks a tornarem-se numa referência.
No entanto, na recente edição do Portugal Fashion, que se realizou de 14 a 18 de março, verificou-se uma situação que mexeu com a indústria e, consequentemente, com a opinião pública. A modelo Nádia Sena reportou no Instagram que as modelos negras pentearam os seus próprios cabelos, sem a ajuda da equipa de hairstylists.
“Para além de não saberem fazer os nossos cabelos, também não se preocuparam em aprender ou a tentar ajudar”, revela. Nádia diz que já é habitual não terem conhecimentos suficientes para pentearem o cabelo afro, mas que sempre demonstraram vontade em saber mais, ao contrário do sucedido.
“As escolas não dão qualquer formação de cabelo afro”, revela um hairstylist, que decidiu formar-se neste tipo de cabelo quando começou a trabalhar na moda, acrescentando que as modelos deram-lhe dicas-chave, mas que nunca lhes passou uma escova para as mãos. Também a hairstylist Oksana Grybinnyk sente que “há falta não só de formação, como de espaços para cabelo crespo.”
No entanto, a Escola de Estética e Especialização Profissional (EFAPE) diz que a sua formação inclui o ensino de conhecimentos sobre todos os tipos de cabelo. De acordo com Dulce Lavouras da EFAPE, um dos objetivos da escola é formar profissionais capazes de cuidar do cabelo crespo, como, por exemplo, “saberem como se processa a distribuição de queratina na haste capilar, porque os danos poderão ser irreversíveis. Existem vários tipos de curvaturas dentro do cabelo crespo, e cada uma requer cuidados especiais, quer em salão, quer em aconselhamento para produtos de cuidado em casa.”
Com o afro a pedir cuidados redobrados e a possuir um leque de opções no departamento do styling, como o puff e as tranças, falámos com quem tem este tipo de cabelo para nos contarem na primeira pessoa como e onde é que cuidam dos seus fios.
Ruth Tavares, jornalista repórter na RDP África, trata o cabelo em casa, fruto dos ensinamentos que lhe foram transmitidos de geração em geração, um costume que está enraizado no quotidiano da cultura africana. Quando pretende fazer um corte ou aplicar extensões, vai a um cabeleireiro afro, revelando que nunca frequentou um cabeleireiro "generalista". “Não tenho motivo e nunca parei para pensar nessa hipótese.”
Por sua vez, Soraia Moreira, vencedora do Big Brother, frequenta espaços como o Sanjam e a Villain Concept, que, de acordo com a própria, atendem clientes com vários tipos de cabelo. No entanto, acredita que “em Portugal o número de salões que saibam trabalhar com o cabelo crespo não seja assim tão grande.” Célia Ferreira, relações públicas, diz que não se sente confiante em entrar em qualquer cabeleireiro. “Uma vez, cortaram demasiado porque não sabiam ou não faziam o corte a seco.” Também a cantora Blaya revela ter tido uma experiência desagradável. “Já fui a cabeleireiros mais "convencionais" e posso dizer que não foi fácil escovar os caracóis. Ainda por cima foi na altura em que tinha o cabelo bastante grande.” Hoje, Blaya tem a plena confiança no seu cabeleireiro, o Cachos do Alves.
Que atire a primeira escova quem não encontrou a resposta para alguns problemas na internet. Descontente com um corte que deixou o cabelo demasiado reto e volumoso, Joana Pedro, relações públicas, procurou dar a volta à situação com a ajuda do youtube. “Descobri a técnica de fitagem, a secar com o difusor e até a cortar.” Assim que aprendeu a técnica, começou a cortar o seu próprio cabelo. “Fiquei com trauma de ir ao cabeleireiro", confessa.
A aposta na formação é apontada como a solução para a falta de profissionais que sabem cortar e pentear o cabelo crespo. Segundo Oksana Grybinnyk, quem tem iniciativa e vontade de ser um bom profissional, procura obter conhecimento: “o interesse é a chave do negócio”, revelando que fez formação com o salão Afro Braids. "O cabelo afro tem características muito peculiares, sendo necessários conhecimentos profundos da sua constituição capilar tanto a nível anatómico, como fisiológico", diz Dulce Lavouras. Lucas Franco é um às em caracóis, encaracolado e afro. Quando veio morar para Portugal, não encontrou um serviço de qualidade para os seus fios encaracolados, a razão pela qual se especializou na área. “Quero resgatar a auto-estima das pessoas e provar que são bonitas." E é assim que se caminha para um mundo onde a Beleza é também sinónimo de diversidade — e #MirandaAprova, claro.
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