Foi a sua coleção de final de curso no Royal College of Art que chamou a nossa atenção. A melhor maneira de descrever All at Once de Karoline Vitto é dizendo que esta poderia ser a coleção criada por alguém que viajou de um futuro (esperemos) não tão distante, onde vivemos livre de preconceitos e inconscientes de imperfeições impostas. All at Once é o que vestirá uma sociedade que aceita o corpo humano tal como ele é e não atribui a zonas específicas a categoria boa ou má.

Por enquanto a mensagem vai passando clara e audível, apontando dedos a partes do nosso corpo que, sabe-se lá como ou quando, se tornaram persona non grata. Um dia, talvez os decotes sejam substituídos por rachas na zona onde assentam as gorduras das costas, e nós usá-lo-emos com orgulho, porque antes de tudo um corpo é um mecanismo brilhante, que nos permite fazer um milhão de coisas sem sequer nos darmos conta. Quando isso acontecer já teremos roupa para trazer para o armário (e para postar em fotos do Instagram) - a de Karoline Vitto.

Numa viagem a bem do amor-próprio, Karoline transpõe as barreiras que tem estado a quebrar na sua vida para o seu trabalho, num conceito visual de aceitação fresco e único. Falámos com a designer brasileira sobre a sua relação com a Moda e com o espelho, não necessariamente nesta ordem.

Primeiro, gostávamos de ficar a saber um pouco sobre si: quando se começou a interessar por Moda, o seu percurso, enfim, uma breve apresentação.

Eu sou Brasileira, tenho 27 anos, e moro há 3 anos e meio em Londres. Fiz meu BA no Brasil, na Universidade do Estado de Santa Catarina, onde adquiri uma boa base técnica de modelagem e costura. Antes disso eu havia iniciado o curso de arquitetura, mas sentia falta de me sentir mais próxima do meu produto. Acho que muito do meu interesse vem pelo fato de minha mãe ser muito criativa, meu avô era sapateiro, aprendi a desenhar muito cedo, e cresci vendo minha mãe trabalhar no seu atelier. Me formei em moda em 2013, mas acabei atuando na área de design gráfico e comunicação, mas foi no final daquele ano que decidi me inscrever nas universidades de Londres para um curso de pós graduação. Acabei optando pelo Graduate Diploma in Fashion na Central Saint Martins, pois era uma ponte entre um BA e um MA, com duração de um ano e foco em criação - era exatamente o que eu precisava. Após esse curso, iniciei o mestrado na Royal College of Art.

Por que e como voltou o seu trabalho para as zonas do corpo que normalmente as pessoas tendem a esconder? Li na entrevista que deu recentemente à Dazed que também partiu de uma perspectiva pessoal.

Eu acho que até eu sair do Brasil, eu não havia notado o quanto a obsessão pelo corpo perfeito estava me afetando. Eu morava em uma cidade de praia, onde é parte da cultura local, de certa forma, praticar esportes, cuidar do corpo, comer bem. Veja bem, acredito que essas coisas todas são positivas, até que se tornem uma obrigação ou até que façam você odiar o que vê no espelho.

Eu era muito insegura com meu corpo, queria emagrecer, colocar silicone, fazer uma rinoplastia… intervenções que são bem comuns no Brasil. E o pior é que muitas mulheres optam por esses procedimentos por pressão da sociedade, pois se é uma vontade própria, algo que ela quis por si mesma, não vejo problemas, acredito que cada um deve cuidar do seu corpo como preferir.

Mas a minha maneira de reagir a isso foi começar a investigar e encontrar beleza nas formas que estavam fora dos padrões restritos nos quais eu fui criada. E na mesma época, o movimento body positive ficou muito consolidado pelas redes sociais e Youtube, e uma coisa que aprendi ouvindo tantas outras mulheres foi que representatividade realmente importa. Uma variedade de corpos precisa ser vista para que haja mudança.

Quais os seus materiais de preferência e com que propósito os usa?

Trabalho muito com jersey, elásticos e metal. Eu tento optar por materiais que sejam confortáveis mas que possuam uma boa sustentação para manter a forma do corte. Gosto muito dos elásticos porque me lembram algumas peças de underwear que eu comprava e ficava irritada pois marcavam as gordurinhas, e hoje é exatamente o que tento fazer mas de uma maneira proposital e direcionada. Outro material com o qual gosto de trabalhar para as partes de metal é o latão, pois ele é durável e razoavelmente maleável, de forma que pode ser um pouco ajustável a cada corpo. Fora que a cor natural do latão destaca diversos tons de pele e fica bem tanto em peles frias como quentes.

As indústrias da Beleza/Moda continuam a propagar padrões de Beleza alienados da realidade. De que forma gostaria que o seu trabalho como designer impactasse a forma como estas indústrias representam o corpo e contribuísse para uma maior aceitação?

Eu acho que, acima de tudo, o que eu sentia falta quando era adolescente era sentir que eu fazia parte daquele discurso também. Era sentir que eu não precisava mudar quem eu era ou mesmo “me tornar uma melhor versão de mim mesma”. Mesmo as modelos com quem já trabalhei, que seriam tipicamente 100% dentro do padrão de passarelle, elas sofrem uma pressão absurda para diminuir o quadril, por exemplo. Qual o problema se o quadril delas for de 88cm para 94cm? Eu só espero que haja uma flexibilidade maior dentro da indústria, e que mulheres não sejam descartadas porque aumentaram 2, 4 cm.  Muitas marcas já mudaram nesse sentido, e há muitas outras trabalhando com corpos fora dos padrões que estamos acostumados, então eu acredito que já há uma mudança acontecendo.