
A Benamôr nasceu há 100 anos. Pode contar-nos como surgiu o Crème de Rosto e o que o torna tão especial?
O Crème de Rosto foi criado em 1925, dois anos após a fundação da Benamôr. É uma raridade na história da cosmética: cinco gerações usaram e transmitiram esta fórmula, que se mantém praticamente inalterada. Retirámos ingredientes obsoletos, como os parabenos, mas mantivemos tudo o resto, até o perfume. E isso é algo único na cosmética moderna.
Este ano lançaram uma nova versão do Crème de Rosto. O que traz de novo?
Muita continuidade e também muitas ruturas. É um novo creme, mas claramente inspirado no original, porque a estrutura e a consistência são quase as mesmas. O Crème de Rosto é o mais conhecido e mais vendido, tem clientes tão fiéis que não quisemos mudá-lo, quisemos, isso sim, reinventá-lo e fazer uma coisa virada para o futuro e para o próximo século: tornámo-lo mais leve, mais hidratante, com um complexo multivitamínico, óleo de grainha de uva, e duplicámos o extrato de rosa biológica. A fragrância também foi repensada para agradar a públicos mais jovens, mantendo a alma do original.

Como é que este creme é recebido fora de Portugal?
A Coreia é dos mercados mais sofisticados do mundo. Quando conto a história do Crème de Rosto lá, a reação é sempre positiva. As mulheres coreanas têm rotinas muito elaboradas, com cerca de sete passos, e mesmo assim acolheram o Crème de Rosto, usando-o como um super primer – é funcional, confortável e eficaz. Isso prova a força da nossa fórmula.
“A beleza é uma coisa aberta, universal, que não se impõe, que se respeita” Pierre Stark.
A estética da marca é inconfundível. Mas o que pesa mais na Benamôr: a beleza ou a eficácia?
Sem dúvida, a eficácia. Ser bonita ajuda, claro, mas não é o essencial. O mais importante é a originalidade da fórmula, a inovação no momento certo. É isso que sustenta a marca desde sempre.
Relativamente à identidade visual da Benamôr, mantemos os mesmos códigos: o modernismo português, a Art Déco dos anos 30, as flores... Mas adaptamo-nos. A nova bisnaga do Crème de Rosto é mais moderna, o frasco é mais fresco, pensado para um público mais jovem. A inspiração mantém-se, mas com uma estética atualizada.
A produção continua a ser feita em Portugal. Pode falar-nos da fábrica em Alenquer?
É outro ponto de consistência. A fábrica mudou-se do Campo Grande para Alenquer há 15 anos, mas manteve o espírito e as receitas. A produção ainda é artesanal. E temos parcerias que duram há quase 100 anos, como com a empresa que fornece as nossas bisnagas. É um trabalho de saberes manuais, quase alquímico.
A marca tem raízes farmacêuticas. Isso ainda se sente nos produtos?
Sim. Os primeiros produtos foram formulados por farmacêuticos, e ainda hoje temos uma equipa de cinco farmacêuticos muito inovadores. As receitas evoluíram em sensorialidade e textura, mas o cuidado técnico mantém-se. E há uma parte que nunca muda: a mão experiente que prepara cada bisnaga.
Quais foram os momentos-chave da Benamôr ao longo destes 100 anos?
Além do lançamento do Crème de Rosto, há um momento recente muito importante: a reabertura das lojas próprias. A primeira foi em 2017, na Rua dos Bacalhoeiros. Foi um regresso às origens. Hoje temos 10 lojas em Portugal, cada uma com identidade própria – como a do Príncipe Real, toda dedicada ao Crème de Rosto, ou a do Largo Camões, inspirada na botânica portuguesa.
Recentemente relançaram as colónias. Qual a importância deste regresso?
As colónias Benamôr foram lançadas no fim dos anos 30, sempre com a inspiração da botânica portuguesa por trás. A nossa inspiração é a mesma – usamos verbena, neroli, laranjinha, até ginja. Nem tudo o que está dentro dos produtos é português, mas há sempre um elemento nacional ou na inspiração ou nos ingredientes.
O que fizemos foi criar uma nova categoria: colónias com 10 por cento de concentração, mais duradouras, mas frescas. É um perfume ideal para o nosso clima mediterrânico.

A marca também aposta em edições limitadas. Porquê?
É uma forma de manter a marca viva e interessante. Estas edições criam urgência e curiosidade. É uma lei de mercado, sim, mas também uma forma de dar espaço à criatividade.
Houve maquilhagem nos anos 40. Essa vertente pode voltar?
Não é que tenha sido um grande eixo de desenvolvimento, mas fizemo-lo no fim dos anos 40, com um blush. Não temos como objetivo relançar maquilhagem – existem mil outras coisas para fazer antes na área de skincare, perfumes e cuidados de corpo –, mas é um exemplo de como a Benamôr é uma marca com uma história profundamente enraizada na beleza global.
Qual é a filosofia da Benamôr no que toca à beleza? O nome da marca tem algo a dizer sobre isso?
É esta ideia de que a beleza é uma coisa aberta, universal, que não se impõe, que se respeita, esta noção de generosidade da beleza que estamos a desenvolver para que faça parte dos valores da marca. A autenticidade faz com que sejamos muito credíveis, muito ligados ao wellbeing (bem-estar, em português). E o engraçado é que bem-estar está na raiz da palavra da marca: “Ben” vem de bem-estar, “amôr” é amor.
Como equilibram tradição e inovação?
A dificuldade deste tipo de marca é sempre encontrar o equilíbrio entre a manutenção e o respeito pelo ADN do passado e uma força de inovação de se adaptar permanentemente ao que são as exigências dos consumidores modernos.
É muito importante ficarmos conectados com o mundo. Portugal é um país fabuloso do ponto de vista da tradição, da cultura, mas não é o centro da cosmética mundial. Portanto, evidentemente, temos de estar muito conectados para trazer esta inovação para o que fazemos em termos de pesquisa de fórmulas ou de ingredientes.
Como é liderar uma marca tão portuguesa, sendo francês?
Vivo em Portugal há 24 anos. A minha mulher é portuguesa e os meus filhos têm dupla nacionalidade, e sempre acreditei que a criatividade vem da mistura cultural. Ter outra perspetiva ajuda a questionar e a inovar. A riqueza está na confrontação das ideias.
A indústria cosmética é muito feminina. Como é ser um homem nesta realidade?
Na fábrica, cerca de 75 por cento dos colaboradores são mulheres. Sempre trabalhei nesse ambiente e nunca senti uma diferença negativa. Um homem pode trazer um olhar diferente, talvez mais racional, mas o essencial é ter sensibilidade. Eu fui educado para isso, talvez por ter um pai dermatologista.
O que distingue a Benamôr hoje?
A legitimidade. Não fazemos nada que não tenha raiz na marca. Temos uma herança autêntica, e isso dá-nos credibilidade. E temos uma missão: reeducar o consumidor, mostrar que a beleza portuguesa tem valor. Este é o nosso ano. É o ano de Portugal.
O que podemos esperar a seguir?
Mais colónias extraordinárias. Depois da Íris, lançada em 2024, vem aí uma grande surpresa. E claro, vamos continuar a celebrar o nosso centenário com produtos que falam por si. Queremos que, quando se pensar em beleza portuguesa, se pense: Benamôr.
Qual é o seu produto favorito da Benamôr?
O gel de banho Alecrim, que uso todas as manhãs – acorda-me, dá-me energia. E o creme de mãos Alantoíne está sempre no meu carro. Uso também uma água de colónia, que é a Figo Fogo.
E qual é o bestseller da Benamôr?
O creme de mãos Alantoíne, sem dúvida. Em unidades e volume, o formato de 30 ml é o bestseller mundial. É tipicamente português. Uma grande homenagem.
Madalena Alçada Baptista é jornalista há vinte anos, muitos deles dedicados à área da beleza. A sua personalidade curiosa e formação em jornalismo de investigação levaram-na a entrevistar perfumistas, cientistas, marketeers e fundadores de marcas que amamos, e é isso que faz mensalmente na Miranda, em #BeautyInsider.
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