Internet drama não é um assunto novo, mas os tempos que se vivem na comunidade de youtubers de Beleza hoje são seguramente dos mais dramáticos.

As controvérsias e polémicas entre Jeffree Starr, Gabriel ZamoraLaura Lee e Manny Gutierrez - todos grandes influenciadores de Beleza norte-americanos - foram apenas o rastilho para uma denúncia e exposição de "podres" da comunidade de Beleza digital e do próprio influencer marketing.

Tudo começou quando, a 28 de agosto, a youtuber Marlena Stell partilhou um vídeo a falar da relação entre os influenciadores e as marcas de Beleza.

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"My truth regarding the beauty community" é o nome do vídeo de Marlena Stell, que conta actualmente com 928 969 visualizações.

A beauty guru acusa em parte as marcas de serem responsáveis pelo que se passa na indústria, mas também alerta para a falta de companheirismo entre colegas youtubers, trazendo à tona situações de amizades por interesses (e visualizações).

O vídeo foi partilhado intensivamente e tornou-se viral quando o maquilhador profissional Kevin James Benett o publicou num post no seu Instagram. Kevin agradeceu a Marlena coragem para "expôr o que acontece atrás das câmaras na indústria da cosmética".

Mas Bennett foi mais longe e acusou youtubers de estarem disponíveis - com preços inclusivamente tabelados - para dizer mal de produtos de marcas concorrentes por um preço.

O tópico ganhou força e, entretanto, explodiram vídeos no Youtube com o título "My Truth", em português "A minha verdade", nos quais os influenciadores explicam o seu lado da história.

O caso português

E se o reboliço do outro lado do Atlântico continuava, por cá a questão começou a surgir entre conversas offline, sem grande alarido. Até que, na passada terça-feira, a comunidade de Beleza portuguesa parou para ver o vídeo de Inês Mocho.

Inês Mocho
Até à data de publicação deste artigo, o vídeo conta com 130 mil visualizações e é já o 8º mais visto do canal da maquilhadora.

A maquilhadora e youtuber trazia finalmente a problemática para a realidade nacional, apontando as questões inerentes às parcerias com marcas, o que determina ou não influência, e as relações de interesse que lhe podem estar associadas.

E tocava na ferida: todos os conteúdos patrocinados (pagos pelas marcas) deveriam ser assinalados, defende.

Não tardou a que uma série de influencers de peso se pronunciassem. Mafalda Sampaio (cujo nome do canal começou por ser A Maria Vaidosa), foi uma das que comentou corroborando a opinião partilhada no vídeo, assim como Inês Ribeiro ou Sofia Barbosa (do canal SofiaBBeauty). "Concordo completamente contigo e fico mesmo contente por saber que há mais pessoas que pensam desta maneira. Já te acompanho há imensos anos e também comecei o canal em 2012 quando tudo isto do youtube ainda era visto como algo silly e apenas uma brincadeira! I miss those days", escreveu a última, que comporta actualmente 256 306 subscritores só no Youtube.

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Também Inês Rochinha, uma das influenciadoras com maior expressão no panorama nacional, deixou a sua opinião: "Adorei este vídeo Inês! Simples e transparente, com muita maturidade. Há pontos que eu concordo a 100% mas a questão dos “almoços”, questão de parcerias é tudo relacionado com carácter e bases, como qualquer emprego. Sinto que sendo uma YouTuber do “jurássico” tal como tu és, há coisas que não me faz sentido e sim, talvez seja ingénua (e sim, já rachei a cara anteriormente) mas eu continuo a acreditar que existem pessoas que realmente querem estar pela comunidade e pelo conteúdo. Ter a ideia de que tudo é por interesse só nos torna pessoas mais frias e quebra para mim todo o sentido do YouTube que é essencialmente criar uma comunidade de criadores. O dinheiro mexe com este tipo de conceito mas ele não deixa de existir se as pessoas que fazem parte dela contrariarem este movimento (...)".

A questão financeira

No entanto, a transparência parece ainda não estar livre de áreas opacas, sobretudo quando o tema é dinheiro. Ainda recentemente num vídeo no canal de Inês Rochinha intitulado "Perguntas que tenho evitado responder c/ Bárbara Corby", quando questionada sobre quanto pode valer uma publicação, Inês opta por omitir: "Se perguntarem a um gestor ou a um médico [quanto ganham], já sabem mais ou menos a resposta que vão obter, mas para mim eu acho que é tão intrusivo." Bárbara, ao seu lado, concorda. Mas nem todos. Na caixa de comentários do vídeo, que já conta com 147 mil visualizações, muitos são os utilizadores que apontam o taboo relativamente às questões salariais.

As críticas não são simplesmente dirigidas às remunerações. A aparente tardia abordagem destas temáticas é outro aspecto referido vezes sem conta online. "Até a Inês falar ninguém abria a boca como se o público que assiste estas meninas que estão no 'mundo digital' fosse todo burrinho! Agora vêem todas aqui aplaudir e concordar com o que foi dito", pode ler-se num dos comentários no vídeo da maquilhadora.

Uma coisa é certa. Depois disso, já outras vozes se levantaram a este respeito. A blogger Mia Relógio usou o IGTV para discutir o assunto, numa série de vídeos a que chamou "Esta coisa do mundo digital". Também Alexandra Neto, autora do blog Xanalicious, escreveu um artigo de opinião sobre o que é, afinal, ser digital influencer em 2018. "Estamos claramente num ponto de viragem", acredita.

Realidade não tão longíqua

Falar de números, visualizações, posts pagos, influencers e outros demais anglicismos pode, por instantes, parecer uma conversa sobre um assunto de nicho e demasiado futurista, mas há cada vez mais sinais que esta realidade é já parte do mundo contemporâneo.

Se provas faltassem para urgência no diálogo sobre a transparência no Youtube, veja-se o mais recente spot publicitário da cadeia de supermercados Intermarché a propósito do regresso às aulas. "O que é que queres ser quando fores grande?", questiona o locutor. "Vou dar novidades em primeira mão", diz a criança. "Queres ser jornalista?". "Não, não, quero ser youtuber."