Violette Serrat tinha lançado a sua própria marca de cosméticos poucos meses antes de receber o convite para ser Diretora Criativa de Maquilhagem da Guerlain, sucedendo ao mestre Olivier Echaudemaison. Um convite que não podia, nem conseguiu, recusar.
Dos desafios do seu novo cargo à maquilhagem, inspirações e feminismo, a makeup artist não deixou nada por contar. E ainda desvendamos o véu para a sua primeira coleção à frente da Maison francesa, com os icónicos Rouge G.
Como descreve o seu trabalho tão único e especial no mundo da Beleza?
Ser maquilhadora na indústria da moda é o meu principal trabalho. Mas agora também sou CEO e empresária. A minha missão é ajudar as pessoas a usar a Beleza como forma de as celebrar e a nutrirem uma relação saudável com a mesma. Acredito que a Beleza está fortemente ligada à saúde mental e por isso levo o tema muito a sério. A minha formação é em arte e design de moda, daí o meu instinto muito criativo.
A maquilhagem não é apenas para sessões fotográficas de moda, é para todos os dias também...
Certo! Mas eu não vejo a maquilhagem apenas como uma ferramenta estética do “dia-a-dia”. É uma forma de nos afirmarmos através do nosso estilo e personalidade e, de certa forma, aumentar o nosso poder. Com um pouco de batom vermelho nos lábios, máscara preta nas pestanas e blush nas maçãs do rosto, nada é impossível, o mundo está aos nossos pés!
A maquilhagem pode ter um impacto profundo nas emoções. Aprecio o facto de que a Guerlain não impõe nada nem tenta transformar ninguém com a maquilhagem. Não se trata de reparar, disfarçar ou melhorar as pessoas, a Guerlain quer celebrar a Beleza em todas as suas formas e aumentar a confiança das pessoas. Colocar maquilhagem é como calçar um belo par de saltos altos.
A maquilhagem é como um acessório de moda?
Sim! O visual e o design de um produto são igualmente importantes para mim, significa que podemos maquilhar-nos em frente às pessoas na rua, num táxi, no metro ou no escritório. Não tem de ser algo que tenhamos de fazer sozinhas fechadas numa casa de banho. Já que vão realçar a nossa própria beleza, os produtos de maquilhagem têm que ser bonitos. Mal posso esperar para começar a desenvolver novas peças com a Guerlain.
Quais são os seus produtos de maquilhagem favoritos para usar numa sessão fotográfica ou, simplesmente, em frente ao espelho?
Batom, sem dúvida. É a definição de sedução e autoconfiança. Quase que parece um escudo protetor: um lábio vermelho é atraente, mas não pode ser beijado. Pessoalmente, opto pelo batom vermelho quando tenho uma reunião importante, dá-me a sensação de que sou invencível.
As pessoas olham para mim de maneira diferente quando uso batom. Um bom lábio vermelho impressiona, impõe respeito. Não há nada na maquilhagem igual ao batom, é como um amuleto da sorte ou um talismã que cabe na palma da mão.
A cor é uma parte essencial do seu processo criativo?
Sim, é de facto essencial! Eu diria que a cor é a minha matéria-prima. Todas as cores me inspiram, especialmente quando são muito extravagantes. Principalmente o azul, o dourado e o vermelho. Gosto de trabalhá-los juntos, como se se tratasse de uma pintura. Tenho sorte por a Guerlain ter sensibilidade para as cores. O vermelho será uma cor muito presente em todas as campanhas publicitárias 'vintage' da marca. O vermelho sempre foi uma cor crucial para a Guerlain, afinal de contas, uma das fragrâncias mais icónicas da Maison chama-se Habit Rouge!
Ainda se lembra da primeira vez que descobriu a Guerlain?
Sim, a minha história com a Guerlain é a história da minha feminilidade... em criança, o pó Météorites, com as suas pequenas pérolas perfumadas e violetas de cor pastel, teve um verdadeiro impacto estético em mim. Fiquei cativada pela caixa e mal podia esperar para me tornar uma mulher.
Imaginava-me no meu toucador a pôr batom, o perfume, e a mergulhar o pincel naquele pó maravilhoso. E agora fui convidada a escrever um novo capítulo na história da Guerlain como Diretora Criativa de Maquilhagem! Incrível, não é? Essa é a magia da Beleza.
O que é que a Guerlain representa para si como maquilhadora profissional e consumidora de Beleza?
Para mim, a Guerlain é a Alta Costura da Beleza. Tem uma abordagem muito particular do luxo francês. Partilhamos os mesmos valores de excelência, honestidade e prazer que sempre foram pilares essenciais do meu trabalho criativo. A sua expertise é única no mundo, a sua herança, a sua visão...
Foram criados tantos ícones de beleza ao longo dos anos, como o primeiro batom lipstick, o primeiro perfume unissexo (Jicky, há mais de 130 anos), o primeiro spa, e foi a primeira a ter uma loja nos Champs-Élysées. Quem mais para além da Guerlain fez tanto pela Beleza? De fórmulas a texturas e cores, nada é deixado ao acaso. Ainda hoje, a abordagem da Maison em relação à Beleza é única.
Tem em conta o compromisso da Guerlain com o meio ambiente?
Absolutamente! A Guerlain tem sido pioneira no que diz respeito à sustentabilidade. Uniu o luxo à preservação do planeta muito antes de isso estar na moda. O que a Guerlain está hoje a fazer para proteger a biodiversidade é completamente único. Principalmente no que diz respeito às abelhas, que são parceiras essenciais na criação de cuidados para a pele, fórmulas de maquilhagem e perfumes. O programa “Mulheres pelas Abelhas”, desenvolvido pela Guerlain em parceria com a UNESCO, irá treinar apicultoras nas reservas da biosfera da UNESCO nos próximos cinco anos. É incrível.
O que pensa sobre a Beleza natural?
Temos que ter cuidado com produtos 100% naturais. Desenvolvi algumas alergias ao usar ingredientes totalmente naturais, não acho que sejam o ideal. Tenho toda a confiança na Indústria química e em ingredientes sintéticos altamente controlados que não esgotam os recursos naturais da Terra.
Rastreabilidade de ingredientes, usar ativos de origem natural, transparência nas fórmulas e criar produtos de beleza naturalmente “limpos” com segurança e eficácia, é de grande importância para a Guerlain e tem sido também uma preocupação minha há já muitos anos. Estou convencida de que este compromisso irá moldar o mundo de amanhã.
A Guerlain é uma Casa de fragrâncias que se tornou um grande nome no mundo do skincare e da maquilhagem. Acredita que irá trabalhar com outros setores da Guerlain?
Dia após dia, a alma da Guerlain é energizada pelas pessoas talentosas que lá trabalham. Temos muito talento genuíno, em todas as áreas da maquilhagem, perfumes e skincare. Sinto-me honrada por me juntar a eles para continuar a lendária história da marca e trazê-la para o centro das atenções.
A primeira vez que visitei a sede da Guerlain, em Paris, estavam todos lá, incluindo os diretores dos diferentes setores. Foi realmente comovente, senti uma ligação verdadeira entre as pessoas e um desejo sincero de trabalhar coletivamente... Isso é muito raro para uma marca deste tamanho.
Há alguns meses atrás lançou Violette_FR, a sua própria marca de maquilhagem. Como encara estes dois papéis?
Após 17 anos de experiência em Beleza, queria muito desenvolver produtos que se parecessem comigo e representassem a minha visão e ideais de Beleza. Principalmente quando se trata de sustentabilidade e inclusão. E quando a Guerlain me pediu para liderar as suas coleções de maquilhagem, não hesitei! Foi um presente e sinto-me profundamente sortuda e realizada. Desenvolver as minhas próprias ideias e pensar em outras tantas para acrescentar ao legado icónico de Guerlain são dois empregos que se complementam e enriquecem. A minha inspiração não está dividida pela metade, muito pelo contrário, ela multiplica-se.
De onde vem a inspiração?
Eu "alimento-me" de tudo ao meu redor: um encontro, uma bela paisagem, o cheiro da pele da minha filha. Mas acima de tudo, eu diria que a arte me dá uma inspiração infinita. Costumo dizer que a arte é o amor da minha vida. Sou fã do trabalho de Jean Cocteau, dos pintores Mark Rothko, Gustav Klimt e Yves Klein, e a fotografia de Irving Penn ... As suas abordagens de cores, linhas e materiais são tão inspiradoras para mim.
Pode-se dizer que Paris também a inspira?
É claro que Paris me inspira, porque embora eu tenha morado em Nova Iorque por vários anos, sou parisiense acima de tudo. Tenho orgulho em ser francesa, sinto muitas saudades do meu país! É por isso que estou tão feliz em assumir as rédeas da maquilhagem na Guerlain, uma Casa parisiense de ponta a ponta.
Devo muito à minha educação francesa, dos ícones que me fascinam à audácia provocante que só nós, franceses, temos, sem falar da espontaneidade e da elegância ousada. As mulheres francesas sempre preferiram gastar menos tempo em se embelezarem e assim terem mais tempo para aproveitar a vida. Esta é a melhor definição de estilo!
Quais são os seus principais desafios como diretora de maquilhagem da Guerlain?
Eu não penso muito nos desafios. Eu sou carneiro de signo, por isso eu ajo mais do que penso (risos). O único desafio para um criativo é conseguir tonar o sonho em realidade. Às vezes tenho um produto perfeito em mente, mas os laboratórios ainda não estão prontos para desenvolvê-lo, ou pensamos em algo fabuloso, mas custa uma fortuna fazê-lo. Ainda tenho que esperar alguns anos. A paciência é uma boa aliada da criatividade!
Falar sobre inclusão e género é importante hoje em dia...
Sem dúvida! A maquilhagem em todas as suas formas é para todos. As pessoas escolhem a Guerlain porque têm uma conexão emocional com a marca. As fórmulas de qualidade com apelo sensorial, texturas maravilhosamente perfumadas e fáceis de usar, oferecem uma experiência de beleza única. Pessoas que escolhem a Guerlain também escolhem honestidade e compromisso. Ao escolher a Guerlain, estão a optar por um modelo de beleza positivo, aberto e inclusivo. O meu trabalho é garantir que todos sejam bem-vindos e se sintam vistos e representados.
A Beleza como a conhecemos hoje pode ajudar as mulheres na luta pela igualdade?
Espero bem que sim! Ainda penso na forma como um batom vermelho me fez sentir conectada com a minha feminilidade e comigo mesma como mulher depois de dar à luz. Tipo “ah, ainda aqui estou”. A maquilhagem é uma ferramenta poderosa de bem-estar e pode ajudar a empoderar as mulheres. E digo mulheres em qualquer época das suas vidas. A indústria da beleza tende a não celebrar as mulheres após os 50 anos. Isso não está a ajudar a lutar pela igualdade. Precisamos de ter a certeza de que mais uma vez todos se sintam bem-vindos e vistos.
Explorar a feminilidade através da beleza, é isso que gostaria de ensinar à sua filha?
Antes de mais nada, quero que ela saiba que a Beleza é plural, subjetiva, imaginativa e sem limites! E eu quero que ela saiba que é perfeita exatamente do jeito que ela é, da mesma forma que somos todos perfeitos como somos ... Todos diferentes e todos únicos. A minha filha observa-me a colocar maquilhagem e vê que não é algo que eu sinta que deva fazer, mas que é uma celebração. Ela já começou a brincar com as minhas paletas de cores e acho que a palavra maquilhagem (em francês) foi uma das suas primeiras palavras. O que lhe quero transmitir resume-se na seguinte frase: "sê humilde, tem confiança em ti mesma e trabalha muito”, depois disso, o céu é o limite...
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