Da interseção dos sentidos surge a sinestesia: um novo “ângulo” para ligar os cosméticos à emoção, e que representa uma grande oportunidade para conceitos inovadores na indústria cosmética.

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Considerando o seu potencial, é possível desenvolver produtos baseados em avaliações sinestésicas do tato, da audição, dos aromas e dos sabores, com o auxílio  das neurociências.

A palavra sinestesia é um híbrido do latim syn, que significa união, e do grego aisthēsis, que significa sensação ou perceção. Refere, portanto, a perceção em simultâneo do mesmo estímulo por dois sentidos diferentes.

A sinestesia pode assumir várias formas (estima-se que mais de 70), por exemplo, atribuir cores a números ou letras, formas de objetos a sabores, sons a cores, cores a cheiros,... Estas associações são conscientes, imediatas, unidirecionais, involuntárias, automáticas, permanentes e insuprimíveis.

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A sinestesia é entendida como a perceção de uma experiência obtida por estímulos que não estão normalmente associados a essa experiência. Estudos recentes indicam que se trata de um fenómeno neurológico, mas as suas causas não estão totalmente definidas.

Estima-se que 4.4% da população mundial tenha algum tipo de sinestesia, sendo o tipo mais comum o SGC: sinestesia grafema-cor, em que grafemas (letras ou algarismos) são automaticamente associados a cores. As pessoas que experimentam estas sensações são designadas sinestetas.

A sinestesia pode, também, ser utilizada como uma abordagem para combinar diferentes sensações ou sentimentos e, por esta razão. tem sido utilizada na música, pintura e literatura. Newton atribuía sete cores distintas à escala diatónica.

Uma componente particularmente interessante da sinestesia, que tem sido identificada do ponto de vista neuro-fenomenológico, é a força emocional exibida pelas experiências sinestésicas; Por isto, a componente emocional da sinestesia tem sido considerada numa perspetiva neurocientífica.

Alguns estudos publicados baseiam-se na teoria de Charles Spence, de  integração multissensorial.  Esta teoria afirma que quando os estímulos sensoriais são misturados corretamente, há um efeito de super-aditividade que faz com que o estímulo final seja percecionado de forma sinérgica e não da mesma forma que individualmente.

Os cientistas descobriram que podem alterar a sensação de cremosidade do chocolate, tocando diferentes sons. Verificaram que notas suaves tornam o chocolate mais cremoso, enquanto notas curtas e agudas tornam o mesmo chocolate mais forte ou amargo.

A música pode ser uma das experiências sensoriais mais influentes da vida, entrando nas nossas redes neuronais e alterando os nossos comportamentos. Evoca emoções profundas: desperta memórias antigas, dá-nos esperança, pode marcar o ritmo no ginásio ou no carro quando conduzimos (podendo até tornar-se perigosa). Efetivamente, a música influencia a nossa forma de pensar.

Recentemente foram feitos estudos com diferentes formulações cosméticas, com diferentes ingredientes hidratantes, para se avaliar os impactos da música na perceção do poder hidratante e da suavidade dos mesmos:

  • Fórmula A: silicones;
  • Formula B: vaselina;
  • Fórmula C: hidrogel;
  • Fórmula D: emulsão com acrilatos.

Neste estudo foram analisadas as relações sinestésicas dos cosméticos nas vertentes Tato-Audição, Aroma-Audição e Paladar-Tato. A música usada foi Quatro Estações de Vivaldi. Ficou provado que a música que ouvimos altera a perceção da hidratação e da suavidade das diferentes formulações.

Alguns resultados interessantes: a fórmula com silicones é percecionada como mais macia e de maior hidratação com música de verão. A emulsão registou a máxima suavidade e hidratação com a música de outono. O hidrogel foi considerado o melhor na hidratação e na suavidade com o arranjo de inverno. E nenhuma fórmula aumentou a perceção de hidratação com a música de primavera.

Estes resultados abrem portas à cosmética sazonal e a uma nova forma de avaliar a perceção dos cosméticos.

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A sinestesia está também muito relacionada com os aromas. Sabe-se que a perceção dos perfumes se altera em função da música ouvida. Sempre que há música, há alteração da função cerebral, o que condiciona a avaliação do perfume, comparando com a avaliação do mesmo sem música. No referido estudo, feito com perfumes e música, constatou-se um aumento significativo da perceção das notas de especiarias com música de outono. As notas florais são sempre mais apreciadas se houver música.

Na tentativa de explorar a relação do “cheiro-memória”, uma empresa desenvolveu um kit de aromas para doentes com Alzheimer, como treino de memória.

Quando comemos e, ao mesmo tempo, cheiramos um perfume, também há impacto: as notas cítricas ou as amadeiradas são as menos alteradas. O que se come também impacta o tato: o sabor ácido fez com que a emulsão fosse sentida como mais suave, assim como a parafina, quando se comeu chocolate doce.

Todos estes dados têm sido desenvolvidos em experiências que procuram acrescentar valor ao simples ato de usar cosméticos. A psicodermatologia, o eixo pele-cérebro, o emotional wellbeing são, sem dúvida, partes fulcrais no futuro da cosmética que irei analisando por aqui.

Farmacêutica de formação e especialista em Cosmética, Joana Nobre trabalha na Indústria Farmacêutica desde 2005. O rigor é a sua imagem de marca, algo bem patente nesta rubrica que criou para a Miranda.

Sugestões de leitura relacionadas com sinestesia:- Musicofilia, de Oliver Sacks;- Nem todas as baleias voam, de Afonso Cruz.