Passou a infância entre Almada e Lisboa. Hoje, Paulo Almeida, maquilhador, vive em Madrid, onde trabalha para uma das maiores marcas de maquilhagem do mundo, a MAC. Apanhámo-lo entre desfiles, na Alfândega do Porto. Puxámos duas cadeiras e, entre as roupas que ocupavam um bastidor vazio prestes a ser invadido por um verdadeiro frenesim, começámos a gravar.

O que queria ser quando era miúdo?

Queria ser designer de Moda. Mas depois vi que as coisas eram muito complicadas e fui para Direito. Fui para a faculdade de Direito, em Lisboa, e tirei o curso.

Mas chegou a exercer?

Não, o diploma ainda lá está (risos). Foi super engraçado porque no dia da minha última oral, que foi de manhã, lembro-me de ter passado a oral, ter terminado o curso, e ter ligado aos meus pais. E disse: "olha, passei na oral, tirei o curso e agora vou para a ModaLisboa". Foi exatamente numa sexta-feira da ModaLisboa.

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E quando é que percebeu que queria ser maquilhador?

Foi um mero acidente. Durante a faculdade eu trabalhava numa escola de manequins, que se chamava Visual Lx, e nessa escola havia também formação para maquilhadores. E a professora era a Cristina Gomes. Eu estava lá, aquilo era aos domingos, e eu estava lá como representante da escola, caso fosse preciso alguma coisa eu fazia de manequim e elas praticavam na minha cara. E a Cristina disse: "olha, não queres também aprender?". E eu disse: "está bem". Isto foi em 1999. Entretanto a MAC queria abrir em Portugal e contactam a Cristina Gomes porque estavam a precisar de maquilhadores e queriam homens também. E a Cristina deu o meu nome para uma entrevista. Entrevista essa à qual eu não fui.

Porquê?

Porque pensei: "maquilhador? Pff, eu não vou ser maquilhador". E então não fui à entrevista. E praí dois ou três dias depois vi a Cristina. E isto que vou dizer aconteceu literalmente: a Cristina deu-me um estalo na cara. E disse: "não te admito que não vás a uma entrevista, porque estás a pôr o meu nome em jogo". E explicou-me que eles estavam à procura de pessoas como eu e que acreditava em mim, que achava que eu era um excelente maquilhador. Disse: "eu vou-te marcar outra entrevista e tu vais". Portanto, ela literalmente obrigou-me a ir à entrevista.

"a Cristina [Gomes] deu-me um estalo na cara. (...) Disse: 'eu vou-te marcar outra entrevista e tu vais'. Portanto ela literalmente obrigou-me a ir à entrevista."

Lembra-se como foi a entrevista?

Foi em Lisboa, lembro-me de ir e falar com a directora de marca. Nem sequer fiz teste de maquilhagem, nem nada, por isso lembro-me que pensei: "não vou ter o trabalho". Ninguém me disse mais nada durante três meses. Passados três meses ligaram-me a perguntar se eu queria trabalhar na MAC. E a 6 de outubro de 1999 começo a trabalhar na MAC.

E desde aí ficou sempre na marca?

Sim, faço este 20 anos na marca.

Hoje é cada vez mais raro os profissionais manterem-se na mesma empresa.

Mantive-me pelo nível de oportunidades que a marca nos dá. É uma marca que reconhece não só o talento, mas também o esforço, e eu pus imenso esforço na minha formação, enquanto trabalhava na loja, porque eu comecei como maquilhador na loja, na antiga loja no Chiado. Não só atendia as clientes como praticava imenso em mim. Lembro-me de todos os dias estar maquilhado e todos os dias mudar de maquilhagem. Era onde eu praticava os meus eyeliners, onde eu praticava a simetria das sobrancelhas, onde eu brincava com os produtos e misturava texturas e formas e tudo isso, e era assim que eu aprendia.

Ao final do primeiro ano fui promovido para formador para Portugal. Ao fim de dois ou três anos de ter entrado na MAC tive o cargo de Senior Artist.

O que significa o título?

Ser Senior Artist na MAC significa que fazemos parte de uma equipa MAC Pro, de cerca de 50, 60, 70 dos melhores maquilhadores da marca a nível mundial. O trabalho deles é ir às semanas de Moda internacionais, fazer apresentações de tendências, falar com imprensa, estar envolvido numa gama de eventos a nível internacional como representantes da MAC. E isso abriu-me imensas portas e também imensas fronteiras dentro da minha cabeça. Cresci imenso com isso.

"Ser Senior Artist (...) abriu-me imensas portas e também imensas fronteiras dentro da minha cabeça. Cresci imenso com isso."

Mas hoje já não é só Senior Artist.

Não, porque depois fui desenvolvendo a parte da formação, e hoje o meu título formal, porque não podemos ter vários, é Diretor de Formação da Europa. Portanto, agora basicamente grande parte do meu trabalho é dar formação e seguir a formação dos vários países da Europa, não só a formação artística, mas também formação de vendas, de negócios, etc; garantir que toda a gente tem a informação necessária e tem a estratégia necessária de formação e desenvolvimento dos artistas que estão a trabalhar nas lojas. Por outro lado, continuo a fazer a parte do grupo de Senior Artists, portanto, de seis em seis meses, estou incluído nas semanas de Moda internacionais. Normalmente faço só Europa, porque também não tenho tempo para fazer mais, guardo sempre o meu cantinho para o Portugal Fashion, claro, e faço outro projecto todos os anos que é o Life Ball, na Aústria, que é o maior evento europeu de recolha de fundos contra a SIDA.

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Como é que é um dia normal?

Acho que isso é a coisa mais interessante do meu trabalho, e secalhar aquilo que me leva a estar há 20 anos numa marca. Eu não tenho um dia normal, são coisas sempre diferentes que acontecem. Eu vivo numa agenda. Sou daquelas pessoas que diz: "ok, deixa-me confirmar a minha agenda". Então acho que os dias mais aborrecidos são aqueles em que acordo de manhã e vou para um escritório, ou estou ao computador e estou a fazer telefonemas e a falar com os meus formadores dos outros países, etc. Esses se calhar são os dias mais chatos, mas depois, logo na semana a seguir, estou a viajar para outro país, estou a ver outras pessoas, estou a trabalhar noutros projetos...

O que é que o inspira enquanto maquilhador?

A música inspira-me, inspiram-me os filmes, inspiram-me referências, inspiram-me coisas interessantes. Eu acho que um bom maquilhador é um maquilhador que tem referências e, infelizmente, há imensa gente, imensos maquilhadores, que não têm referências. É uma opinião pessoal, mas eu acho que uma pessoa não ter referências limita imenso o trabalho, porque depois a nível criativo parece que estamos numa caixa. E eu gosto de me alimentar de tudo, desde ópera a porno, a heavy metal, sei lá, tantas coisas e referências. Para mim, lá está, Maria Callas é uma referência, da mesma forma que Traci Lords é uma referência, e se calhar as pessoas não sabem quem são.

Quem é que adorava maquilhar?

Vou-te confessar uma coisa. Eu sou muito tímido e custa-me maquilhar celebridades porque depois a insegurança kicks in.

Fica "starstruck"?

Sim, fico completamente estúpido. Eu não conheço todas as pessoas, obviamente, e, ao longo das minhas viagens, no Life Ball às tantas estou a maquilhar alguém perfeitamente na boa e quando as pessoas se vão embora vêm ter comigo e dizem "ai maquilhaste não sei quem". E por mim tudo bem. E eles perguntam: "mas sabes quem é?". E eu respondo: "não faço ideia". Não faço a mínima ideia e não me causa stress nenhum. Mas depois a Raquel Strada senta-se na minha cadeira e eu penso "ai meu Deus, estou a maquilhar a Raquel Strada". Percebes? E eu adoro a Raquel, é uma querida, mas sinto aquele pressão.

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Qual é a melhor parte de se ser makeup artist?

A criatividade. Foi precisamente isso que me levou, há 20 anos, a querer ser maquilhador. Queria ser designer de Moda e fui, durante algum tempo, completamente amador, mas fiz colecções. Mas o que eu mais gostava quando estava a fazer colecções eram aquelas duas semanas em que eu estava a desenhar e a parte criativa de desenvolver uma ideia e tudo isso. Odiava tudo o resto, que é a produção, a venda e a promoção. Odiava tudo isso.

Entretanto conheci a maquilhagem, que é pura criatividade. Eu faço uma maquilhagem, que me dura uma hora ou quatro horas, o que seja, e quando termino posso apagar e começar de novo. Por isso tudo aquilo que eu gostava do processo criativo da Moda eu tenho na maquilhagem. O que me mantém todavia a gostar de maquilhagem é essa parte criativa.

Um momento que o tenha marcado.

Ui, tantos.

Daqueles em que o tempo parece que congela e pensa "não acredito que estou aqui".

Hoje. Estar aqui no Portugal Fashion é ótimo.

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Há algum objetivo que ainda queira alcançar?

Gostava de aprender proestéticos. Essa palavra não existe (risos), mas trabalhar em efeitos especiais. Gostava. E brinco muitas vezes com isso.

Já fez experiências?

Sim, imensas. Adoro o Halloween. E, mais uma vez, continuo a fazer experiências em mim mesmo. Gostava de aprender. Aliás, um projecto que eu gostava de desenvolver era incluir proestéticos e transformá-los em Beleza. Ou seja, em vez de serem coisas estranhas e raras, transformá-los em Beleza.