Admito: eu própria, quando vi a notícia e a imagem dos elementos dos ABBA na televisão, 40 anos depois, com as suas feições alteradas, senti um ligeiro murro no estômago. Não lhes reconhecia as feições, principalmente dos elementos femininos – Agnetha Fältskog e Anni-Frid Lyngstad – ao ponto de não saber distinguir quem era a loura e quem era a ruiva. Estavam ambas com os cabelos brancos.

Só depois daquele choque inicial é que aceitei que se passaram 40 anos desde que os ABBA editaram o seu último álbum, 'The Visitors', em 1981, e que passámos este tempo todo a trautear e a cantarolar os seus hits, mundialmente famosos, sempre com a imagem jovial dos seus elementos "congelada" na nossa mente. E quatro décadas é muito tempo na vida de alguém e que, apesar de as suas canções continuarem vivas e atuais ainda nos dias de hoje, quem as canta modificou-se, envelheceu e seguiu o percurso natural neste caminho que é a vida.

#ÀFlorDaPele: a espuma dos dias
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Mas o que me surpreendeu verdadeiramente a seguir foi a notícia de que este regresso, acompanhado por um novo álbum – de seu nome 'Voyage', numa clara alusão à viagem que têm sido estes 40 anos – os ABBA irão também dar um concerto com recurso a uma tecnologia especial que, através de sensores instalados no corpo de cada elemento, capta todos os seus movimentos, enquanto que em palco estarão avatares que irão executar e cantar todas as músicas e coreografias. Avatares esses que refletirão a imagem dos elementos da banda de há 40 anos, numa espécie de “eu digital” que nada tem a ver com o seu “eu atual”, mas sim com o seu “eu do passado” – aquele que é reconhecido por milhões de pessoas em todo o mundo. Os ABBA de há 40 anos e não os ABBA de cabelos brancos e com mais de 70 anos de hoje.

Eu percebo a estratégia de marketing e a transmissão da ideia de que os ABBA, apesar de serem uma banda com mais de 40 anos, continuarem atuais, na vanguarda da tecnologia, e que o seu regresso não podia ser algo banal, tinha de ser inovador e irreverente, digno do novo milénio e de uma década com tantas mudanças estruturais e da inteligência artifical.

Mas… fará sentido dar um concerto em que os seus elementos não estão verdadeiramente em palco, enquanto pagamos para ver avatares ou hologramas de uma imagem física e de uma 'persona' que já não existe?

Ou será assim tão difícil para o público aceitar que os artistas também envelhecem, apesar de continuarmos a ter a imagem perfeita e jovem de quando atingiram o pico do sucesso congelada na nossa mente?

Não é já altura de aceitarmos (todos) que o legado é eterno, mas que somos falíveis?

#ÀFlorDaPele: Mamma Mia, here we go again!
créditos: Olle Lindeborg/AFP

A verdade é que os ABBA “terceira idade” não vendem nem chamam público às salas de espetáculo como os ABBA de há 40 anos, aqueles que ficaram para sempre eternizados e cristalizados em nós. Mais não seja porque a maioria das pessoas não os reconhece – aconteceu-me a mim quando os vi. Que é bonito o regresso à música e aos palcos passado tanto tempo, em pessoas que ainda se sentem com força, garra, saúde e vontade para o fazer. Que continuam ativas, a produzir e a demonstrar que a idade é mesmo só um número. Só lamento (e lamento mesmo, mas é uma opinião minha) que tenha de ser desta forma, com o foco no que foram e não no que são atualmente. Os ABBA regressam e estão 40 anos mais velhos, mas têm um álbum novo, com novas letras e canções. Não faria sentido assumir este regresso como uma nova identidade da banda?

São muitas as questões que me assolam enquanto escrevo este texto, porque este tema da eternização da juventude é algo que está de tal forma enraizado na sociedade atual, que sinto que, por mais que se fale no mesmo e de acharmos que já há sinais de mudança, a pressão advinda da cultura de consumo é tanta que é preciso coragem para a enfrentar – e nem todos estão dispostos a correr esse risco, pois cada um sabe o preço que tem de pagar por ela.

Quanto a mim, que fiz há uma semana 43 anos e não podia sentir-me mais grata por isso, só me vem à mente a canção do Sérgio Godinho, 'Elixir da Eterna Juventude', que nada tem a ver com a música dos ABBA, e que também já cá anda há mais de 40 anos, a assumir que o tempo pode passar, mas a sua voz e letras continuam a tocar os nossos corações da mesma forma de quando tinha vinte e poucos anos.

Quero ser p'ra sempre jovem
As minhas células movem
Uma campanha eficaz
Água benta e água-raz
O elixir da eterna juventude
Esse que quer que tudo mude
P'ra que tudo fique igual
Estava marado
Falsificado
É desleal!

Mafalda Santos  fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.