Esqueça o palhaço tradicional que sempre nos habituámos a ver em crianças. Esqueça a fatiota, as atuações e, até mesmo, a maquilhagem. Rui Paixão, de 25 anos, natural de Santa Maria da Feira, é um palhaço fora do comum. Não nasceu no circo, mas a vida e a paixão pelas artes encarregaram-se de o levar até ele. Estudou teatro e com apenas 20 anos tornou-se o primeiro jovem português a integrar a equipa do Cirque du Soleil.
Desde então, tem passado de palco em palco, a trabalhar naquilo que mais gosta: fazer rir as pessoas. Ao longo do seu percurso profissional, já foi Godot, Pozzo, Khino e, mais recentemente, Rrose Sélavy, um clown cheio de cor e carisma. Em conversa com a Miranda, falou-nos sobre a sua mais recente personagem e como a Beleza é um fator importante na sua profissão.
Quando o questionam sobre o porquê de ser palhaço, o artista diz ter sempre a mesma resposta: “Ando à procura do rosto que tinha antes do mundo ter nascido. O que é que nos unifica? O que é que cá estava antes da política, da religião e da educação nos terem ensinado novas formas de exercermos a monstruosidade? É desse lugar belo que ando à procura e estas personagens são reflexo disso. Talvez nunca encontre esse lugar, mas quando me transformo e interajo com as pessoas, acredito sempre que o encontrei”, conta.
Em novembro de 2020, Rui Paixão deu a conhecer na sua página de Instagram a nova personagem. Rrose Sélavy nasceu de um convite por parte da Direção do Coliseu do Porto para criar uma personagem de raiz e integrar o espetáculo do Circo de Natal 2020, num registo mais moderno e inovador.
O lema da personagem, inspirado no álbum "Joy as an act of resistance" – em português, “alegria como um ato de resistência” – da banda rock britânica Idles, surge em espírito de manifestação num contexto de pandemia em que o país se encontra, em tempo de restrições, onde a festa e a união são proibidas.
Quanto ao nome da personagem, Rui inspirou-se no heterónimo feminino do artista dadaísta Marcel Duchamp. “Escolhi-o porque queria realçar um lado meu menos masculino, e porque se suspeita que o Duchamp escreveu este nome numa brincadeira com a frase "arroser la vie", "fazer um brinde à vida", explicou o artista.
Rui interpreta sempre diferentes personagens seguindo o conceito de clowns modernos e contemporâneos, privilegiando ainda mais o trabalho estético. E não há dúvidas de que Rrose Sélavy é um palhaço único e irreverente. A caracterização está nas mãos do artista plástico Cristóvão Neto, o responsável pela criação da excêntrica peruca cor-de-rosa, e nas mãos do próprio Rui. “A makeup é o lugar onde me sinto mais seguro, até porque aprendi imensos ‘truques’ quando trabalhei no Cirque du Soleil e por isso assino sempre e executo a minha própria maquilhagem”, confessa.
É preciso sensivelmente uma hora para a maquilhagem ficar completa. As cores garridas em cor-de-rosa foram escolhidas de acordo com o figurino e a peruca da mesma cor. “Inspirei-me bastante em algumas imagens da Björk, mas na execução deslizei para este efeito de ‘escaldão’ parcial do rosto, com creme hidratante por cima, imaginando que a personagem teve uma experiência negativa no solário”, conta em tom de brincadeira.
O artista vê nas suas personagens uma oportunidade de ‘fugir’ à rotina e experienciar outros lados da Beleza: “O exagero nas personagens nasce de alguém que não tem qualquer tipo de rotina de beleza no dia-a-dia. Acredito que isso também me satisfaz, conhecer-me no meu estado mais natural ao espelho, para que nos dias de exceção, a criatividade possa ser livre. De qualquer das formas, não me excluo de cuidar de mim. Nunca tinha deixado crescer o cabelo, mantinha-o bem rapado por razões profissionais, mas agora que já cresceu, apareceu-me um cabelo encaracolado que não esperava e lá tenho de usar uns óleos para hidratar os caracóis”.
Até porque “a Beleza é o meu motor de jogo. Principalmente nos dias de hoje, onde o conceito do que é ou não é beleza se altera à velocidade da luz e, por isso, através do meu trabalho, gosto de acelerar e ampliar essas transformações e conceitos. É também um grito para um país menos preconceituoso e com menos julgamento. Um palhaço também é uma coisa bela”, admite.
A personagem Rrose Sélavy está agora no novo programa da TVI “All Together Now”, onde Rui integra o painel dos 100 jurados. Mas o futuro será certamente em cima dos palcos: “Começo a sentir a necessidade de fundar uma companhia. Quem sabe, em breve, fazer nascer um projeto, uma companhia de palhaços mais alternativos, a invadir o país... logo se verá”.
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