Verdade seja dita: nunca vimos tantos maquilhadores a trabalhar em regime de freelance a explorar novas técnicas e a ditar novas tendências no mundo da Beleza. Tal como em terras de Hollywood, o território nacional está recheado de freelance makeup artists que veem na maquilhagem uma profissão. Basta abrirmos as redes sociais, em especial o Instagram, e fazermos um rápido scroll pelas celebridades made in Portugal para constatarmos este facto. Bárbara Bandeira, Carolina Deslandes e Catarina Gouveia são só três das inúmeras personalidades que não passam sem o seu querido maquilhador. Mas, afinal, o que é isto de ser um maquilhador freelance? Tantas perguntas, tantas respostas. Miguel Stapleton, Du e Luciano Fialho sacam dos seus pincéis e sombras e dão cor às nossas questões.
Como é que o mundo da maquilhagem se transformou numa oportunidade de trabalho?
Miguel Stapleton: A oportunidade de fazer trabalhos como maquilhador surgiu quando tinha 18 anos. Uma amiga minha disse que ia ser fotografada e perguntou se eu a queria maquilhar. Foi o meu primeiro trabalho de portefólio. Aos 23, tive o meu primeiro trabalho em televisão.
Du: Comecei aos 14 anos a trabalhar como maquilhador nos cabeleireiros na terra em que cresci, como também espetáculos. A par disto, fui produzindo conteúdo para o Youtube, que tenho desde os 12 anos. Quando fiz 16, tive a oportunidade de trabalhar como assistente da maquilhadora Cristina Gomes, uma grande referência na área, e que mostrou-me a realidade deste mundo. Após esta oportunidades, tudo começou a fluir naturalmente.
Luciano Fialho: Na altura, enquanto estava a trabalhar numa perfumaria, conheci uma maquilhadora que trabalhava para uma marca e para a televisão. Demo-nos bastante bem e começou a chamar-me para trabalhar com ela em vários trabalhos de freelance até que, um dia, uma chefe de equipa de maquilhagem da televisão lhe ligou a precisar de um maquilhador para substituir outro, como estava ao lado dela quando lhe fizeram essa chamada, dei logo o meu nome e, desde aí, nunca mais parei.
E porquê trabalhar como freelance?
MS: Porque um trabalho puxa outro trabalho. A variedade do tipo de trabalho que surge é uma constante motivação e, pessoalmente, é muito enriquecedora. A nível monetário, mesmo um fluxo algo inconstante de trabalhos freelance, vence um ordenado fixo na área da maquilhagem. Tudo na vida é assim. O conforto da estabilidade tem um custo, e o melhor retorno financeiro da vida de freelancer paga o desconforto da instabilidade.
D: Felizmente, tenho a oportunidade de ser freelance a fazer o que mais amo. De momento, é o único regime de trabalho onde me consigo ver. Tenho apenas 19 anos, não procuro crescer rápido, quero também ter tempo para ser jovem, estar com os meus amigos, família e ter tempo para me conhecer.
LF: É quase a única forma de se trabalhar como maquilhador. Quer seja em eventos, noivas, televisão, moda é quase sempre como freelancer. Os contratos são muito raros, apenas em canais de televisão e, mesmo assim, são muito poucos os que têm maquilhadores fixos.
Há rotina de trabalho?
MS: A rotina de trabalho de freelancer é, precisamente, a de não haver rotina. Já tive trabalhos a começar às 18h30 e a terminar às 14h30 do dia seguinte, como também já tive trabalhos a começar às 5h e a terminar às 17h. O pior disto tudo é que não nos podemos queixar do patrão por não ter consideração pelo nosso bem-estar, pois o patrão abusivo somos sempre nós.
D: Não há rotina. Todos os dias é uma surpresa. Tanto pode um dia começar às 6h da manhã, como pode começar às 20h, tanto num dia posso filmar em Lisboa, perto de casa, como no outro dia estou em Espanha. É necessária uma noção de gestão de tempo, que nem eu próprio ainda sei bem fazer. Mas faz parte e isso entusiasma-me. Não gosto de rotinas.
LF: Acho que não existe uma rotina para maquilhadores freelance. A única rotina que existe é nos programas de longa duração, em que há dias e horas marcadas. Todos os trabalhos são diferentes, mesmo que sejam com o mesmo cliente, há sempre algo de diferente. A única rotina que me lembro é a de lavar os pincéis depois de cada trabalho.
Quais os prós e contras?
MS: Para além da clara instabilidade financeira, outra desvantagem é por vezes termos de pôr de lado as nossas necessidades básicas, como o dormir. Para além disso, torna um relacionamento difícil, porque não existe o conceito de "sábado e domingo", "feriado" ou "à hora do jantar". Quanto aos prós, destaco um especial: aprendemos a gerir o dinheiro e a ter a nossa almofada. Como freelancer é preciso ter fundo de maneio para um, dois, três meses para parar - não vá uma pandemia acontecer. Também como freelancer, trabalho para muitas pessoas com alguma regularidade. Se for despedido de uma empresa, tenho um apoio limitado antes de ficar desempregado. Neste caso, se perdermos uma cliente, seja qual for o motivo, temos todos os outros para nos apoiar na queda.
D: Sim, há. Diria que é algo gradual. Com o tempo, adquirem-se mais prós, porque as oportunidades de trabalho acabam por ser mais. Diria que o melhor pró seria poder trabalhar com as mais diversas equipas e clientes e ter uma maior oportunidade de gestão de tempo pessoal. O maior contra será o não saber o dia de amanhã, mas que com uma boa gestão financeira e de tempo, não se torna grave.
LF: Trabalhar como freelancer é bastante gratificante porque o trabalho é sempre diferente, com desafios constantes que nos fazem melhorar. Conhecemos pessoas diferentes constantemente e viajamos dentro e fora do país. A incerteza se iremos ter trabalho “amanhã” é a pior parte. Nem tudo depende de nós e essa parte pode ter repercussões psicológicas muito fortes. É preciso ter muita força, e claro, trabalho para se sobreviver nos tempos de espera entre trabalhos.
Sentes que existe uma maior pressão?
MS: Existe uma pressão como freelancer para entregar resultados de qualidade máxima todas as vezes, caso contrário provavelmente não haverá uma próxima vez. Isto não é um aspecto negativo, penso que é mais uma razão para darmos tudo no que fazemos. Há uma frase muito citada na indústria do entretenimento que resume esta ideia: "You’re only as good as your last job".
D: Já cheguei a pressionar-me demasiado porque nunca me contentava com o trabalho que desenvolvia, e nunca me vou contentar, e no dia em que concluir um trabalho e pense: ''Está perfeito', tudo vai perder magia e piada. Há dias em que afeta a criatividade, e que chegamos a casa a achar que o nosso trabalho não é bom, mas, é, nesses momentos, que agarramos na nossa força e paixão pelo trabalho e procuramos adquirir mais conhecimentos. Para mim, são momentos fundamentais, confesso. É daí que surgem as melhores ideias e trabalhos.
LF: O nosso trabalho carece de bastante responsabilidade. No meu caso, lido com pessoas que têm bastante exposição e, com isso, aumenta a pressão. No entanto, é tudo uma questão de hábito. Claro que ainda fico nervoso quando maquilho alguém pela primeira vez. Maquilhagem é algo bastante pessoal, é sobre a outra pessoa e não sobre nós. A criatividade aparece conforme construímos a confiança entre maquilhador e cliente.
Qual é o maior desafio em ser maquilhador freelance?
MS: O maior desafio de ser maquilhador freelancer, na minha opinião, é a autopromoção, mas apenas porque sou péssimo a fazê-lo a nível de redes sociais. Sou eu que tenho de ir à pesca do meu próprio trabalho. É inútil sentar-me ao lado do telefone à espera que toque. Isto também implica uma renovação constante de portfólio, tem de continuar sempre fresco e interessante.
D: A gestão de tempo, financeira, emotiva. Sou apaixonado pelo que faço e pelo "caos" e pressão que é criado em cada produção.
LC: O maior desafio? Nós somos os nossos próprios patrões, gerimos a nossa agenda e contabilidade. Recibos verdes podem ser brutais: descontos, iva, segurança social... E, como disse disse anteriormente, a incerteza se teremos ou não trabalho. Outra coisa que acontece muito é ficarmos presos num look de maquilhagem que sabemos que fica sempre bem e é rápido de o fazer, pode ser difícil sair desse ciclo.
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