Fui daquelas para quem a série 'O Sexo e a Cidade' era uma espécie de culto – embora a minha vida nunca se assemelhasse a nada do que ali era retratado – mas acho que para a maioria das mulheres que via aqueles episódios, havia neles um sentido de pertença onde todas nós, de uma forma ou de outra, nos revíamos naquela ligação especial entre quatro amigas sempre presentes umas para as outras e, claro, pelo guarda roupa.

Havia na série o glamour e o drama próprio de quatro mulheres, na casa dos 30, que falavam abertamente de sexo, relacionamentos e amizade, enquanto bebiam Cosmopolitans em praticamente todos os bares e restaurantes de Nova Iorque, conheciam novas pessoas, ou compravam roupa e sapatos Manolo Blahnik a mais de 600 dólares cada par — e nós nos questionávamos como é que a sua protagonista conseguia ter aquele estilo de vida com uma simples colaboração de uma rubrica com a revista Vogue e não estar inundada de dívidas.

Mas pronto, era o final dos anos 90, início do novo milénio, e nós éramos, literalmente, umas miúdas que víamos mulheres mais velhas a divertirem-se e a levarem a vida que nós sempre sonháramos (ou pelo menos parte dela, nem que fosse só pelos sapatos!). Por isso, quando li sobre o regresso deste quarteto agora transformado em trio, não partilhei da excitação geral e, como boa “grumpy” que sou, achei que era uma tentativa desesperada de ressuscitar uma fórmula de sucesso já morta.

#ÀFlorDaPele: Mamma Mia, here we go again!
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Na minha cabeça, voltar a ver as mesmas personagens, 20 anos depois, com os mesmos comportamentos que as definiam anteriormente, era só ridículo. Mas, claro, teria de ver e julgar por mim própria. De fevereiro de 2004 — data do último episódio — a novembro de 2021, passaram-se 17 anos e as miúdas então na casa dos 30 estão agora umas mulheres com 55 anos — e não se cansam de o dizer ao longo dos três episódios já existentes em streaming, bem em forma de statement. O que me agradou logo aí. Não achei excessivo, nem uma forma de aviso para os mais distraídos — "atenção: as personagens envelheceram, não fiquem chocados" — achei mesmo que está na hora de as pessoas aceitarem que mulheres de 55 anos têm os seus próprios dilemas, desejos e necessidades, e que continuam a necessitar das amigas de sempre, aquelas que já nos conhecem há anos e anos para os partilharmos e apoiar.

E assim, de repente, damos por nós a ver uma Miranda (Cynthia Nixon) que deixou de ser ruiva e passou a assumir os seus cabelos brancos – ainda mantendo o cabelo curto e no rosto os traços que a caracterizam. Uma Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) que assume que pinta o cabelo para esconder os brancos e que uma boa balayage não é algo que saia barato, ou uma Charlotte (Kristin Davis) que mantém a sua cor uniforme de sempre, mas onde o nosso (meu) choque é na cara demasiado esticada, retirando-lhe expressão. Mas tudo bem, faz parte do processo natural do envelhecimento, das angústias em lidar com ele e em tentar sentirmo-nos bem na nossa pele. Dezassete anos depois, as personagens não podiam estar iguais, isso sim, seria só desvirtuar que nada aconteceu.

Ao contrário das muitas reviews e comentários negativos que tenho lido e visto sobre este reboot de 'O Sexo e a Cidade', eu, que era uma assumida opositora a este regresso, confesso que gostei. Até porque me identifico mais com estas personagens e os seus dramas de relacionamentos de longa duração, casamentos que entraram na fase da rotina, filhos adolescentes e os seus desafios, vícios, sentirmo-nos desajustados face a um mundo demasiado dividido em diferentes tipos de géneros, ou o apelo e pressão por continuarmos a estar atualizados e a sentirmo-nos ativos no mundo do trabalho, do que alguma vez me senti quando tinha 20 anos e via estas mesmas mulheres a saltar de relação em relação, enquanto escolhiam sapatos e bebiam Cosmopolitans.

'And just like that', elas têm 55 anos. Cada uma envelheceu de acordo com a sua essência e eu pacifiquei-me com isso. Devo estar a ficar lamechas. Deve ser da idade.

Mafalda Santos  fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.