Esta semana disseram-me que já não tenho nada a ver com a foto que se encontra no site da empresa onde trabalho e que já tem quatro anos. E eu fiquei a ouvir aquilo e dei por mim a pensar: “Não estou assim tão diferente [acho eu, o que acaba sempre por ser uma visão subjectiva que temos de nós próprios], mas tirando o cabelo mais comprido e talvez mais louro, as minhas feições não mudaram assim tanto, apenas o envelhecimento natural de quem já passou dos 40 e leva – desde a foto até ao momento – mais quatro anos em cima."

E fiquei a remoer naquilo, não por uma questão de amor-próprio ferido, mas a pensar quantas vidas carregamos dentro da nossa. Quantas vezes mudámos, evoluímos e fomos outras pessoas que hoje, olhando para trás e para fotos do passado, nos fazem crer que somos a mesma pessoa? E se há coisa que me dá gozo é ir remexer nos tesourinhos deprimentes da adolescência e inícios da juventude e ver como as minhas certezas e complexos da altura se transformaram, como aprendi a cultivar o amor próprio ou a aceitar tudo aquilo que não posso mudar. Por isso, sim, olhando bem para a foto de há quatro anos, é impossível eu estar igual a ela, porque a verdade é que não estou.

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E nem me refiro à mudança física e aquela que é mais visível, se engordei uns quilinhos, se o rosto apresenta sinais de maior cansaço, ou se houve rugas que se instalaram. Em detrimento dos novos cabelos brancos que me começaram a nascer nas têmporas, clareei a cor uns tons – logo eu, que sempre disse que nunca seria loura – estão a ver como mudamos? Até aquelas afirmações que julgávamos tão convictas caem por terra – e mesmo que o meu corpo me faça ver e sentir que já não tenho 20, confesso que gosto de saber que posso vestir a roupa de há quatro anos, porque a mesma ainda me serve. Resta saber até quando.

E não tenho medo de envelhecer, tenho mais medo de não viver, por isso, sim, a foto de há quatro anos está desatualizada. Eu já não sou mais aquela pessoa e isso, claro, nota-se!

Assim como não sou mais a jovem com acne no rosto, que espetava com carradas de base para disfarçar – apesar de a minha mãe me dizer que aquilo me pesava e que o tom escolhido não tinha nada a ver com o meu tom natural – mesmo fazendo orelhas moucas à voz da razão maternal, porque na minha cabeça o que interessava era que as espinhas não se vissem e eu achava que assim é que estava bem.

Assim como não sou mais a miúda trinca-espinhas que durante anos e anos tinha tanta, mas tanta vergonha de ser magra e de o corpo, em formação, ter ausência de formas, que me camuflava das mais diversas maneiras, numa tentativa vã – e estúpida – de me refugiar do bullying (mas principalmente dos complexos que tinha) por ser tão alta e tão magra, por me sentir tão diferente das outras miúdas da minha idade que chamavam a atenção dos rapazes.

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Assim como não sou mais a miúda influenciável e/ou submissa, que muitas vezes acabava por se calar só para não ter uma voz contrária, para não ofender, magoar ou ser indelicada, mesmo quando o eram comigo.

Assim como não sou mais a mulher insegura que tinha medo de ser rejeitada, que achava que não era suficientemente bonita, ou inteligente, ou de valor para ser amada.

Por isso, olhando para a foto de há quatro anos, aquela pessoa que tanto espanto e surpresa fez ao ver uma foto minha, devia era ter visto todas as outras fotos que antecederam essa, que levaram até essa, mas também todas as que vieram depois.

Não há uma Mafalda antes e uma Mafalda depois. Há muitas Mafaldas em vários momentos, que fazem parte do todo que me trouxe até ao que sou hoje. E muitas mais hão-de vir e estar para chegar, num florescer contínuo de mim mesma. Há muitas vidas dentro desta vida e eu não sinto, por momento algum, que uma foto de há quatro anos seja o sinónimo de que o tempo passa e me arrasta com ele.

Hoje, de novo em pleno confinamento, no ano em que muitos anos cabem dentro dele – que nem a vida – dou por mim a achar que de miúda trinca-espinhas já não tenho nada. As ancas arredondaram e alargaram, e sabem que mais? Não me importo nada com isso. Dêem-me a vida carregada com o que me faz feliz – e isso tanto pode ser uma caixa de chocolates, um bom copo de vinho, ou pintar os lábios de vermelho – e verão como floresço. Sabem porquê? Porque o prazer nota-se e não há maior Beleza do que essa.

Mafalda Santos fez das palavras profissão, tendo já passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.