Já vesti o pijama, tenho a cama preparada para me deitar e estou a escrever a carta de demissão, que vou apresentar amanhã. Pode ser psicossomático, mas até já sinto a pele a esticar a cada linha que escrevo. Os meus últimos seis meses não foram nada fáceis. E agora que penso nisso, é curioso pensar como um trabalho nos pode tirar a Beleza. Hoje em dia, muito facilmente, deixamo-nos absorver pelo ritmo frenético dos tempos e entregamo-nos de bandeja às garras das hienas. Como empregados, e porque não queremos gerar conflitos, muitas vezes optamos por nos calar perante episódios de humilhação descarada, sem noção.
Ele há chefes...
Há chefes assombrados, há chefes que gritam, há chefes que fingem que trabalham e que não cumprem o que dizem, há chefes que não ouvem os seus colaboradores, há chefes que não percebem nada do negócio em que estão e que tomam decisões erradas, há chefes que mudam constantemente de ideias, há chefes que se incompatibilizam constantemente com os clientes, há chefes que nos tiram as folgas merecidas, há chefes que, acabando o dia de trabalho, sentem-se no direito de fazer os empregados esperar mais uma hora para ele sair e há chefes que conseguem reunir todas estas características numa só personalidade.
Resumimos a nossa realização profissional à moeda de troca, convencendo-nos de que só estamos ali para ganhar dinheiro e que esse dinheiro nos vai proporcionar a vida que queremos. Acreditamos nisso, mas todos os dias saímos do local de trabalho um pouco menos gente e um pouco mais frustrados, com menos uns anos de vida. Por mais bonitos que sejamos, se somos infelizes, tornamo-nos imediatamente repulsivos aos olhos dos outros. No filme Call Girl, com a Soraia Chaves a interpretar o papel de uma prostituta de luxo, a dada altura ela diz que “mais vale ser infeliz no banco de um Audi TT do que no banco de um autocarro”.
Beleza não lhe falta e a convicção com que alguém tão belo profere aquelas palavras, não deixa margem para dúvidas de que aquela verdade é absoluta e irrevogável. Para os seus clientes, o principal deles desempenhado pelo Nicolau Breyner, ela era estonteantemente bela e absolutamente verdadeira, mas na proximidade, quando vista à lupa pelo espectador, temos dó daquela pessoa sem alma e percebemos que um Audi TT afinal não é bem aquele banho de jovialidade que se pensa.
Acabei de comparar um mau emprego a prostituição de luxo, mas sinceramente até dei comigo a pensar muitas vezes se não teria mais dignidade como prostituto de luxo. Imaginava-me a fazer todos as dias o meu treino físico, entre o yoga, os treinos de hiit (high-intensity interval training) e a natação, e a imiscuir-me em rituais de beleza, tanto na marquesa da Clínica MEA, como em casa com todos os cremes que me apeteceria experimentar.
Iria finalmente ter o meu corpo de sonho e iria poder vesti-lo com Calvin Klein, Burberry, Louis Vuitton e Dior Homme, perfumar-me sempre com Neroli Portofino de Tom Ford e usar vários modelos de óculos de sol estilo ciclista - que são neste momento "a" tendência. De noite, tenho a certeza de que iria fazer muito dinheiro, dentro do perfil do prostituto que faz o papel de namorado e que sabe falar de política, de filosofia e de actualidades. O que é que acham? Até duvido se alguma vez iria sentir a dignidade afectada...
Ser infeliz no trabalho traduziu-se, em noites mal dormidas, em stress e ansiedade. Foram os ingredientes principais para uma má pele, que se desgastou e não se regenerou, que grita dermatites, que arroxeou e ganhou papos no contorno dos olhos
O cabelo também sofreu, a capacidade de absorção de nutrientes não está no seu pleno e a única solução têm sido a cosmética e a medicina estética, que têm atenuado o envelhecimento precoce a que me vi sujeito. Têm sido o meu escape. Uns refugiam-se no álcool, pois eu cá tenho-me entregue aos antioxidantes, aos ácidos hialurónicos e às toxinas botulínicas. São o melhor remédio naqueles dias em que saímos do trabalho a ter discussões em loop na própria cabeça. Mas melhor remédio que este é despedirmo-nos. Pode ser o maior acto de loucura, mas é também um acto de coragem e de libertação. Depois de meses de revolta e desapontamento sucessivos, onde já não sobra uma réstia de motivação, vou-me lançar ao abismo e deixar que a vida me surpreenda. Tenho a certeza de que um grande trabalho está à minha espera. Vou saltar fora, para a eterna juventude!
Bruno Reis, colaborador da Miranda, é o fundador e director criativo da Teeorema, marca de luxo de t-shirts.
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