Já existiam muitas tradições sobre o surgimento do Yoga, até começarem a aparecer os primeiros registos escritos dedicados à partilha dos seus valores e fundamentos, sendo o período Védico o primeiro momento em que começam a aparecer as primeiras notas escritas no Sul da Ásia. A partir daí, o Yoga começa a evoluir e, durante séculos, são muitos os pensadores e estudiosos que comentam e escrevem sobre a filosofia do Yoga – alguns mais focados no caminho da meditação, outros no caminho da prática.

Por muitos considerado o Pai e Fundador do Yoga, Patanjali foi na realidade quem se dedicou a sistematizar as tradições pré-existentes, compilando-as naquela que viria a tornar-se uma das obras mais marcantes e profícuas da disciplina do Yoga: Os Yoga Sutras de Patanjali.

Os 8 Membros do Yoga segundo Patanjali, e a Metáfora da Árvore de Iyengar

De acordo com os Yoga Sutras de Patanjali, existe um caminho em 8 partes, em direção ao estágio final de auto-realização, que ficou conhecido como Sistema Ashtanga Yoga ou os 8 Membros do Yoga (ashta significa oito e anga significa membro). Estes 8 membros são muitas vezes relacionados com uma árvore, nomeadamente na obra 'Light on The Yoga Sutras of Patanjali', de B. K. S. Iyengar, onde ele coloca a seguinte metáfora:

  • os Yama são as raízes para viver com clareza e honra, via uma existência ética, são as orientações morais;
  • Niyama é o tronco da árvore, estabelecendo a base da pureza do nosso corpo e mente, é a nossa consciência interior, as observâncias éticas para connosco próprios e a vida;
  • Asana são os ramos, que se estendem fortes mas flexíveis, para se moverem ao sabor da vida;
  • Pranayama são as folhas, que absorvem a força vital da vida por meio da respiração;
  • Pratyahara é a casca, que protege a árvore de elementos externos e evita que a sua essência flua para o exterior;
  • Dharana é a seiva, que corre nas veias da árvore e das suas folhas, mantendo uma mente-corpo firme.
  • Dhyana é a flor de toda a consciência, que amadurece lentamente e origina o fruto mais completo da prática, Samadhi, a total auto-realização.

Esta é uma bonita metáfora que nos ajuda a perceber muito bem este sistema em 8 passos de Patanjali. Hoje vou apenas debruçar-me sobre o 1º estágio, as raízes, a base, Yama — que se desmembra em 5 sub-pilares.

Yama explica os princípios do comportamento ético que cada um de nós deve observar na sua vivência diária. São os princípios morais que fornecem a base para uma vida consciente, na relação com o outro, com o mundo (e, no final, consigo mesmo também!). A tradução literal de Yama é "conter", "controlar". Os princípios morais são:

Ahimsa: significa não magoar (himsa = hurt, a = non), mas mais frequentemente interpretado como não-violência. Começa com o respeito por nós mesmos, estendendo este respeito a todos os outros seres no mundo (e eu diria também ao nosso planeta!). Quando agimos com uma consciência “Ahimsa”, isso significa que não vamos magoar os outros, nem a nós próprios, ou outros seres, a natureza ou o nosso planeta; significa que não vamos alimentar pensamentos negativos acerca dos outros ou de nós mesmos; que não vamos ingerir alimentos que nos vão prejudicar e ao nosso planeta; e que tudo o que fazemos e como o fazemos é feito com base na harmonia e no respeito.

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Satya: traduzindo-se como “verdadeira essência”, é aplicado no sentido de veracidade e significa muito mais do que não mentir. Significa sermos honestos connosco e com os outros e remete-nos para aquilo que é imutável e puro. Isto é, a total honestidade exige quietude ou, pelo menos, um pouco de abrandamento da mente. A verdade é que quando reagimos por via da impulsividade, a um nível primordial e puramente emocional, a maior parte das vezes não estamos a ver a verdade mas antes a (re)agir de um lugar de medo e condicionamento. Quando temos esta consciência de que não somos os nossos pensamentos, conseguimos perceber a diferença entre quem pensamos que somos (o nosso ego) e quem efectivamente somos (o nosso “atman”).

Asteya: significando não roubar, na sua essência representa libertar-se do desejo de possuir aquilo que não lhe pertence, o que não trabalhou para alcançar. Aqui é importante olharmos para as origens deste tipo de desejo, mais do que para o desejo em si; no fundo, o desejo ou necessidade de “roubar” (possuir algo que não nos pertence) deriva de uma falta de fé pessoal em sermos capazes de criar o que precisamos para nós mesmos. Este yama é muito fácil de perceber na prática do yoga no tapete: quando estamos a ir para além dos nossos limites, ou quando estamos focados em praticar um determinado asana como ele deve parecer e não o sentimos, nestes casos não estamos a observar este princípio de Asteya.

Brahmacharya: geralmente traduzido como o “uso correto da energia”, pode ser também interpretado com a prática da moderação e do equilíbrio. Significa conseguir direcionar a nossa energia na busca de paz e felicidade no nosso interior. Nas palavras de Bouanchaud (1999), implica um “equilíbrio correto de ações, pensamentos e emoções, direcionando-os para a busca pela realização absoluta ou superior”. A essência deste sutra é honrar-nos a nós mesmos e aos outros nas nossas relações mais íntimas.

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Aparigraha: ou desapego. Tradicionalmente interpretado como não ser ganancioso, não acumular, libertar-se de desejos, aparigraha é sobre viver em generosidade de espírito e ação, é sobre dar sem esperar receber. Este último, mas muito importante Yama, ensina-nos a ficar apenas com o que precisamos, apenas com aquilo que nos serve no momento, e deixar ir no devido momento. Podemos relacionar a uma frase muito proferida hoje em dia: “não é sobre o destino final, é sobre o caminho …”, mas cujas origens podemos imputar a Krishna “Do not let the results of your action be your motive, and do not be attached to inaction”. 

Em 'Light on The Yoga Sutras of Patanjali', B. K. S. Iyengar explica que os Yamas são incondicionados pelo tempo, lugar ou classe, querendo dizer que não importa quem somos, de onde viemos ou quanto yoga praticamos, todos podemos ter o objetivo de instigar os Yamas em nós.

Sara Sá estudou Comunicação Social, mas especializou-se em Relações Públicas e trabalhou 15 anos como tal. A paixão pelo Yoga levou a melhor e, deixando o emprego e vendendo tudo o que tinha, abriu no Porto o MANNA, um espaço onde partilha, com quem por lá passa, a sua filosofia de vida.