Dizer que viajar é bom parece mais redundante do que sugerir flores para a primavera. No entanto, há verdades que, por mais óbvias que sejam, precisam ser revalidadas regularmente, com a salvaguarda de não nos deixarmos mergulhar na rotina diária por muito tempo e de nos esquecermos que a vida é muito mais (e surpreendente) do que aquilo que nos envolve no dia-a-dia.
Se há algo que os últimos quase dois anos nos retiraram foi o sentimento de liberdade, acondicionando-nos numa bola claustrofóbica de regras, impedimentos e restrições, e uma dose extra de stress, aquele que andávamos a tentar livrar-nos há anos com aulas de yoga e meditações guiadas.
No mês passado fui passar duas semanas ao Brasil e sinto que o destino nem sequer foi essencial, pois mal entrei dentro de um avião e fui atingida por aquele ar condicionado gelado e o barulho dos motores foi como se o meu cérebro tivesse sido reanimado. E foi assim durante todas as férias: cada nova experiência, sabor, paisagem, cheiro, pessoa, edifício, servia de desfibrilhador. Mesmo com os cuidados que uma era de pandemia exige, só pelo facto de estar num local que ainda não tinha espaço na minha mente, e numa cultura em que cada pormenor é uma diferença, senti que me foram devolvidos anos de uma vida que – basta querermos – pode estar prestes a começar.
O escritor Patrick Rothfuss diz que um longo alongamento pela estrada pode ensinar-nos mais sobre nós do que 100 anos de silêncio, e se nos permitirmos a tal, viajar pode expandir a nossa cabeça de uma forma totalmente inovadora. Ser confrontado com a diferença faz-nos olhar para aqueles que são os nossos costumes sob uma nova luz, não cumprir horários leva-nos a apreciar o tempo de uma nova forma. Além do facto de não termos de ir trabalhar todos os dias, claro, a liberdade de horários oferece-nos uma nova perspetiva sobre a forma como ocuparíamos o nosso tempo se o stress não fizesse parte dele, e abanar as rotinas traz um novo e reconfortante sopro de novidade.
Também passa muitas vezes sobre nos rendermos ao que não conseguimos controlar, porque só por estarmos a viajar não significa que tudo vá correr na perfeição. Os imprevistos fazem parte de qualquer momento da vida e é a maneira como lidamos com eles que nos adiciona resiliência e paciência. A nossa flexibilidade cognitiva é estimulada, o que pode resultar num surto de criatividade maior (mas segundo o professor Adam Galinsky, que há anos estuda a ligação entre viajar e criatividade, este efeito só acontece se imergirmos na cultura alheia e estivermos efetivamente atentos ao que nos rodeia).
Como regressar ao quotidiano sem um ligeiro abalo? Tentando incorporar aspetos simples que nos fizeram bem no nosso dia-a-dia. Uma experiência que dê para repetir à distância (como um prato típico). Esforçando-nos para manter a mesma atenção plena ao agora que aconteceu durante a viagem. Deixando a mente aberta a conhecer algo novo. E, claro, começar a planear a próxima viagem.
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