Um story que leva a outro story que leva a uma reflexão – de que forma estão as tendências de hoje a influenciar os nossos padrões de beleza? Não é um tema leve, mas este tocou-me numa questão particular: no dia em que voltei a tirar as calças de cintura descaída do armário, o reels de Verena Figueiredo, colunista da Glamour Brasil, sobre os efeitos deste regresso na nossa mente, fizeram-me olhar para a minha escolha de outfit com outros olhos.
Nada de novo para mim: desde cedo que parte da minha vida se centra na forma como apresento. Não me lembro da primeira vez que fiz dieta, mas sei que tinha mais idade para estar preocupada em brincar com bonecas do que propriamente para os números do meu peso na balança. É um discurso que oiço diariamente junto das pessoas mais próximas. Mulheres. Sentimo-nos gordas. Feias. Que o nosso valor está intrinsecamente associado à nossa aparência. Que não encaixamos no que é definido sabe-se lá por quem (quando ser autêntico é aquilo que nos vai fazer destacar, sempre).
Olhando para a ‘moda’ das calças de cintura descaída e crop tops, a história mostra-nos algumas red flags às quais devemos ficar atentos. Não é por acaso que, depois de uma descida vertiginosa das cinturas das calças nos anos 2000, o debate sobre distúrbios alimentares tenha sido reforçado. Verena classifica-a como uma “tendência sexista e gordofóbica”, por só ser ‘permitida’ a quem tenha ‘corpo tal tal’.
Mas o que é isto de termos corpo para alguma coisa? Pernas para usar saias? Idade para vestir decotes? Gordura corporal insuficiente para nos exibirmos dentro de um top acima do umbigo? Normas irrealistas são-nos injetadas, é suposto parecermo-nos com as fotografias editadas do Instagram, acreditamos que determinada aparência vai trazer-nos felicidade (quando tudo o que nos forçamos a fazer para chegar a esse padrão inatingível só nos causa mais sofrimento).
Nos anos 90, Naomi Wolf escreveu aquela que é uma das primeiras ‘bíblias’ para destronar esta forma de funcionar em sociedade. 'The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Used Against Women', aponta a luz para as mentiras que são perpetuadas e esclarece que os padrões de beleza são uma forma de controlo social, tão restritiva como a típica imagem da mulher resguardada no lar e na cozinha.
E essa nem é parte mais ‘interessante’ – neste livro, Wolf foca-se também na solução, ou melhor, soluções que podemos adotar para tentarmos fugir aos estigmas. Ela ensina-nos a olhar para a beleza como um lugar de amor, em aproveitar o prazer que sentimos com alguns rituais, sem que deixemos de nos sentir bem quando não os seguimos. Focar-nos no nosso corpo distrai-nos do que é realmente importante: a nossa individualidade, caracter, personalidade, talentos, inteligência. Feitas as contas, nada é mais subjetivo do que a beleza.
Em vez de diabolizarmos o regresso da cintura descaída, porque não o ressignificamos? Olhemos para esta peça de roupa como um instrumento de mudança, responsabilizemo-nos por acrescentar mais imagens representativas e apropriemo-nos do seu poder para nós mesmas. Sejamos mais amigas umas das outras, elogiemos, foquemo-nos nas múltiplas identidades e partamos para a celebração. É um caminho fácil? Nem por isso (e eu estou longe de chegar à meta). Mas tem um ponto de partida óbvio: nós mesmas.
Quanto mais tomarmos as rédeas da imagem feminina, mais hábitos saudáveis estaremos a criar para as gerações seguintes. Como diz Naomi Wolf, “a mulher que ganha é aquela que se chama a si mesma de bonita e desafia o mundo a mudar para que a possa ver com outros olhos”. O ódio é uma força poderosa, mas acredito que o amor é ainda mais forte. Principalmente o próprio.
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