Se há objeto que sempre nos deu pistas sobre o estado do Mundo, será a roupa. Não é exactamente como se a Moda nos conseguisse enviar uma location via WhatsApp sobre em que dia, hora e local se situa determinada peça, mas quase. Os constrangimentos sociais aumentavam bainhas, tal como a sua queda as diminuía, e à medida que barreiras são sendo transpostas também a forma de vestir se altera, ganha novas texturas, entra em armários até então proibitivos e tapa-nos o corpo na mesma medida em que nos destapa a mente. Também é perita em expôr os nossos mais recônditos medos, cobrindo-nos em camadas quando o clima está gelado - e nem sequer estamos a falar de temperaturas -, tirar as palavras da nossa boca e transcrevê-las em T-shirts ou ajudar-nos a elevar a nossa voz com o par de saltos mais agudo de sempre. A acompanhá-la, looks de maquilhagem e cabelo contam-nos histórias que de outra forma ficariam guardadas nos arquivos, com os batons vermelhos a trazerem-nos alento em tempos de crise e os cortes de cabelo punk a fazerem estremecer a terra.
Foi ao mergulhar nas memórias da criação visual de campanhas da ModaLisboa que a stylist Cláudia Barros encontrou, em conjunto com a associação de Moda, o mote para a próxima campanha, esta que retrata o outono/inverno 2020/21. "A Moda representa aquilo que se está a passar no Mundo, é uma das suas funções, e por isso ao desbravar o arquivo de campanhas da ModaLisboa foi notório que cada uma delas representava de forma muita clara o período de tempo ao qual se destinava", explica a ex-diretora de Moda da Vogue Portugal. Tendo em conta as preocupações e valores latentes do evento de Moda nacional, como a sustentabilidade, a inclusão e o respeito, e traduzindo-o em imagem, a stylist percebeu que a resposta estava na palma da sua mão.
"Esta campanha inspira-se no efeito que a tecnologia tem em nós, nos dias de hoje. Não de forma crítica, mas factual, através do comportamento atual da sociedade." Assim nasceu Awake, a campanha que retrata a forma como agarramos nos telemóveis, através das mãos, "um dos maiores símbolos utilizados quando se quer reflectir o tempo" (pense no punho das revoluções, no polegar para 'ok' ou na mão de Deus que aponta) e que se encontra em mudança; a luz dos ecrãs nos nossos rostos; e as expressões de quem vive tudo intensamente e ao máximo. De quem está sempre acordado, alerta, atento, de quem tem o mundo na ponta dos dedos, o futuro nas mãos. "É por isso que tudo foi fotografado como se estivesse dentro do ecrã", explica, sobre a fotografia de Ricardo Santos.
A maquilhagem e cabelos, trazidos por Antónia Rosa e Helena Vaz Pereira, respectivamente, transmitem esta naturalidade forçada de quem usa as redes sociais como palco para existir. "A ideia é exprimir personalidade", diz Antónia Rosa. No rosto, a makeup artist guiou-se por nuances de brilho, conseguidas através de iluminadores e pouco uso de produtos com maior pigmentação ou opacos, e deixou que a pele ganhasse vida, os lábios esbatidos fossem lentamente acordados. Os cabelos foram deixados ao natural, com pequenos produtos de textura que lhes dessem formas de quem despertou agora para tomar consciência e gerar ação, materializar mudanças, sair de casa e construir o futuro. É como diz o comunicado da ModaLisboa, "AWAKE é mudar os nossos hábitos, é adotar a transparência como modus operandi; é consumir com lógica, é produzir com qualidade, é comprar com propósito. AWAKE é estar permanentemente ligado a todos os seres humanos que respiram neste planeta".
A campanha foi fotografada na Trienal de Arquitectura de Lisboa, no Campo de Santa Clara, num dia em que a chuva nos deu breves momentos de descanso, como que a conspirar a favor da Moda nacional. Por lá, estivemos com Olga Barrisco, fotógrafa que nos ajudou a imortalizar o dia em que, mais uma vez, o talento nacional de Moda e Beleza se uniu para cristalizar os tempos.
A ModaLisboa Awake, em co-organização com a Câmara Municipal de Lisboa, regressa ao Campo de Santa Clara de 5 a 8 de março para apresentar as coleções para o próximo outono/inverno 2020/2021 dos criadores nacionais, ao mesmo tempo que dedica toda a programação aberta ao público à sustentabilidade. Em linha com a eleição de Lisboa como a Capital Verde Europeia 2020, conta-nos que "é este o nosso compromisso e é esta a nossa única forma de olhar o futuro — afinal, 'acordar' não significa só despertar, mas concordar, e todos concordamos que esta é a única forma de avançar".
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