As ervas daninhas são um 'pesadelo' para qualquer jardineiro e agricultor, mas, na Herbes Folles, há um amor especial por elas, não é verdade?

Sim! De facto, nutro um amor muito especial por estas plantas rebeldes, que chegam e crescem sem convite, oferecendo beleza aos lugares mais cinzentos. Para além deste aspecto encantador, descobri estudando que, apesar da sua má fama, muitas ervas consideradas “daninhas” contêm inúmeras propriedades medicinais e acompanham-nos na resolução de diversos problemas há já muito tempo. O motor deste projecto passa, assim, por homenagear estas plantas e dar-lhes o lugar de destaque que considero que merecerem.

Assim que deitou a mão à primeira erva daninha, foi amor ao primeiro toque?

De facto, visto que morava no campo quando a ideia surgiu, numa casa com horta onde os pesticidas não entram, desenvolvi uma relação bastante sensorial com estas plantas: as cores, as texturas e os sabores distintos fizeram parte desta descoberta. Acho que, enquanto moradores/as de cidades, a ligação que temos com as plantas é algo distante... são seres que fazem parte da paisagem, mas com as quais não interagimos muito. Morar no campo, enquanto estudava medicina herbal, abriu-me para um universo complexo, diverso e extremamente rico. A erva “daninha” que me despertou mais curiosidade foi a beldroega: muito comum em Portugal, utilizada na nossa cozinha, descobri que é uma espécie de “super planta”. Todo o processo que permite a cada erva ganhar uma existência única e singular na nossa vida (em vez de parte de uma massa verde colectiva, anónima) permite toda uma relação de amor, como bem diz.

Herbes Folles: a marca de Beleza portuguesa que introduz as ervas daninhas nos cuidados de pele
Mariana Santos, fundadora da Herbes Folles
O que a levou a criar uma marca de Beleza com as ervas daninhas como protagonistas?

Aperceber-me do enorme potencial de propriedades destas plantas e verificar que, apesar de várias marcas as utilizarem na composição dos seus produtos, não haver nenhuma a brincar com o facto de utilizarem ervas rebeldes, consideradas como uma praga em diversos contextos. Visto que vivemos uma época em que já não é possível utilizarmos os recursos do nosso planeta como se o amanhã não existisse, parece-me que trabalhar com plantas que necessitam de pouca coisa para crescer é evidente e desejável. Trabalhar para essa consciencialização, de que não existem ervas daninhas e de que é possível aproveitar recursos abundantes, foi também uma grande motivação.

Em que zona é que é feita a colheita das ervas?

Os extratos das plantas são fabricados na Suíça, por uma empresa especializada em extratos cosméticos. Essa companhia trabalha com vários fornecedores que passam por um processo de selecção, que inclui critérios tanto relativos à qualidade das plantas como à ética social e ambiental no seu cultivo e colheita. Na verdade, nenhuma das plantas com as quais trabalhamos é colhida em Portugal, mas, sobretudo, em vários países europeus.

Desde a colheita das ervas até ao produto final, como é que se comporta o processo de produção?

Para além dos extratos das ditas ervas, outras matérias primas entram na composição dos nossos produtos. Trabalhamos com vários fornecedores, escolhidos criteriosamente, que enviam as matérias primas até ao laboratório. Lá, elas são transformadas (no caso do bálsamo Mimo é necessário derreter as ceras e a manteiga de murumuru) ou apenas combinadas para a realização do produto final. Há também a questão de ajuste do PH (no caso da loção bifásica Névoa, que é o único produto que contém elementos aquosos) para que corresponda ao PH da própria pele. Finalmente, existe toda a burocracia europeia associada à produção de cosméticos, da qual o próprio laboratório se ocupa.

Como é feito o processo de extração ou mimetização das propriedades das ervas para o interior das fórmulas?

As ervas, secas, são maceradas num solvente (água e glicerina ou óleo vegetal) à temperatura ambiente (20-25ºC), durante cerca de uma semana. Durante este período de tempo, as propriedades das plantas são absorvidas por esse solvente — propriedades essas que contêm componentes hidrosolúveis (que “gostam” de água) e liposolúveis (que “gostam” de óleo). O solvente é escolhido, assim, de acordo com as propriedades que pretendemos extrair de determinada planta.

Que propriedades cosméticas interessantes encontrou na composição das ervas?

Desde ácidos gordos essenciais (as beldroegas são das plantas com maior concentração destes componentes) e diferentes tipos de antioxidantes, que ajudam na protecção e manutenção da saúde da epiderme, passando por minerais e polissacarídeos importantes para a sua hidratação: estas plantas são extremamente ricas em compostos que enriquecem produtos de cuidados para a pele.

Onde é fabricada a fórmula?

As fórmulas são fabricadas num pequeno laboratório belga, na cidade de Spa, especializado em cosméticos naturais e sustentáveis. Esta escolha prende-se sobretudo com o facto de a minha vida, por motivos familiares, ser dividida entre Portugal e a Bélgica.

Qual é que tem sido o maior desafio?

Estar sozinha neste projeto. É difícil tomar decisões sozinha, pensar em estratégias, encontrar parceiros/as. E conciliar a minha vida de mãe com mulher de negócios: ambos estes papéis exigem muita disponibilidade e entrega, e nem sempre é fácil arranjar um justo equilíbrio.

A área da Beleza natural está ganhar terreno no mercado. Em relação às ervas daninhas, há cada vez mais interesse por quem se preocupa com os cuidados de pele?

Estas plantas são usadas em produtos de Beleza desde há muito, muito tempo, e, como já referi, são utilizadas na composição de diferentes produtos de várias marcas contemporâneas. O que eu observo é que, de facto, passando pela indústria da moda que começa a reutilizar urtigas para a produção de têxteis, ou de vários chefs de cozinha que cozinham com diferentes ervas espontâneas, há um interesse/curiosidade transversais e crescentes da sociedade em relação a elas. Trabalhamos com um coletivo esloveno que, por exemplo, usa uma planta altamente invasiva, a Fallopia Japonica, para a produção de papel. Acho que ainda há muito para (re)descobrir e explorar relativamente ao potencial de muitas ervas consideradas “daninhas”, mas penso que estamos no bom caminho!

As ervas daninhas são, também, conhecidas como plantas espontâneas. No futuro, já tem planos traçados para alargar a oferta da Herbes Folles ou é algo que vai surgir de forma espontânea assim como as ervas daninhas?

Nada é espontâneo em relação aos produtos, excepto a ideia: por detrás de cada produto, há um trabalho de planeamento gigantesco - o investimento financeiro necessário, a escolha dos ingredientes que os compõem e os fornecedores que os produzem, as embalagens, os testes obrigatórios, entre outros. Relativamente ao alargamento da marca, tenho a ideia de criar um protetor solar para o rosto, de uso diário. Agora, falta o planeamento!