Esta semana li uma notícia que me deixou perplexa e que me fez ir pesquisar mais sobre o tema: vai acontecer o concurso de Miss Inteligência Artificial, onde todas as candidatas são mulheres, supostamente lindíssimas, mas 100% falsas. Avatares gerados e criados por uma equipa com o único propósito de participar num concurso, onde competem pelo título de Miss AI (Inteligência Artificial).

Selecionadas de um total de 1500 avatares que se candidataram a participar neste concurso da primeira “Miss Inteligência Artificial” organizado pelos “The World AI Creator Awards”, apenas 10 passaram à fase de competição, onde uma das candidatas, é portuguesa, de seu nome Olivia C., que já conta no Instagram com mais de 12 mil seguidores.

E se um concurso de beleza com mulheres de carne e osso já é altamente redutor e com parâmetros de beleza que fogem dos corpos da maioria das comuns mortais, onde proliferam as mulheres caucasianas, altas, magras, com peitos volumosos e curvas perfeitas, um concurso de misses feito só de avatares, além de ser profundamente absurdo, leva-me a questionar, qual é o propósito?

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Segundo os organizadores, o evento é uma oportunidade de mostrar e desmistificar as extraordinárias capacidades da tecnologia, mas eu acho-o profundamente grotesco, ajudando, mais uma vez, à proliferação de padrões de beleza irrealistas, que hostilizam a mulher e a reduzem na sua forma e expressão a um estereótipo que não promove o amor próprio nem a diversidade de formas, etnias, ou corpos, e que nos bombardeia com imagens de perfeição inalcançável que provocam um enorme impacto na nossa auto estima.

Segundo um estudo da Dove, realizado este ano a propósito da celebração dos 20 anos da Campanha Beleza Real, que utilizou em 2004, mulheres reais nos seus anúncios e outdoors, um feito inédito à data, onde proliferavam as medidas perfeitas das supermodelos e a utilização do Photoshop para o tratamento de imagem, revelou que 1 em cada 5 mulheres estaria disposta a perder 1 ano de vida para atingir o seu ideal de beleza e que 1 em cada 5 raparigas, até aos 18 anos, estaria disposta a sacrificar até cinco anos de vida para atingir o mesmo ideal.

#ÀFlorDaPele: será a Inteligência Artificial a ditar os padrões de Beleza do futuro?
Foto gerada por Intelgiência Artificial Fanvue World AI Creator Awards

Mas não se ficou por aqui. Há 20 anos, quando a campanha foi lançada, a marca percebeu que apenas 2% das mulheres se consideravam bonitas, mas 20 anos depois, os dados mostram que pouco mudou, com as mulheres a sentirem-se inseguras e com 6 em cada 10 a assumir ter baixa autoestima, ou 1 em cada 3 mulheres a assumir que já deixou de ir à piscina, à praia ou ao SPA, por não se sentirem bem com o seu aspeto, abdicando também de fazer posts nas redes sociais pelos mesmos motivos.

Tendo por base este estudo, a marca descobriu ainda uma nova problemática que está a ameaçar a beleza real e que passa pela crescente proliferação de imagens geradas por Inteligência artificial, que promovem padrões de beleza irrealistas e inatingíveis, sendo igualmente pouco representativas e inclusivas. 8 em cada 10 das mulheres até aos 30 anos, consideram que as redes sociais provocam ansiedade e 1 em cada 4 assume ser influenciada a realizar procedimentos estéticos para mudar a sua aparência, após ver os resultados desses procedimentos em influenciadoras. Esta é uma realidade que ainda se intensifica nas camadas mais jovens, onde até aos 22 anos, metade das jovens diz ser influenciada a experimentar os produtos e tratamentos cosméticos que as influenciadoras recomendam nas redes sociais. Por fim, 70% das mulheres consideram que a forma como as mulheres são retratadas em videojogos é pouco natural e contribui para ideais irrealistas de beleza.

Voltando ao concurso de Miss Inteligência Artificial, cada uma das supostas candidatas, foi criada com uma personalidade única e distinta, bem como um rosto, abraçam causas, têm gostos e interesses específicos, e há toda uma tentativa de as tornar mais “humanas” aos olhos de quem as vê. Mas, a realidade, é que não o são. A grande maioria dos avatares criados, continuam a ser retratadas como altas, magras, de pele clara, cabelo comprido e de peitos volumosos, sem qualquer tipo de imperfeição física, reduzindo a beleza a um padrão ideal e homogéneo, sem diversidade. Isso não parece incomodar os seus criadores, que assumem que a tecnologia de inteligência artificial em si não é necessariamente o problema, porque a perfeição destes avatares é algo que as pessoas querem e esperam ver/ter e que não estão ali para mudar nenhum padrão de beleza. Referem também, que as participantes não serão avaliadas apenas pela sua beleza. Ganharão pontos pela utilização de ferramentas de IA por parte dos seus criadores, bem como pela sua influência nas redes sociais, e terão de responder a perguntas como, "se pudesses ter um sonho para tornar o mundo um lugar melhor, qual seria?"

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Foto gerada por Intelgiência Artificial Fanvue World AI Creator Awards

Já a mim, como mulher que lida também ela com os seus fantasmas, inseguranças e construção contínua de amor próprio e autoestima, incomoda-me bastante esta aceitação de algo que não é natural e verdadeiro. Que o aceitemos de forma tão tranquila e banal. Que o normalizemos desta forma, com indiferença. Além disso, sempre achei a pergunta “se pudesses fazer algo para mudar o mundo, o que seria?” nos concursos de beleza com mulheres reais, ridícula. Transpô-la para um concurso de Miss AI, ainda mais ridículo é, porque… nem as candidatas são reais, nem o mundo tal como ele é, existe para elas.

As mulheres reais choram, riem, uns dias sentem-se bonitas, empoderadas, outros acordam com olheiras, amarguradas ou tristes. Lidam com mil e uma emoções, cuidam de filhos, da casa, asseguram o trabalho, desdobram-se em várias, são muitas mulheres e sentires dentro de um só corpo, constelações autênticas de singularidade e isso, a Inteligência Artificial nunca conseguirá igualar.

Porque na realidade, somos todas Miss Universo.

Mafalda Santos fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.