No meio de piruetas e mortais de cortar a respiração, que alternaram entre as paralelas assimétricas, o tapete, a trave ou o cavalo, as atletas femininas presentes na fase de qualificação de ginástica artística dos Jogos Olímpicos pareciam todas plenas, concentradas, na sua melhor forma, super-heroínas.
Mas entre tantas mulheres jovens, na sua plenitude de idade reprodutiva e potência física, algo me fez pensar: e como será estarem quatro anos a prepararem-se para este momento, chegar o tão esperado dia e estarem menstruadas? Fazem algo para evitar isso? Sim, eu sei que há formas – uma simples mulher que tome a pílula sabe que se fizer uma toma contínua e sem interrupção, fica privada de sangramento menstrual e há quem jogue muito com isso em momentos importantes para não ter esse incómodo, umas férias, um casamento…
Mas isso aplica-se também ao desporto? Como fazem estas mulheres de alto rendimento físico? E de que forma a menstruação lhes afeta a concentração, o treino, a performance?
A relação entre menstruação e o desempenho atlético é complexa, uma vez que envolve considerações físicas, psicológicas e sociais. Durante o ciclo menstrual, as mulheres passam por variações hormonais que podem influenciar a sua energia, resistência, força muscular e coordenação. Estes fatores podem ter um impacto significativo no desempenho desportivo, especialmente em competições de alto nível como os Jogos Olímpicos. Os sintomas associados à menstruação, como cólicas, fadiga, inchaço, dor de cabeça e alterações de humor, podem dificultar o treino e a performance das atletas.
O mesmo se aplica às preocupações com a higiene menstrual e ao risco de fugas, que podem aumentar a ansiedade e o desconforto. Afinal, quem nunca ficou ansiosa com a possibilidade de se notar na praia que se está a usar um tampão, ou que se está suja sem se dar conta, que levante a mão… por isso, enquanto via aquelas mulheres fazerem os mais elaborados exercícios nos seus reduzidos maillots de ginástica, com mil e uma câmaras apontadas e a transmitirem todos os seus ângulos para todo o mundo ver enquanto rodopiam no ar de perna aberta, eu só pensava: e se alguma delas está menstruada?
Os Jogos Olímpicos Paris 2024 são a primeira edição a alcançar a paridade total de género entre os atletas selecionados, mas estão também a ficar na história pelos avanços significativos no domínio da educação menstrual. Reconhecendo a importância deste tema, o Comité Olímpico Internacional (COI) tem tomado medidas para apoiar as atletas durante os Jogos Olímpicos, dando voz ao tema e promovendo uma maior abertura e menos tabu sobre o mesmo. A sensibilização e educação sobre saúde menstrual parece ser um objetivo do COI, que tem promovido workshops e seminários para treinadores, médicos e para as próprias atletas, sobre o tema, promovendo um ambiente de apoio e compreensão.
Prova disso são os artigos e testemunhos de outras atletas de alta competição, que podem ser lidos no site dos Jogos Olímpicos Paris 2024. Sobre o tema “A Period That Starts a Conversation: Female Athlets Break The Taboo On Menstruation Elite Sports” (Um Período que Inicia Uma Conversa: As Atletas Femininas Quebram o Tabu da Menstruação no Desporto de Elite), é possível ler testemunhos de atletas como a nadadora Fu Yuanhui, que representou a República Popular da China nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, onde o facto de lhe ter aparecido o período na noite antes da sua prova a fez perder a medalha e ter um fraco desempenho; ou a judoca francesa Clarisse Agbegnenou, que se tornou embaixadora de uma marca francesa de roupa interior menstrual, alguns meses antes de conquistar a sua dupla medalha olímpica no judo, em Tóquio 2020, mas onde assume que competir com um quimono branco estando menstruada, “é complicado”.
O tema está, por isso, em cima da mesa e a vergonha de o abordar a ser cada vez mais secundária. Para estes jogos Olímpicos, o COI tem incentivado a inclusão de especialistas em saúde feminina nas equipas médicas das delegações, permitindo que as atletas tenham suporte e aconselhamento médico personalizado, ajudando-as a gerir melhor os sintomas menstruais e a otimizar o seu desempenho durante o ciclo.
Outra novidade é a disponibilização de produtos de higiene menstrual nas vilas olímpicas e locais de competição. A presença de absorventes, tampões e outros produtos menstruais é essencial para garantir que as atletas possam competir com confiança e conforto. Em Paris 2024, o COI garantiu que estes produtos serão fornecidos de forma gratuita e acessível, com a marca Always a ser nomeada marca de produtos menstruais oficial dos Jogos de 2024, existindo, um pouco por todas as redes sociais, várias campanhas de marketing que incentivam as atletas a falar sobre a menstruação. Exemplo disso é a jogadora de rugby americana Ilona Maher – que, num vídeo do TikTok publicado recentemente – referiu que nem sequer está à espera do período, mas mesmo assim trouxe para Paris “uns 50 tampões e cinco pares de cuecas para o período”.
Também o design dos uniformes tem sido uma área de foco e preocupação nestes Jogos Olímpicos. Muitas atletas mostraram preocupação sobre o uso de roupas de competição que possam evidenciar fugas menstruais. A atleta de luta livre Linda Morais, que representará o Canadá nestes Jogos Olímpicos e que tem sido uma voz ativa sobre o tema da menstruação, numa entrevista recente ao canal de televisão CTV, referiu que o uniforme deste ano da equipa do Canadá tem um fundo vermelho escuro, algo que ela considerou “uma ótima ideia, permitindo que as raparigas se sintam menos constrangidas no caso de estarem preocupadas com uma fuga”.
Apesar de terem sido dados os primeiros passos para a abordagem do tema de uma forma holística, educativa e presente, quebrando o tabu da menstruação e o impacto que a mesma pode ter nas atletas do sexo feminino, a verdade é que estar menstruada em dia de prova pode ser a diferença entre ter uma melhor prestação, ou não. O desempenho físico pode ficar comprometido e a influência na saúde e bem-estar das atletas é real, sendo mais um ponto de preocupação e ansiedade a gerir. Por isso, quando virem qualquer atleta feminina a competir, dando o máximo do seu foco, concentração, desempenho e força física, lembrem-se: elas são mesmo umas super-heroínas de carne e osso.
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