Nunca vos aconteceu estarem a nadar na piscina e sentirem o perfume de quem está a nadar no sentido contrário? Não sei como é que isso acontece, tendo em conta que não estou a respirar debaixo de água, mas é capaz de ter a ver com aquela lei que diz que o som se propaga mais rapidamente primeiro nos sólidos, depois nos líquidos e só então no ar. Parece que afinal acontece de igual maneira com os cheiros. Será?

Muito frequentemente, quando isto acontece, fico inebriado com o cheiro ao ponto de me distrair na coordenação motora que me faz manter à tona da água. Sobretudo quando é um cheiro masculino, que é capaz de despoletar memórias sensoriais muito bem guardadas em mim. O auge desta elevação espiritual é o momento em que saio da piscina e abro a porta de acesso directo ao balneário. Todos os cheiros estão ali: Old Spice, Brut, Axe, Denim... Perfumes que refrescam a nuvem de calor que paira ali dentro e que me deixam estonteantemente extasiado. Como é que uma fragrância consegue ter o poder de sintetizar tão bem um homem?

Da altura em que me negava sentir atraído por homens, a única coisa que não podia negar era o seu cheiro. Porque mesmo antes que eu me oprimisse, muito antes disso, resistente a qualquer bloqueio psicológico, já o perfume estava a ocupar-me as narinas e a tomar conta dos meus sentidos. Como se tivesse sido apertado um gatilho que desperta algo perdido dentro de mim. Durante muitos anos, a experiência do cheiro a homem foi o mais perto que estive de uma experiência sexual com alguém do mesmo sexo e é por isso que cada vez que o meu olfacto se cruza com notas de musgo de Carvalho, Bergamota, Cravo e Amadeirados faço uma viagem mágica ao Planeta dos Mil e um Sentidos e perco o fôlego.

Mas isto de gostar de pessoas do mesmo sexo pode ter muito de narcisista e perverso ao mesmo tempo, pois aquilo que nos atrai também pode ser aquilo que queremos ter para nós. Por isso, sempre dei comigo a querer voltar ao local do crime e regressar aos perfumes dos “meus homens”. O primeiro que me tocou foi o 212 de Carolina Herrera e, sem ainda saber o nome dele, sempre que ia na minha vida, na rua, no metro, a subir umas escadas, vinha e enchia-me os pulmões sem pedir licença. Era outra viagem imediata àquele planeta. Levei uns 5 anos a conseguir identificá-lo para o poder comprar para mim. Nunca mais o usei, mas veio ter comigo muito recentemente sob a forma de homem...

Depois, mais tarde, cruzei-me com o L’Eau d’Issey, de Issey Miyake, e nem esperei que o meu frasco de Le Male de Jean Paul Gaultier acabasse para o começar a consumir. Mas é aqui que começam as minhas questões acerca da minha imagem e acerca do perfume que vai bem com a minha cara. Porque a aparência de um homem deverá ter um cheiro que o acompanhe, não? Há homens morenos barbudos e há homens de cara imberbe imaculada; há homens clássicos conservadores e há homens modernos desportistas; há todo um leque de estilos e cada homem é uma imagem específica que deve ter a fragrância que o define e que acrescenta algo sobre ele. Mas deverá acrescentar ou também deverá surpreender?

Não me fascina muito pensar que me basta olhar para alguém para já saber à partida qual é o cheiro que tem. Talvez o facto de ter um cheiro já seja um grande feito, mas queria mesmo muito ser surpreendido, ser magnetizado. Quero surpreender e quero magnetizar. É isso que procuro num perfume. Não sou do tipo moreno barbudo, sou do tipo “cara de bebé”, nórdico e delicado e assim criei aqui uma zona de desconforto, porque apesar de associar ao tipo de homem que sou cheiros frescos, cítricos, herbais e marítimos, os cheiros que me fazem vibrar são antes os quentes, amadeirados e meio amargos e que associo a homens trigueiros e de genes dominantes. Qual destes me torna mais desejável? Surpreendo com um cheiro quente e amadeirado ou será que são aromas que me anulam por completo? O cheiro certo na pessoa certa é tão importante. Os perfume que tanto gosto nos outros homens pode não ser o perfume que me favorece. E a estação do ano? Devemos ter um perfume fresco no verão e um perfume quente no inverno? E se um homem quente, no verão, usar um perfume quente? Hello? Existe alguma fórmula matemática que me ajude?

Vou andar eternamente à procura do perfume que vai fazer de mim uma experiência irresistível e inesquecível da vida de alguém. Mas até o encontrar, vou continuar a usar a minha Água de Colónia Lavanda, da Ach Brito, e o perfume Tommy da Tommy Hilfiger, que estou a revisitar 20 anos depois de o cheirar pela primeira vez no Filipe, o meu colega de carteira do 10º ano. A memória que guardo dele não o dignifica, só o perfume que usava que era tão hipnotizante que tinha de o ter para mim. E agora tenho. E agora, sou eu que hipnotizo.

Bruno Reis, colaborador da Miranda, é o fundador e diretor criativo da Teeorema, marca de luxo de T-shirts.