Na medida certa, a transgressão de costumes é uma coisa bem sexy e até já nos habituámos a ver mulheres usarem calças e homens a usarem brinco. São pequenos códigos que assimilámos como norma mas que, quando começaram, provocaram muito burburinho e desconforto nas cabeças mais cristalizadas. Bastava a essas cabeças fazerem uma viagem no tempo para se lembrarem que no Antigo Egipto as mulheres mandavam e os homens usavam saia, brincos e maquilhagem.

É claro que não fiquei indiferente a esta tendência dos homens também pintarem as unhas. Não foram muitas as vezes que a testemunhei, mas foram as suficientes para incutirem em mim esta vontade de me fazer sentir um progressista e trendsetter caso o fizesse também. E os exemplos eram fortes: era o Harry Styles, era o Jared Leto, era o ASAP Rocky, e o resultado que exibiam era tão natural que me vi decidido a fazê-lo tão cedo quanto possível. Senti que estava na hora e que tinha toda a autoridade para tal. E mesmo que ouvisse um comentário depreciativo e moralista, não havia nada que me abalasse a mim, nem à minha sexualidade. Estas unhas pediam verniz preto, minha gente!

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Escolhi o Moscow Beauty Bar, pela proximidade com o meu local de trabalho e por já o ver como uma referência em Lisboa, pois não foram poucas vezes que vi trabalhos seus a serem partilhados nas redes sociais. Apesar de querer apenas pintar de preto, precisava de sentir que estava num lugar onde se levam a sério e que, sendo homem, não iria ser olhado como um desviado. Nunca se sabe o que podemos encontrar por aí...

Manicure feita, hora e meia depois confesso que saí a tentar agir o mais naturalmente possível, pois não conseguia abstrair-me do facto de estar a andar de unhas pintadas na rua. Foi aquele momento de confronto com a realidade, aquele momento de adaptação. Determinação e confiança eram essenciais! Mas cheguei vivo a casa e podia dar o primeiro dia da experiência como bem sucedido. Era altura de mudar o chip.

Estava muito entusiasmado e nos dias seguintes esmerei-me no guarda-roupa, de maneira a conseguir looks que dignificassem aquele polimento preto. Missão cumprida. O ambiente na ModaLisboa ainda ajudou a desencadear o meu modo statement, aquele estado luminoso em que somos olhados como fontes de vida pelo coração dos transeuntes e não há nada que arrebate as nossas premissas visuais.

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Houve ocasiões em que me apercebi da paralisia momentânea dos meus interlocutores quando viam as minhas unhas pretas, no momento de fazer um pagamento, na rua ou nos transportes públicos, mas não chegaram a ser situações desconfortáveis e nem eu estava para aí virado. Incorporei a atitude adequada sem dar grande importância ao assunto e tive ainda elogios de quem trabalha com moda. Tive amigos que também se sentiram tentados a fazer o mesmo, e aconteceu-me aquele fenómeno inexplicável de quando compramos um carro, começarmos a ver carros iguais na estrada: passei a ver ainda mais homens com unhas pintadas. Homens que conheço, homens em desfiles, homens estrela-rock, homens influencers... a moda veio para ficar!

Duraram uma semana aos olhos do grande público, até que foram dadas instruções de recolhimento nacional e desde aí mal vêem a luz do dia. Só em ocasiões especiais de visita ao supermercado é que as exibo orgulhosamente. Ou exibia. Porque agora estão todas descascadas e não tenho quem me faça a manutenção. Nunca pensei ter a realidade do país (e do mundo) espelhados nas unhas das minhas mãos, mas quero acreditar que logo, logo terei a oportunidade de voltar ao modo statement, em grandes eventos sociais, com unhas "dignas de um homem".

Bruno Reis, colaborador da Miranda, é o fundador e diretor criativo da Teeorema, marca de T-shirts de luxo.