No mês passado comecei a falar sobre um tema que gosto muito de ler, e ao qual recorro muitas vezes para me relembrar continuamente das bases do yoga: os oito pilares do Yoga segundo Patanjali, metaforizados por Iyengar como uma árvore. Falamos sobre as raízes da árvore (Yama), as orientações morais que nos conduzem ao foco deste artigo: o segundo pilar, o tronco da árvore, Niyama A nossa consciência interior, as observâncias éticas para connosco próprios e a vida, desenhadas para nos ajudar a construir o nosso caráter.
Tendo a intenção de focar a atenção em nós mesmos, a prática dos Niyamas conduz a uma verdade mais profunda e confere ao yogi a força interior, a clareza e a disciplina necessárias para progredir na sua jornada espiritual. Também os Niyamas se desmembram em cinco sub-pilares, segundo os Yoga Sutras de Patanjali. São eles:
Saucha pode ser traduzido como “limpeza” ou “pureza”. Muito mais profundo do que uma simples limpeza física, Saucha sugere que cultivemos a pureza do corpo e da mente, tratando-os como um templo. Ter um corpo saudável e limpo é um meio para que o propósito da alma possa ser cumprido. O corpo físico pode ser purificado através de asanas (posturas) e pranayamas (técnicas de respiração). Manter-se limpo com banhos regulares ajuda a purificar o corpo externo, enquanto uma alimentação à base de alimentos frescos e saudáveis permite alcançar uma limpeza mais profunda a um nível interior. O yogi deve também cultivar a pureza da mente, mantendo o estado mental o mais claro possível e abandonando tendências mentais negativas, como orgulho, raiva, ciúme, desonestidade, julgamento, etc.. Quando conseguimos limpar os nossos corpo e mente, tornamo-nos mais atentos aos aspectos elevados de viver conscientemente, mantendo-nos ancorados e centrados no nosso dia-a-dia.
Santosha, ou “contentamento”, implica sentir uma felicidade genuína. Um Vritti (flutuação da mente) muito comum é pensarmos “Serei feliz se/quando …”, mas podemos e devemos aliviar esta flutuação cultivando Santosha, que nos convida a aceitar e a apreciar o que somos e o que temos, no momento presente. Santosha surge no seguimento de Saucha: de um lugar de pureza, tornamo-nos mais humildes e contentes com a modéstia de como as coisas são, com o passado e com a nossa perceção de futuro. Quando aceitamos e reconhecemos que a vida é um processo de aprendizagem contínua, de crescimento e de evolução, tornamo-nos mais receptivos à auto-aceitação. E ser feliz com o que somos e com o que temos é contagiante, torna-nos melhores seres, e a partir daqui podemos seguir com a nossa vida e prática com mais felicidade, mais contentamento… e menos sofrimento.
Tapas significa “disciplina”, “ascetismo”. A palavra sânscrita tapas vem de tap, que significa queimar, incendiar, e é frequentemente usada para significar autocontrolo ou cultivo da força de vontade. Nos Yoga Sutras (2:43), Patanjali descreve tapas da seguinte forma: “Através de tapas, por causa da diminuição da impureza, a perfeição do corpo e dos órgãos dos sentidos [é adquirida]. Tapas destrói as impurezas da mente e concede poderes sobrenaturais ao yogi.” Estar o mais presente possível para o nosso contentamento envolve um compromisso disciplinado, e isso é Tapas, o fogo ardente da prática diária, que cria uma austeridade de ser, abrindo-nos cada vez mais à nossa verdadeira natureza. E é este entusiasmo que nos permite ver cada experiência como uma ferramenta de auto-realização. Tapas ajuda-nos, portanto, a direcionar a nossa energia para as nossas verdades e intenções mais íntimas, estando atento a como estamos no nosso corpo, respiração, mente e coração.
Svadhyaya significa literalmente “a própria leitura”, podendo ser interpretado como o auto-estudo, ou o estudo do Eu, e a prática da auto-reflexão. Viver nos Yamas e Niyamas requer uma prática de auto-estudo que aprofunda o nosso senso enquanto ser espiritual. Envolve uma autoconsciência intencional de tudo o que fazemos, aceitando as nossas limitações ao mesmo tempo que permanecemos centrados na nossa verdade. A ideia de Svadhyaya pode ser entendida em dois eixos. Primeiro, a recomendação de que o aspirante ao caminho do yoga deve estudar os textos clássicos do yoga e os escritos dos mestres de yoga, para compreender a teoria por trás da prática. E segundo, o auto-estudo implica também a prática de estudar e contemplar o atman (Ser), o que se consegue através de uma consciência constante, da disciplina, da meditação… o que acabará por levar à revelação do Ser, no qual todas as manifestações se desdobram. Como diz Patanjali, “Estude a si mesmo, descubra o divino”.
Por fim, Isvara Pranidhana, que é frequentemente traduzido como “entregar-se a Deus” ou a um poder superior, ou simplesmente deixar de lado as nossas expectativas. Abandonando o ego, a nossa vida exprime todas as qualidades dos Yamas e Niyamas, o que em última instância revela uma rendição a “Deus” ou a um sentido de Divino, ou ainda um sentimento de ser uma expressão de todo o universo natural. Quando fundamentada num sentido de Ser que é maior do que o "eu" individual, a nossa razão de ser é mais clara. Cultivar Isvara Pranidhana alivia os Vrittis que nos causam preocupações e ansiedade, levando-nos a um estado de rendição, união (yoga) e devoção constante, dissolvendo os desejos centrados no ego.
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