Na minha definição pessoal, o luxo na cosmética pode ser definido como arte aplicada a produtos funcionais; uma indulgência dos sentidos, independentemente dos custos.

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A cosmética é um sonho para quem a compra e um negócio para quem a trabalha. Qualquer que seja o nosso investimento, financeiro e/ou emocional, convém termos noção que, como em qualquer produto, um cosmético é a combinação de um preço com uma margem de lucro. E não há nada de errado nisso: é assim em todas as indústrias. Só que aqui, mesmo sentindo que por vezes pagamos muito mais do que aquilo que o produto vale, compramos um sonho, uma esperança. Os cosméticos são bens essenciais, mas também aspiracionais.

A primeira coisa necessária para compreender esta questão do preço de um cosmético, e tentar avançar uma resposta minimamente conclusiva para a questão inicial, é definir o processo de atribuição de preço na cosmética. O preço destes produtos resulta sempre de um trabalho analítico de gestão. A formação de preço é uma das tarefas mais importantes para a gestão financeira e garante que o produto seja lucrativo, cubra os custos e, ao mesmo tempo, seja competitivo e atrativo para os clientes.

A qualidade de um cosmético (ou a sua perceção) está relacionada com dois aspetos essenciais: a formulação e o marketing do produto. No processo de desenvolvimento de produto e na construção do ficheiro de Excel onde figurará o seu preço final, estão sentadas várias pessoas com múltiplas especialidades e cargos.

O formulador, como um 'chef', trabalha com uma fórmula que tem à partida especificações muito precisas, de acordo com vários critérios: a escolha das matérias-primas (tecnologia envolvida e concentrações), a textura, a fragrância (ou ausência dela), a eficácia avaliada por testes mais ou menos complexos e mais ou menos independentes, a tolerância da pele, etc..

O marketing, por sua vez, trabalha a embalagem (que tem de ser compatível com a fórmula e garantir a sua preservação, mas que também tem de ser adequada à imagem do produto), as ferramentas de apoio à venda, a publicidade, os embaixadores que eventualmente vão estar associados ao produto, etc..

Todos estes aspetos vão influenciar o preço final do produto. A questão é saber o que a marca privilegia, o que é em grande parte condicionado pelo seu posicionamento, pelo mercado-alvo, mas sobretudo pelos seus valores de marca.

  • Se a marca privilegiar todos os aspetos da formulação e todos os aspetos do marketing, teremos um produto excelente, eficiente, de alta qualidade, com uma bela apresentação, e um produto conhecido graças à comunicação feita numa escala que assegurará a sua divulgação e notoriedade. Este será, à partida, um produto caro, mas com todas as qualidades capazes de deixar um cliente satisfeito.
  • Se a marca favorecer todos os aspetos da formulação enquanto corta a parte de marketing, teremos novamente um bom produto, mas com uma apresentação geralmente básica, e um produto que poderá ser mais desconhecido do grande público pela insuficiência da sua comunicação. Este será, provavelmente, o produto considerado pela maioria como aquele que tem uma boa relação custo-benefício: um estado “amorfo” que não deixará nenhum consumidor apaixonado.
  • Se a marca privilegia todos os aspetos de marketing em detrimento da formulação, então teremos um produto de qualidade média-baixa, com uma apresentação excecional, que despertará a curiosidade de um grande número de consumidores, porque provavelmente será bem comunicado nos meios digitais e assegurará, pelo menos, uma primeira compra, mesmo que o seu preço possa ser acima do expectável.

A marca, em geral, não favorece todos os critérios de formulação, para que o produto caiba no limite de custo que ela própria fixou, assim como é ilusório esperar ter 100% de formulação e 0% de marketing: é praticamente impossível, porque o que uma marca procura é, acima de tudo, otimizar o peso dado aos diversos critérios.

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O orçamento de marketing das marcas para um determinado produto é muitas vezes maior do que o orçamento de formulação e, enquanto isto persistir, teremos resultados em que o preço não é um indicador de qualidade. O problema é que, em última análise, como são estas marcas que podem gastar mais em publicidade do que na qualidade do seu próprio produto, são marcas mais famosas e as que conhecemos melhor.

Por fim, o último critério a ter em mente: a margem, o lucro que a marca quer ter. Quanto mais a marca tentar aumentar a sua margem de lucro, mais vai reduzir o preço de custo do seu produto.

Após tudo isto, o que deve ser entendido, portanto, é que o raciocínio por preço – “quanto mais caro, melhor” – é muito simplista e só seria válido se todas as marcas funcionassem de forma igual e dessem a mesma importância aos diferentes critérios por cada tipo de produto produzido. Porém, está longe de ser o caso: cada marca é diferente na sua abordagem, no seu posicionamento, nos seus valores… algumas marcas investem mais na formulação dos seus produtos, outras procuram sobretudo que a imagem seja disruptiva, e é isso que torna cada marca original e permite que cada um de nós encontre o seu produto ideal.

Guia para escolher um produto cosmético:

  1. Identificar o que precisamos para a nossa pele.
  2. Definir um budget para o nosso investimento.
  3. Escolher o cosmético em função da sua ação e da forma mais pragmática possível.
  4. Escolher um produto que contenha ingredientes com eficácia comprovada para a ação pretendida.
  5. Investigar antes de comprar: ler a informação acerca do produto no site da marca, procurar reviews nas redes sociais, procurar aconselhamento especializado no ponto de venda.
  6. Valorizar produtos de marcas de confiança, com eficácia comprovada cientificamente por estudos robustos. As marcas com qualidade, independentemente do preço, investem e comunicam tudo isto porque está nos seus valores.

Cosméticos: caros ou baratos?

Comprar produtos de beleza regularmente exige investimento, mas não precisamos de gastar fortunas para compor a nossa rotina de cuidado diária. Produtos de preços baixos não são necessariamente piores do que os outros mais caros, pelo menos do ponto de vista toxicológico. Em termos regulamentares, todos os cosméticos são regulados pela mesma entidade, que em Portugal é o INFARMED. Não importa o seu preço, o seu local de venda ou a marca: todos os cosméticos têm de cumprir o mesmo regulamento e são fiscalizados da mesma forma. Como consumidores, devemos apenas garantir que investimos o nosso dinheiro em produtos de confiança, fugindo daqueles com proveniência duvidosa.

Farmacêutica de formação e especialista em Cosmética, Joana Nobre trabalha na Indústria Farmacêutica desde 2005. O rigor é a sua imagem de marca, algo bem patente nesta nova rubrica que criou para a Miranda, que incluirá sempre a versão áudio do texto e uma playlist de Spotify criada também por ela, alusiva com o tema.