Serão os cosméticos com ingredientes provenientes da canábis simplesmente uma tendência, ou há, de facto, evidências científicas que atestem a sua pertinência?

Os canabinoides são uma classe de compostos químicos que atua nos recetores canabinoides (CBRs), dispersos pelo corpo e envolvidos em diversos processos fisiológicos, alguns dos quais na pele. Interagem com esses recetores os endocanabinoides endógenos (encontrados nos sistemas nervoso e imunológico), os fitocanabinoides (produzidos por plantas) e os canabinoides sintéticos (uma diversidade de substâncias).

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O canabidiol (CBD), assim como o tetrahidrocanabinol (THC), pertencem ao grupo dos fitocanabinoides, substâncias naturalmente presentes na Cannabis sativa L., nome científico da planta da canábis, que contém centenas de compostos químicos diferentes – entre estes, 80 a 100 canabinoides. Em Portugal, para que o uso de CBD seja autorizado, o THC do produto deve ser inferior a 0,2% (m/m), conforme prevê o Regulamento (UE) nº1307/2013 de 17 dezembro.

A canábis é uma das mais antigas plantas medicinais conhecidas, sendo também usada como alimento e fibra. É também conhecida como cânhamo e marijuana, termos coloquiais para descrever as diferentes variedades da planta na família das canabináceas. A característica diferenciadora entre os dois é, entre outras, o teor de THC na planta. Cânhamo é um termo usado para classificar variedades de canábis que contêm 0,3% ou menos de THC. Marijuana refere-se às variedades de canábis que contêm mais de 0,3% de THC (normalmente de 5 a 35%) e é usada para obtenção de drogas medicinais ou recreativas.

Nos produtos cosméticos utilizam-se o óleo de CBD e o óleo de sementes de cânhamo, respetivamente identificados na lista de ingredientes como cannabidiol e Cannabis sativa seed oil (ou hemp seed oil, no mercado norte-americano). O óleo de CBD e o óleo de sementes de cânhamo são ambos produtos da planta canábis – especificamente, uma estirpe selecionada, com baixo teor de THC, conhecida como cânhamo industrial. Porém, eles derivam de diferentes partes da sua anatomia. O óleo de CBD é derivado principalmente das flores da planta de cânhamo, enquanto o óleo de cânhamo é obtido a partir das sementes.

Como funciona o CBD nos produtos cosméticos?

O CBD foi descoberto em 1940 pelo químico americano Roger Adams, e o estudo do seu uso por via tópica tem-se tornado relevante, principalmente para a indústria cosmética, sendo avançadas as possíveis propriedades antienvelhecimento, antioxidantes e anti-inflamatórias. O mercado global de cosméticos com canabidiol estava avaliado em 2018 em 201,32 milhões de euros e é expectável que aumente até 2024 a uma taxa de crescimento anual de mais de 30%, para chegar aos 2,67 mil milhões de euros, de acordo com o Market Reports World.

Até ao momento, as aplicações dos cosméticos com CBD foram exploradas na pele seca, acne, eczema, melasma, prurido, psoríase, dermatite seborreica, entre outras, mas os estudos precisam de ser mais robustos para se poderem retirar conclusões mais concretas.

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Segundo a Organização Mundial da Saúde, que já reviu diversos estudos científicos sobre este assunto, o CBD não é um componente psicoativo, contrariamente ao THC, ou seja, o seu consumo não tem quaisquer efeitos sobre a atividade psíquica, nem tão pouco tem potencial de abuso e dependência. Quer isto dizer que nem a ingestão, nem a aplicação tópica de CBD, provocam qualquer alteração no nosso estado mental. Esta clarificação é muito importante, porque um estudo com 531 dermatologistas constatou que 64% dos voluntários não sabiam que o CBD não é psicoativo, e 29% não sabiam que o THC é psicoativo.

O nosso sistema endocanabinoide é composto por dois tipos de recetores canabinoides, CB1 e CB2, e ambos estão presentes na pele, distribuídos através dos queratinócitos, melanócitos, folículos pilosos e glândulas sebáceas e sudoríparas. Isso significa que o canabidiol que é aplicado na pele pode potencialmente ligar-se a estes recetores que regulam alguns processos fisiológicos da pele. O mecanismo de ação para os benefícios do CBD no uso tópico ainda não foi totalmente explicado e o facto de um cosmético ter este ingrediente na sua formulação não garante as suas ações no produto final.

O CBD é altamente lipofílico (tem muita afinidade para as gorduras), com alguns componentes voláteis, os terpenos, muitos deles fotossensíveis. Tende a acumular-se no estrato córneo, sem poder permear mais a pele, e é usado nos cosméticos dissolvido noutros óleos transportadores, tais como o óleo de coco, jojoba, amêndoa doce ou até o próprio óleo de cânhamo. Rança muito facilmente e os cosméticos com CBD podem exigir, por isso, condições especiais de conservação, ou até terem um PAO (período após abertura) muito curto.

O que é o óleo de sementes de cânhamo?

O óleo de sementes de cânhamo é extraído das sementes da planta de cânhamo, por prensagem a frio. As sementes contêm altos teores de nutrientes, que são condensados e refinados no processo de produção do óleo, que não contém canabinoides, pelo que não interage com os recetores na pele. Contudo, é muito rico em ómega 3, 6 e 9, ácido palmítico e ácido esteárico. Além disso, contém proteínas, vitaminas E, B2, B6, minerais, fibras e hidratos de carbono, flavonoides, terpenos, carotenoides e fitoesterois, que garantem a sua ação anti-inflamatória e antienvelhecimento.

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Em cosméticos, o óleo de sementes de cânhamo é ainda usado como emoliente e hidratante, mas também como antienvelhecimento, devido à sua forte ação antioxidante. Tem sido utilizado em cosméticos posicionados para pele com dermatite atópica, psoríase e acne, não sendo um óleo comedogénico. Pode ser útil quando se usam retinoides ou depois de alguns ácidos, porque é eficaz na ação reconfortante.

Por ser um óleo altamente sensível à luz, ou seja, oxida facilmente, deve ser mantido refrigerado e, quando incorporado em cosméticos, pode exigir condições especiais de armazenamento.

Conclusão

O papel atual dos canabinoides para o tratamento de condições dermatológicas ainda não foi totalmente definido. O seu uso em cosméticos é recente e, apesar de parecer promissor e reconhecermos o seu potencial, há muitos fatores a considerar. O ingrediente em si pode ter ação, mas a dose, a forma como se encontra na formulação, a embalagem em que está acondicionado, e as condições de manutenção, são muito relevantes para o sucesso da performance dos cosméticos na pele.

Hype or Hope?

Algumas considerações para quem pensa comprar cosméticos com ingredientes derivados da canábis:

  1. Não é por se tratar de um ingrediente de origem natural que é melhor para a pele ou para o Ambiente.
  2. Um cosmético contém vários ingredientes e é a fórmula no seu todo que deverá ser avaliada.
  3. Não é por haver indícios de algumas ações benéficas em determinadas patologias, ou estados de pele, que vai ser melhor do que os ingredientes que já existem e que têm eficácia comprovada há anos nestes problemas de pele.
  4. Escolher marcas credíveis com estudo de eficácia comprovada.
  5. Ter noção das limitações dos cosméticos.
Farmacêutica de formação e especialista em Cosmética, Joana Nobre trabalha na Indústria Farmacêutica desde 2005. O rigor é a sua imagem de marca, algo bem patente nesta nova rubrica que criou para a Miranda, que incluirá sempre a versão áudio do texto e uma playlist de Spotify criada também por ela, alusiva com o tema.

Para a realização deste artigo foram consultadas diversas fontes bibliográficas, tais como:

  1. Mnekin, L.; Ripoll, L. Topical Use of Cannabis sativa Biochemicals. Cosmetics 2021, 8, 85. https://doi.org/10.3390/ cosmetics8030085
  2. Cristian Scheau, Ioana Anca Badarau, Livia-Gratiela Mihai, et al, Cannabinoids in the Pathophysiology of Skin Inflammation, Licensee MDPI, Basel, Switzerland 2020
  3. Eagleston, Lauren R M, Kalani, Nazanin Kuseh, Patel, Ravi R et al. Cannabinoids in dermatology: a scoping review, Dermatology Online Journal 2018.
  4. The Eco Well Podcast: Interview with Ally Hasbun on CBD Cosmetics, December 2019.
  5. Attila Oláh, Balázs I. Tóth, et al, Cannabidiol exerts sebostatic and antiinflammatory effects onhuman sebocytes, J Clin Invest. 2014 Sep 2; 124(9): 3713–3724.

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