Mesmo durante os períodos mais críticos e exigentes da História, a Indústria Cosmética não só resistiu como muitas vezes apresentou até crescimento. Nem na Grande Depressão as vendas de cosméticos diminuíram, e durante a Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill considerou o batom vermelho um bem de primeira necessidade, sendo distribuído com a mesma assiduidade que a farinha, por aumentar o moral. Os economistas chamam a este fenómeno Lipstick Index, ou o "Efeito Batom", que ilustra o facto de, em períodos de constrangimento social e económico, os consumidores, principalmente as mulheres, continuarem a comprar produtos que os façam sentir bem na sua pele e que lhes devolvam uma certa sensação de normalidade.

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Contudo, no início de 2020, com a pandemia da COVID-19, as vendas de batom diminuíram devido à utilização das máscaras. Com os lábios e metade do rosto cobertos, as vendas de maquilhagem caíram drasticamente nesse ano, particularmente as do batom. As nossas cabeças andavam preocupadas com outras coisas e embora ocasionalmente se aplicasse um pouco de cor nos lábios para preparar as reuniões digitais, na maioria das vezes a maquilhagem era negligenciada. O mesmo aconteceu com os perfumes, devido ao confinamento e ao distanciamento social, porque estes produtos estão muito associados à socialização e à vida fora de casa.

Enquanto o consumo de maquilhagem e perfumes decresceu no início da pandemia, os cuidados de higiene tiveram um crescimento brutal: sabonetes, gel de banho, pasta de dentes, colutórios… havendo no desenvolvimento do mercado dos cosméticos bucodentários a manifestação clara da preocupação com a transmissão do vírus por via oral. Isto condicionou um forte investimento da indústria em ensaios clínicos e investigação, para perceber até que ponto estes produtos podem, de facto, evitar a transmissão do vírus Sars-COV-2. Aguardamos os resultados…

Com o foco nas zonas que ficam a descoberto acima da máscara, os cosméticos da zona ocular tiveram um crescimento expectável, com o site de vendas Alibaba a reportar para o mercado chinês um crescimento de 150% na semana de 18 de fevereiro de 2020.

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Esta pandemia fez com que a segurança fosse a prioridade na vida das pessoas e, na cosmética, não foi exceção. As listas de ingredientes nas fórmulas começaram a ser mais escrutinadas de forma “analógica”, ou com recurso às aplicações de scan e análise de fórmulas. A importância do tipo de embalagem ganhou relevância na seleção dos produtos, tanto do ponto de vista do material usado, como da proteção conferida ao produto. Sem uma deslocação às lojas, a imagem das embalagens percecionada através dos meios digitais foi também crucial.

Houve ainda uma abertura aos ingredientes não naturais e aos conservantes, uma vez que a prioridade começou a ser a segurança, acima de tudo, numa tendência que já se designa de “safety-first” trend. Talvez pela primeira vez em décadas, o ser humano tenha percebido, pelo confronto inesperado com o vírus, que a Ciência é a aliada perfeita para a nossa sobrevivência como espécie, quer isto implique soluções naturais ou de síntese.

Por diversos fatores, a pandemia atual mudou a forma como as pessoas consomem e isso afetou, também, os cosméticos. A pandemia trouxe-nos a ideia de que é necessário haver higiene para nos protegermos de vírus e outros microrganismos potencialmente nocivos. Todos reaprendemos a lavar as mãos e percebemos que este gesto tão básico, que envolve água e cosméticos, pode mesmo salvar-nos a vida.

Nota-se, pois, desde 2020, uma forte priorização dos cuidados de limpeza e higiene levando ao consequente crescimento desta categoria de produtos. Em França, por exemplo, o mercado dos sabonetes de luxo para as mãos cresceu 800% na semana de 16 de março de 2020. A lavagem sucessiva das mãos impulsionou também o mercado dos cremes de mãos, produtos que acabam por compensar o desconforto causado pelo contacto sistemático com os agentes de lavagem e desinfeção.

Com o encerramento dos salões de cabeleiro e spas, os consumidores tiveram a necessidade de fazer por si próprios alguns dos procedimentos mais técnicos em casa, tais como manicure e pedicure, colorações de cabelo ou depilações. Houve então crescimento de vendas de alguns cosméticos, principalmente coloração capilar (+172%) e kits para as unhas (+218%) – dados da Amazon para o mercado dos EUA. Apesar de no período pós-confinamento muitos consumidores terem voltado a usufruir dos seus cuidados em ambiente profissional, alguns mantiveram os hábitos recentes de fazerem por si próprios, em casa, os seus procedimentos, poupando muitas vezes tempo e dinheiro.

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No entanto, à medida que a pandemia evoluiu começou a notar-se um aumento no consumo dos cuidados de maquilhagem e dos perfumes porque, com o dinheiro poupado em viagens, refeições fora de casa, espetáculos e outras atividades que estávamos impossibilitados de fazer, houve disponibilidade financeira para investimentos em produtos de bem-estar e saúde, e também a vontade de estar e parecer bem nas reuniões e nos eventos digitais que se tornaram parte da rotina. Houve, no caso dos perfumes, uma necessidade de usar aromas que remetessem ao passado pré-pandemia, algo nostálgico, mas compreensível, e alguns estudos referem que, neste campo, os aromas associados à natureza e à vida ao ar livre foram privilegiados.

A pandemia serviu ainda para o consumidor dar mais atenção à sua pele, pensar nela mais cuidadosamente e querer cuidar-se melhor. O tempo em casa e o maior investimento no autocuidado mudou o foco para a manutenção da pele natural e saudável. O conhecimento e o interesse pelo microbiota foi também impulsionado, tanto pela vontade do consumidor, que passou a dar mais atenção aos microrganismos, como pela promoção da literacia neste tópico por parte das marcas, uma situação frequente devido à "mascne", a acne mecânica causada pela utilização sucessiva da máscara. A "mascne" impactou milhares de consumidores e, apesar de ser uma situação frequente pré-pandemia em alguns profissionais que já usavam máscara recorrentemente, tornou-se realmente mais comum pela permanência constante da mesma.

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O autocuidado continua no topo das prioridades dos consumidores: dos banhos mais demorados à utilização de rituais de beleza mais cuidados, e o compromisso com o mindfulness, começou a haver uma maior valorização das texturas dos cosméticos, assim como dos seus perfumes (mesmo que nem sempre este represente a adição de uma fragrância à formulação), valorizando-se tudo o que traga alegria e serenidade à vida. O site Zalando, o maior de vendas online de moda e lifestyle na Europa, reportou crescimentos de 300% comparativamente ao ano anterior, para esta categoria de produtos de autocuidado, aromaterapia e produtos detox.

De uma forma mais ou menos lógica, a COVID-19 trouxe ainda uma visão clara da necessidade urgente de cuidarmos do nosso planeta, e isso impulsionou a sustentabilidade nesta indústria, com alguns grupos demográficos de consumidores, principalmente jovens e pais, a preferir a beleza com ética e o consumo consciente, algo que já estava presente antes da pandemia, incentivado por fatores como as alterações climáticas, mas que agora está como topo das prioridades. Dados da McKinsey referentes ao mercado do Reino Unido revelam ainda que 66% dos consumidores acreditam que as suas finanças serão afetadas pela pandemia e 36% pretendem consumir menos. Nunca é de mais relembrar que o primeiro passo para a sustentabilidade é a redução do consumo e isso só depende de nós.

Playlist: Cocoon

Apesar de a indústria cosmética estar numa posição privilegiada comparativamente a outras áreas de consumo, estes dois anos terão sido os piores da sua história. Mesmo antes da pandemia, a definição de Beleza estava a tornar-se mais global, expansiva e entrelaçada com a sensação de bem-estar dos indivíduos. A crise da pandemia provavelmente não mudará essas tendências – e, nisso, há motivo de esperança. Os produtos de beleza estão a perder o seu valor intrínseco, mas o benefício mais importante desta indústria é a forma como ela nos faz sentir. E aí, apesar de tudo, os consumidores continuam a mostrar que sentem conforto numa máscara hidratante feita ao domingo de manhã ou na aplicação de um batom antes de uma sessão de Zoom.

Farmacêutica de formação e especialista em Cosmética, Joana Nobre trabalha na Indústria Farmacêutica desde 2005. O rigor é a sua imagem de marca, algo bem patente nesta nova rubrica que criou para a Miranda, que incluirá sempre a versão áudio do texto e uma playlist de Spotify criada também por ela, alusiva com o tema.

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