Foram três meses de confinamento seguidos de um súbito "desconfinamento" em pleno Verão — uma estação que, embora este ano com praia e piscina em doses moderadas, não deixa de significar calções e camisolas sem mangas, o que leva muita gente a correr para os centros de estética ou, por receio de exposição, a experimentar fazer a depilação em casa.
Numa ótica de combater os artigos de utilização única, como as lâminas descartáveis ou as bandas de cera, a população que se depila e que está atenta aos problemas da sustentabilidade depara-se com algumas hipóteses. Entre depilação a laser / luz pulsada, depiladoras elétricas, cera quente reutilizável e lâminas reutilizáveis, qual será a melhor? Quais as vantagens e as desvantagens de cada método?
Depilação a laser e luz pulsada
Estes sistemas permitem depilação definitiva e não implicam o consumo de descartáveis — desde que, evidentemente, utilizemos uma lâmina reutilizável em casa antes de ir fazer a sessão, para evitar que usem lâminas descartáveis da clínica. No entanto, consomem muita energia. Para além da energia necessária para o feixe de luz que irá eliminar o pelo, as versões mais modernas incluem sistemas de refrigeração potentes. Os consumos médios de energia rondam os 2000 W.
Se pensarmos que, para fazer depilação definitiva nas zonas mais comuns (pernas, axilas, virilhas), demoramos cerca de 30 minutos em cada sessão e que precisamos de, em média, oito sessões iniciais, seguidas de uma sessão de manutenção por ano, estamos a falar de cerca de 30 sessões ao longo da vida (uma vez que, ao fim de alguns anos, a manutenção deixa de ter de ser realizada). Isso é igual a 15 horas de funcionamento das máquinas, o que equivale a 30 kWh de consumo.
Em Portugal, o fator de conversão de energia para CO2e (*) é de 0,3070 (carbonfootprint.com), o que significa que, por cada kWh são gastos 0,3070 kg de CO2e. Assim, quem faça depilação a laser, ao longo da vida gera 9,21 kg de CO2e. Para referência, uma tablete de chocolate equivale a cerca de 1 kg de CO2e. Fazer a depilação a laser seria equivalente a consumir 9 tabletes de chocolate ou a conduzir um carro (de consumo médio, a gasóleo), ao longo de 77 km (EPA).
Não parece grande exagero, se pensarmos na quantidade de gestos que fazemos diariamente e que têm um impacto tão superior em menos tempo. No entanto, como se comparam estes resultados com as outras opções?
Depiladoras elétricas
Uma depiladora elétrica portátil pode consumir desde 7,5 W (as mais económicas e pequenas) até 300 W (as mais rápidas, geralmente com mais pinças). Assumindo uma utilização mensal de 30 minutos ao longo da vida (contabilizamos uma média de 30 anos de depilação), estamos a falar de 180 horas de utilização.
Ou seja, as emissões associadas ao seu consumo podem variar entre os 1,35 kWh (no caso das mais simples, o que equivale a emissões na ordem dos 0,41 CO2e) até aos 54 kWh (nas mais complexas, gerando 16,57 CO2e). Isto significa que, no que diz respeito às depiladoras elétricas, podem ser mais ou menos sustentáveis do que a depilação a laser, dependendo da lâmina que escolhermos.
Depilação a cera quente
Com cera quente também é possível evitar descartáveis, já que a própria cera é puxada, sem ser necessário o recurso a bandas de polpa de papel. Além disso, como a própria máquina filtra a cera, é possível reutilizar várias vezes a mesma cera.
No entanto, utilizando uma máquina de cera quente, para além da cera reutilizável (que não deixa de ser um produto extra com o qual temos de contar), também existe consumo de energia — para aquecer a cera, claro. São cerca de 100 W. Para aquecer a cera e fazer a depilação completa, precisamos de estimar mais tempo do que nos casos anteriores. Podemos ter como base uma hora mensal. Ou seja, 360 horas ao longo da vida, que se traduzem em 10 kWh, gerando cerca de 3,07 kg de CO2e. Uma opção com o dobro das emissões das de uma depiladora elétrica simples, e um terço das da depilação a laser.
É muito difícil calcular as emissões associadas à cera, já que vai depender de inúmeros fatores. Sendo muitas vezes feita com parafina, sobretudo as depilatórias, obtém-se através do petróleo, o que vai aumentar significativamente as emissões associadas a este tipo de depilação.
Depilação com ceras caseiras
E se a cera que utilizarmos não tiver parafina? É melhor?
É verdade que existem ceras caseiras, embora dificilmente reutilizáveis e cuja segurança pode levantar algumas questões. Encontramos ceras com base de açúcar ou mel. São ingredientes que têm uma pegada carbónica bastante reduzida, pelo que podem constituir uma opção interessante. No entanto, para termos acesso a estes ingredientes, temos de os produzir e regar, o que implica um gasto considerável de água: no caso da cana de açúcar, segundo a plataforma Waterfootprint.org, estamos a falar de 1780 litros por kg. Se receitas com 200 g de açúcar dão para uma depilação completa, já 1 kg de cera de açúcar dá para cinco meses. Ou seja, ao longo da vida serão necessários 72 kg de açúcar, que implicam o gasto de 128160 litros de água.
Utilizar ingredientes alimentares para a depilação implica ainda a ocupação do solo para fins não alimentares. Sabendo que, de modo a alimentar todas as pessoas na Terra, devemos fazer um uso muito eficiente do solo, podemos questionar-nos se fará sentido utilizar espaço de solo para plantar ingredientes para fazer a depilação, quando existem opções que não implicam esta ocupação de solo (nem gastos de água).
Para além dos ingredientes, temos também de nos lembrar que precisamos à mesma de preparar a cera numa panela, onde podemos consumir entre 150 W a 800 W para levar a cera a entrar em ebulição (consumos que, percebemos logo, são mais elevados do que a máquina de cera quente ou a maioria das depiladoras elétricas).
Lâminas reutilizáveis
As lâminas reutilizáveis são uma solução simples e que existe há muitos anos. Quando a lâmina deixa de cortar devidamente, substitui-se apenas a lâmina, reutilizando o corpo.
É uma opção com menos partes descartáveis, já que apenas se descarta uma lâmina pequena, que deve ser entregue numa farmácia para encaminhamento para reciclagem. No entanto, algumas farmácias não aceitam recolher as mesmas, porque a reciclagem de objetos metálicos, como lâminas ou seringas, é paga ao peso e o valor é suportado pelas farmácias.
Embora não exista consumo direto de energia ou água, como nos casos anteriores, importa no entanto perceber que, para a extração de metal e produção das lâminas, é utilizada muita energia. Segundo Dold, B., 2008, a extração mineira do metal é a base de desenvolvimento económico de muitos países, mas tem uma reputação negativa devida aos problemas ambientais complexos de contaminação, como as emissões de dióxido de enxofre (SO2) e dióxido de carbono (CO2), e a drenagem ácida de minas, que coloca em perigo recursos vitais como o ar, a água e os solos.
Estudos mais recentes (como Glavinović et al. 2017) mostram que existem atualmente tecnologias de extração mineira com enorme potencial de redução de impacto ambiental. Ainda assim, para a produção das lâminas necessitamos sempre de extrair materiais de fontes não renováveis. Será que é necessário, quando vivemos numa época tão dependente do metal para tecnologia, e quando existem alternativas que não implicam este consumo de descartáveis?
Como em tudo na sustentabilidade, um assunto aparentemente tão “simples” como o da depilação é, na verdade, um tema bastante complexo. Se por um lado encontramos métodos que implicam um consumo energético maior, mas uma menor dependência de materiais descartáveis, por outro deparamo-nos com alternativas que não implicam consumo energético a nível doméstico, mas cuja produção pode ser muito pesada para o ambiente. Ou então alternativas que, parecendo mais “naturais”, podem causar ainda mais desequilíbrio nos ecossistemas, devido ao consumo de água que implicam.
É necessário analisar os nossos hábitos individuais, avaliar quais as opções que melhor se adaptam às nossas necessidades e, depois de ficar com uma ou duas “em cima da mesa”, colocar na balança todos os fatores acima referidos.
Quem disse que a Beleza era um tema superficial?
(*) CO2e, ou equivalente ao dióxido de carbono, é uma unidade de medição das pegadas de carbono. Expressa o impacto de cada gás com efeito de estufa em termos de quanto CO2 seria necessário para obter o mesmo aquecimento.
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