Como qualquer cenário catastrófico, a queda da empresa de beleza Deciem faz-nos perguntar como é que ainda não tínhamos adivinhado que isto iria acontecer. Os sites foram bloqueados, as lojas fecharam em todo o mundo e os retalhistas que vendiam os seus produtos começam, um a um, a abandonar o barco. Porque sim, é verdade: a Deciem, pelo menos como a conhecíamos, acabou. E embora tudo isto tenha acontecido em apenas dois dias, há muito tempo que o fundador e CEO da empresa nos preparava para o perigo iminente. Hoje, analisamos os factos.

A empresa

Fundada em 2012 por Brandon Truaxe, a Deciem nasceu com um conceito minimalista: despir os produtos de embalagens e ingredientes desnecessários, e simplificar as composições ao máximo. As dez marcas que pertencem ao grupo (todas elas criadas de raiz pela Deciem) são a famosa The Ordinary, a Abnomaly (com produtos para os lábios e a pele), a NIOD e a Hylamide (versões mais caras da The Ordinary), a Fountain (que vende vários suplementos de beleza), a The Chemistry Brand e a Loopha (dedicadas a cuidados de corpo), a Stemm e a HIF (de produtos de cabelo), e a Ab Crew (de cuidados de beleza masculinos).

A The Ordinary, criada em 2016 e adorada por celebridades como Kim Kardashian, ficou bastante conhecida nos últimos anos pelos seus produtos acessíveis e de fórmulas simples, que podem ser usados sozinhos ou mesmo misturados entre si e que chegam a ser mais baratos que qualquer produto semelhante disponível no supermercado.

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Estava previsto que as vendas da Deciem chegassem aos 300 milhões de dólares este ano, um número significativo para uma empresa conhecida principalmente por vender produtos que custam menos de 10 dólares. O grupo tem mais de 24 lojas em todo o mundo e cerca de 800 empregados no total, e a página do instagram da Deciem conta com mais de 370 mil seguidores. No Verão passado, uma pequena parte da empresa (28%) foi comprada pelo grupo Estée Lauder.

O fundador

Formado em programação, Brandon Truaxe fundou uma marca de cuidados de rosto de luxo chamada Euoko em 2008. Depois de deixar a marca, fundou a Indeed Labs, outra empresa de beleza. Abandonou esse projecto também, desta vez em maus termos, segundo uma entrevista que deu em 2016 à Cosmetics Business. “Uma combinação de paixão por trazer credibilidade ao negócio da beleza e de vingança devido à Indeed Labs levou à criação da Deciem", contou o fundador.

Truaxe sempre foi conhecido por ter atitudes muito particulares em entrevistas, mas tudo começou a ficar mais estranho no início de 2018, quando o fundador e CEO da Deciem começou a publicar conteúdo pessoal e mensagens bizarras na página de instagram oficial da marca.

A queda

Em Janeiro de 2018, na descrição de um dos produtos no site da The Ordinary, a marca escreveu uma frase passivo-agressiva direccionada a outra marca de beleza, a Drunk Elephant. Na descrição, podia ler-se que, como o óleo de Marula (muito usado nos produtos da Drunk Elephant, uma marca de cuidados de pele com preços mais elevados) é um ingrediente muito barato, “alguém teria de estar bêbado” para pagar demasiado por um produto com esse ingrediente. Toda a situação foi considerada muito pouco profissional, e mais tarde nesse mês Truaxe pediu desculpas, no instagram, à CEO da Drunk Elephant.

Foi também em Janeiro que Truaxe anunciou que ia cancelar todos os planos de marketing da Deciem, e começar a usar o instagram da empresa como a sua página pessoal. O CEO disse que iria responder pessoalmente a todos os comentários e emails dirigidos à empresa, dando a ideia de que talvez tivesse despedido a parte da sua equipa que normalmente desempenharia essas funções.

Mais tarde, disse aos seguidores da marca que suspeitava que o instagram da Deciem estava a ser invadido por hackers (“pode ser um antigo empregado, alguém que não gosta de nós, alguém da competição”) e anunciou que ia abandonar o título de CEO para passar a ser conhecido como “empregado”.

Animais mortos

Nesse mesmo dia, Truaxe partilhou a fotografia de uma ovelha morta no instagram da Deciem, aproveitando para anunciar que a empresa nunca irá testar em animais. Foi nesta altura que as pessoas começaram a ficar seriamente preocupadas com a direcção da Deciem, e surgiram comentários como “Hey Deciem, acho que a vossa conta foi hackeada por um homem que perdeu a cabeça.”

As coisas começaram a ficar ainda mais estranhas em Fevereiro, quando Truaxe partilhou vários vídeos de lixo e anunciou, na descrição, que ia acabar todos os contratos que tinha com o seu fornecedor de embalagens de plástico, aproveitando para lhe oferecer a oportunidade de se mudar para o Canadá. Foi nesta altura que se tornou claro que Truaxe estava a usar o instagram como meio de comunicação directa (e extremamente pública) com os seus empregados. “Alessandro e Hajar, por favor digam aos nossos fornecedores que este plano entrará em acção no final de 2018. Peter da Mong Packaging, lamento mas não iremos usar mais plástico. És tão boa pessoa. Vou ajudar-te a ti e à tua família a mudarem-se para o Canadá, se quiseres, e podes vir trabalhar na Deciem.”

Ainda não tinha chegado Abril e já Truaxe tinha sido acusado de racismo e usado o instagram para despedir várias pessoas, entre elas a co-CEO Nicola Kilner, com quem falou abertamente através de vários posts, e que regressou à empresa em meados de Julho. Depois de outros tantos vídeos alarmantes e de responder de forma agressiva a muitos dos comentários, o fundador da Deciem ameaçou processar a jornalista Sue Naysayers por ter questionado o estado da sua saúde mental.

Depois de alguns rumores que diziam que Truaxe ia deixar a Deciem, o próprio CEO publicou, no dia 8 de Outubro, um vídeo em que anunciava não só a sua saída da empresa, como o fim da própria empresa e das marcas que lhe pertencem. Truaxe acusou os seus empregados de estarem envolvidos em “grandes actividades criminais” e ameaça, na descrição do vídeo, várias pessoas, empresas (incluindo a Estée Lauder e a Too Faced) e celebridades como Brad Pitt e Stephen Spielberg.

Em resposta a todo o escândalo, o grupo Estée Lauder disse em comunicado que "está extremamente preocupado com o material partilhado nas redes sociais e vai defender os seus direitos enquanto investidor minoritário". Entretanto, foi anunciado que o grupo irá processar a Deciem, exigindo que Brandon Truaxe seja removido da empresa e proibido de contactar quaisquer empregados da Deciem.

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Neste momento, o site da Deciem está fechado (embora os das suas marcas ainda estejam disponíveis), assim como grande parte das lojas físicas do grupo. Foi recentemente anunciado que retalhistas como a Sephora e a Ulta já deixaram de vender os produtos das marcas Deciem, e o mesmo se prevê que acontecerá noutros espaços semelhantes. Para já, os produtos de marcas como a The Ordinary ainda aparecem disponíveis em sites como a Cult Beauty, mas é difícil saber por quanto mais tempo.

Caso seja fã da marca, compre tudo o que puder o quanto antes - é impossível prever o futuro da Deciem, mas não parece promissor.

Actualização (13 Outubro)

Depois de ser processado pelo grupo Estée Lauder, Brandon Truaxe foi forçado a abandonar a Deciem e todos os cargos e responsabilidades que tinha na empresa. A co-CEO Nicola Kilner é agora a chefe executiva da marca, e tenciona retomar todas as operações o quanto antes.

Actualização (16 de Outubro)

Depois de Brandon Truaxe ter saído da Deciem após o processo do Grupo Estée Lauder, todas as lojas, sites e escritórios da empresa abriram e retomaram o seu normal funcionamento.