Lembro uma vez que estava na praia de Ipanema e uma gringa norte-americana fez topless na areia. Logo aproximaram-se dela e disseram que não podia fazê-lo lá. Ri sozinha do desconexo.

Apesar de o topless não ser exatamente uma prática proibida por lei no Brasil, se você perguntar para a maioria da população a mesma dirá veementemente que sim. É daquelas coisas que alguém ouviu um dia, não discutiu, achou que fazia total sentido — porque nunca viu ninguém fazendo — e acreditou como um facto consumado.

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Mas há motivo de retração. A praticante pode ser detida se o caso for considerado ato obsceno em público, punível pelo artigo 233º do Código Penal Brasileiro, e concordam comigo que isso é muito aberto a interpretações? Ipanema poderia até fugir à regra, já que a 19 de janeiro de 2000, foi publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro que a Polícia Militar, a responsável pela segurança do município, não reprimisse as banhistas que o praticassem.

Contudo, mais de duas décadas se passaram e o topless continua longe de ser consensual. Sim, a lógica vem do mesmo povo que desfila nu no Carnaval, mas parece reservar a nudez pública apenas para o espetáculo no Sambódromo, é uma apresentação, quase como um show.

A despeito de (sem brincar com as palavras) o brasileiro ter uma imagem de uma nação muito sexy e sexual, existe muito conservadorismo e pudor nas pessoas. Por isso, é de se elogiar que finalmente estejam a surfar a onda do sexual wellness.

Para os mais atentos, o prazer feminino e o autocuidado estão a revolucionar a indústria do sexo, e o Brasil já possui algumas marcas com produtos nacionais, desde lubrificantes a vibradores, dildos e chicotes, que começaram muito antes de a Gwyneth Paltrow vender velas com aroma da sua vagina ou Dakota Johnson ser co-diretora e criadora da marca de bem-estar sexual Maude; ou ainda de Lily Allen ter lançado a sua própria linha de sex toys, a Womanizer, lançando a hashtag #Imasturbate, ou Cara Delevingnese ter tornado a última celebridade a unir forças com a marca de tecnologia sexual de luxo Lora Di Carlo.

A nova revolução sexual mundial não escapou ao Brasil e, felizmente, tem dado o devido e merecido foco ao orgasmo feminino, tratando-o sem perversão e levantando a bandeira de autocuidado e autoconhecimento. E as mudanças são sentidas e visíveis, literalmente.

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Os vibradores e massajadores têm formatos diversos, inovadores, com cores atraentes, os dildos não têm mais a aparência de brinquedos sexuais e sim um design incrível. Não há mais vergonha de exibi-los. São lustrosos, metálicos e até de pedra ou cristais. Os lubrificantes vêm numa embalagem com identidade visual minimalista ou divertida, e com fórmulas hidratantes e naturais, géis e óleos têm diferentes aromas e gostos. Até os preservativos podem ser sustentáveis, vegan e biodegradáveis.

Sim, é intenso. Mas o melhor é que há de tudo para todos. E a diferença é que agora o momento parece se tratar de uma grande mudança na comunicação da venda desses produtos. Não se vê os estereótipos de baixo escalão ou sujos, que tanto permearam a indústria erótica. Agora, a abordagem é outra. A sexualidade feminina vem a ser entendida como um dos pilares do nosso bem-estar. Sim, é importante, faz bem à saúde, melhora a sua pele, o seu humor, claro, e ainda pode deixar você mais perspicaz, porque, segundo os pesquisadores da Universidade McGill, no Canadá, faz bem à memória. Portanto, o contacto íntimo possui uma energia poderosa, que afeta a nossa qualidade de vida.

A única questão é que a líbido não vem de uma hora para a outra. Começa na cabeça a vontade de explorar o próprio corpo e, como sabemos, não é num estalar de dedos que se caminha sem pedir licença, que se vai à praia e faz topless sem ter pudor, que pesquisa e compra o próprio vibrador sem sentir vergonha, no meio de uma realidade de quem cresceu a ouvir que deveria ser uma “boa menina” — e ninguém nunca uniu uma coisa com a outra e disse ser possível. Para muitas mulheres, teve-se que criar uma nova relação com a sua intimidade.

Primeiro, porque vivemos uma cultura de que o prazer está atrelado a introduzir algo no corpo, mas não é (só) isso e existem outras maneiras de aprender o que realmente lhe dá satisfação. Depois, nada disso é tão simples, quando nas relações heterossexuais há o tal orgasm gap.

Comandada por três pesquisadoras mulheres em 2005, The Incidental Orgasm: The Presence of Clitoral Knowledge and the Absence of Orgasm for Women (em tradução livre, O Orgasmo Eventual: A Presença do Conhecimento Clitoriano e a Ausência de Orgasmo para as Mulheres), publicada pela PubMed, centro de pesquisa da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, concluiu-se que 91% dos homens diziam atingir o orgasmo durante a relação sexual, enquanto 39% das mulheres afirmaram o mesmo. No mesmo estudo avaliou-se ainda que 23% das mulheres descreveram as últimas experiências sexuais como nada prazerosas, enquanto só 5% dos homens afirmavam o mesmo.

Uma pesquisa mais recente, realizada em 2017 pelo fabricante de preservativos Durex, não mostrou uma melhora, pelo contrário: para as mulheres, piorou. Nela, 72% dos homens garantiam ter dificuldades para atingir o orgasmo, mas apenas 2% não o alcançavam durante o sexo, ao mesmo tempo que 75% das mulheres não chegavam ao clímax.

A novidade é que as mulheres têm cada vez mais consciencialização do que é prazer para elas, percebem que nunca foram de facto atendidas e vêem-se animadas por, agora, serem capazes de dominar a narrativa e reduzir as disparidades de género no que toca à satisfação sexual. Há o conhecimento, a tecnologia, a oferta e a procura. Felizmente, regista-se o aumento de empresas de sex-tech lideradas por mulheres, que criam objetos a pensar e a pôr o prazer feminino como prioridade. Uma nova revolução para agradar às mulheres, historicamente tão sub-representadas.

E ao contrário de muitos negócios que regrediram durante a pandemia do novo coronavírus, a tecnologia sexual — que inclui tanto dispositivos quanto plataformas digitais — prosperou com as medidas restritivas de lockdown e as exigências de distanciamento social, pois garantiram a procura por objetos eróticos como a solução dos seus desejos.

Até 2026, o setor deve movimentar 125 mil milhões de dólares, cerca de € 105 mil milhões, em todo o mundo, conforme a previsão da Research and Markets. E, sem dúvida, o Brasil representa um grande potencial de exploração, já que 83% da população sexualmente ativa nunca experimentou um produto erótico, de acordo com os dados da Abeme, a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual.

A correr à frente, algumas marcas já vendem produtos e objetos made in Brasil, no contexto desta nova onda do bem-estar. Selecionei 10 produtos para despertar a curiosidade, testar quando lá for ou pedir sem vergonha para um amigo trazer na mala 👌.

Lubs

É vegan, cruelty-free e usa embalagens sustentáveis. Prove o Jambu Vibes, com um leve sabor a arando, mas o destaque mesmo fica para o jambu, que provoca um efeito de vibração, pulsação e aquecimento. O jambu é uma erva, também conhecida como agrião do Pará, muito comum na região Norte do Brasil e bastante utilizada na culinária, causando leve formigamento na boca.

O último lançamento da Lubs foi a Magic Potion, uma mistura de preparo de alimento em pó que deve ser diluída em 50 ml de água e tomada diariamente como um shot. A fórmula, que não contém glúten nem açúcares, é feita com cacau em pó orgânico, farinha de maca peruana, maná cubiu (uma fruta nativa da América do Sul) e pimenta-de-caiena. A combinação promete estimular a produção de serotonina, estrogénio, progesterona e testosterona, o combo perfeito de hormonas que atuam na sensação de prazer e disposição.

Nuasis

Além de linha própria de couro, a marca também tem uma curadoria especial de brinquedos sexuais.

Lilit

Vendem um vibrador pequeno e discreto, que promete ser um estímulo externo eficiente ao clitóris. Tem cinco fases de vibração, três de velocidade e duas de ritmo. É resistente à água e recarregável, e facilmente "carregável" para onde você for. O site possui um ebook gratuito de contos eróticos e outro sobre técnicas de masturbação.

Vibrador Bullet, R$ 289 (cerca de € 42,45), Lilit, em www.somoslilit.com
Vibrador Bullet, R$ 289 (cerca de € 42,45), Lilit, em www.somoslilit.com

Pantynova

Nem todas as mulheres gostam de usar produtos que remetem à genitália masculina, por isso esta loja virtual tem-se destacado no Brasil. Além dos vibradores, um produto interessante é o lubrificante Bruma, com ácido hialurónico e centelha asiática na fórmula, a pensar na hidratação da região.

Lubrificante Hidratante Bruma, 110 ml, R$ 41,50 (cerca de € 6,10), Pantynova, em www.pantynova.com
Lubrificante Hidratante Bruma, 110 ml, R$ 41,50 (cerca de € 6,10), Pantynova, em www.pantynova.com

Sophie Sensual Feelings

Fabricante de cosméticos sensuais, com fórmulas vegan, livres de parabeno e não testadas em animais. Este óleo de massagem mais espesso é multiuso, facilita as massagens íntimas no ânus, pode ser usado para beijo grego e também para sexo oral, já que possui sabor de pastilha de hortelã.

Óleo Refrescante Beijável So Deep, 15 ml, R$51,90 (cerca de € 7,60), Sophie Sensual Feelings, em www.sophiesensualfeelings.com.br/loja
Óleo Refrescante Beijável So Deep, 15 ml, R$51,90 (cerca de € 7,60), Sophie Sensual Feelings, em www.sophiesensualfeelings.com.br/loja

Mitra

Os dildos artesanais são feitos de cristal, com pedras 100% certificadas e extraídas no Brasil. Praticamente uma jóia. Podem ser de uso vaginal ou anal, e também são um ótimo massajador corporal, já que podem pressionar os pontos de tensões do corpo, ajudando a liberar a tensão.

Outra boa aquisição são os yoni eggs, ideias para praticar a ginástica íntima, tão importante para tonificar o canal vaginal e fortalecer a musculatura da zona pélvica. A Mitra sugere ainda que a vibração emitida pelo cristal ajuda na harmonização da mente, do corpo e da alma.

Trocou o Rio de Janeiro por Lisboa, e de lá trouxe o jeito curioso e a paixão por jornalismo. Por cá, Aline Fernandez aprendeu a amar os desdobramentos da língua portuguesa, e aqui na Miranda vai aplicá-los, e à sua obsessão pela Beleza, explorando a sua relação intrínseca com o Brasil. "Bora?"