Ontem acordei com uma triste notícia, a da morte de Shannen Doherty, figura icónica que marcou a Geração X (a minha) através da sua presença indelével na série 'Beverly Hills, 90210', onde interpretou Brenda Walsh. Para quem foi adolescente nos anos 90, a série foi a primeira na TV portuguesa a abordar os relacionamentos na juventude, as paixões de liceu e, claro, todos os dramas inerentes a esse ambiente, além das relações familiares e a complexidade que é ser-se jovem e à descoberta de quem somos no mundo e no amor.
Brenda, a irmã gémea de Brandon (Jason Priestley), os filhos de um casal da classe média norte-americana, cujos pais se mudam para Los Angeles por motivos profissionais e que são obrigados a reconstruir a sua vida, entrar numa nova escola e fazer novas amizades, era a antítese da beleza americana da década, onde personagens louras, vistosas e de olhos azuis davam nas vistas. Foi nesta altura, recordo, que Pamela Anderson saltou para o estrelato mundial na série 'Marés Vivas', destacando-se pelas suas curvas e beleza tipicamente californiana.
Shannen Doherty não era nada disso. A atriz, com 19 anos na altura, tinha cabelo escuro, pele de porcelana e uma aparência distinta das colegas com quem contracenava, reflexo de uma personalidade marcante que misturava eficazmente a angústia e fragilidade adolescente com um twist de garra feminista precoce. Shannen não era a beleza típica de fazer parar o trânsito e, na verdade, não se encaixava em nenhum dos estereótipos que as restantes personagens da série pareciam ser tão perfeitamente talhadas: havia o “seu” irmão gémeo, Brandon, de olhos verdes e carácter dócil, que representava na perfeição o perfeito menino de ouro americano por quem todas nós suspirávamos (eu incluída); havia a Kelly, a sua melhor amiga, loura, magra e com cara de boneca, era a típica menina bonita à volta da qual todas gravitavam, a rainha do baile de finalistas, a popular do liceu; depois havia o Steve, o típico rapaz das festas, o bem disposto, irmão da fraternidade; Donna, a menina querida, bem disposta e amiga; ou o David, o irmão mais novo, imaturo e irritante. Restava depois o Dylan McKay – interpretado pelo também já falecido Luke Perry – o rebelde com misto de James Dean, inconformado e livre, por quem Brenda se apaixona (ela e todas nós, na verdade).
Shannen, não se encaixando em nenhuma categoria com a sua personagem, conseguiu transformá-la em algo único e feito à sua medida, uma rapariga banal que no meio das suas dúvidas, inseguranças e sentir, desafiava as normas e expectativas, na procura do seu lugar no mundo, apaixonando-se por aquele rapaz que todas achamos inatingível, mas que, afinal, precisa tanto dela quanto ela dele. E foi assim que, todas nós, mesmo achando a Kelly a bonequinha de 'Beverly Hills, 90210', era pela Brenda que torcíamos porque, no fundo, queríamos que a rapariga normal tivesse hipóteses, porque ela éramos nós.
A lutar contra um cancro da mama há 9 anos, quando foi diagnosticada em 2015, Shannen tornou a sua doença pública e fez desta batalha um legado de coragem, resiliência e determinação, partilhando os seus tratamentos e jornada, feita de muitos episódios dolorosos sobre os quais falou abertamente em entrevistas e nas redes sociais, num ato de transparência e inspiração. Mais uma vez, esta mulher fez do seu episódio um símbolo de força, mostrando ao mundo como a luta contra o cancro não é apenas física, é também emocional e mental, ajudando a promover a consciencialização sobre a doença e incentivando as mulheres a realizarem exames regulares e a serem vigilantes sobre a sua saúde.
Morreu a 13 de julho, aos 53 anos, nova demais para ser vencida por uma doença que revelou a sua autenticidade e força, tanto na ficção como na vida real. Como Brenda Walsh, ela era uma jovem mulher zangada e complexa, muito antes de Courtney Love tornar essa imagem uma tendência. Na sua batalha contra o cancro, mostrou ao mundo o que significa enfrentar a adversidade com graça e determinação, e um poderoso lembrete de que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a determinação e o espírito humano podem prevalecer. A memória da sua coragem e autenticidade continuará a ressoar, lembrando-nos da importância de vivermos as nossas vidas com integridade e força, independentemente das adversidades que possamos enfrentar.
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