#ÀFlorDaPele: "Bitch, I'm Madonna"

Este artigo tem mais de um ano
Madonna sempre nos habituou a estar no centro das atenções – e das polémicas – em assuntos sensíveis, sejam eles de índole cultural, sexual e até religiosa. As suas posições e escolhas falam muitas vezes mais alto do que a sua própria música. Atualmente, com 64 anos e com as feições longe das que habituou os seus fãs ao longo das décadas, a cantora voltou a dar que falar e reagiu ao que chama a misoginia da idade.
#ÀFlorDaPele:

Na última cerimónia dos Grammys de 2023, realizada no passado dia 5 de fevereiro, Madonna subiu ao palco para anunciar Sam Smith e Kim Petras, fazendo igualmente história por apresentar a primeira mulher trans a atuar nos Grammys – e que nessa mesma noite viria a ganhar um prémio.

Como se o momento por si só não fosse icónico o suficiente, o que deu nas vistas e acabou por ser motivo de notícia em todo o mundo foi o rosto de Madonna e não o discurso empoderado e a vertente histórica que a mesma quis enaltecer e assinalar – não fosse ela uma poderosa apoiante do movimento LGBTQIA+.

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Rapidamente, o momento em que subiu ao palco tornou-se viral. Por todo o lado proliferaram as partilhas, ridicularizando-a e tornando-a alvo de bullying, gozando com o seu aspeto e por a sua imagem não corresponder àquilo que a sociedade espera que uma mulher de 64 anos seja, se comporte e se assuma.

Vestida com um fato saia-casaco preto, gravata preta e camisa branca, munida de um chicote e de inspiração bondage, não foi a roupa que provocou o rastilho de indignação na sua aparição em palco, mas a forma como o seu rosto aparentava estar demasiado esticado, inchado, e as suas feições, outrora tão familiares da maioria das pessoas do mundo inteiro, tinham desaparecido.

A partir desse momento, os memes e os comentários de ódio proliferaram pela internet, encheram páginas de jornais e revistas em todo o mundo, chegando a notícia de telejornal – inclusive na televisão nacional – e levando a cantora a publicar na sua conta de Instagram um post em jeito de manifesto:

  • Mais uma vez, sou apanhada pelo brilho do envelhecimento e da misoginia que permeia o mundo em que vivemos. Um mundo que se recusa a celebrar as mulheres com mais de 45 anos e sente a necessidade de as castigar se continuarem a ser fortes, trabalhadoras e aventureiras.
    Nunca pedi desculpa por nenhuma das escolhas criativas que fiz, nem pela forma como me vejo ou visto, e não é agora que vou começar. Tenho sido degradada pelos meios de comunicação social desde o início da minha carreira, mas compreendo que tudo isto é um teste e fico feliz por trilhar uma vida mais fácil para que todas as mulheres atrás de mim possam ter uma vida mais fácil nos anos vindouros.
    Nas palavras de Beyoncé, 'Não me vais partir a alma'.
    Anseio por muitos mais anos de comportamento subversivo – ultrapassando limites –  até ao patriarcado e, acima de tudo, por desfrutar da minha vida.”

Podemos ler e interpretar este post como “Madonna a ser Madonna”, mas a verdade, e isso fez-me pensar, foi:

  • por que motivo as escolhas que fez em relação aos procedimentos estéticos no seu rosto nos provocam tanta celeuma?
  • porque é que uma mulher de 64 anos não pode ter o direito de estar, ser e apresentar-se como quiser?
  • porque é que ainda hoje, em pleno século XXI, continuamos a querer que se envelheça “graciosamente”, desde que isso seja sinónimo de hipocrisia?
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No fundo, podes e vais envelhecer, mas não escolhas apresentar-te como a pessoa velha que (já) és, ou… vais envelhecer, mas fá-lo de forma a que não se note muito e, caso se note, que seja harmonioso, sem ferir suscetibilidades, que não se note que te encheste de botox, de liftings, de cirurgias plásticas para reverter a inevitável  passagem do tempo. Não te atrevas a ser velha e a ser demasiado sexy ou sexual, porque com essa idade já não é suposto seres um objeto de prazer, quanto mais sentires prazer. Continua a consumir e a comprar produtos de beleza, porque é isso que a economia espera de ti que, apesar de seres velha, ainda tens uma réstia de esperança de manteres alguma ponta da beleza e firmeza que já te foi próxima outrora, mesmo que toda a gente saiba que isso nunca vai acontecer. Continua a ser hipócrita, mas não denuncies essa mesma hipocrisia. Camufla-a de frases que toda a gente aceita como “tenho uma boa genética”, “o tempo foi muito generoso comigo”, ou “sou muito abençoada”.

No fundo, mostra que toda a demanda do antienvelhecimento não deve ser algo vistoso, nem acarretar esforço – quando é TUDO sobre esforço – o esforço de fazer exercício físico, o esforço de ter uma alimentação saudável, o esforço de manter uma aparência digna e natural sem parecer demasiado envelhecida, ou que se tentou, desesperadamente, reverter os efeitos da passagem do tempo. Exige esforço e tempo e recursos e a arte de fazer parecer tudo natural, como se a graciosidade de envelhecer tivesse acontecido harmoniosamente de uma forma sedutora e elegante. Porque fizemos sempre as escolhas mais sensatas, porque temos bons genes, porque tivemos cuidado.

Tudo o que Madonna não tem feito. Daí ter chocado tanto.

Numa leitura atenta pelos comentários no seu Instagram, vemos que rapidamente toda uma carreira de mais de 40 anos pode ser posta em causa pelas escolhas estéticas que fez, ou de como colocam em causa o seu discernimento e saúde mental: “Foi uma artista incrível; uma artista que sempre respeitarei (1982 - 2009). Mas alguém precisa de a ajudar antes que ela arruíne tudo o que ela própria conquistou. Acho que ela nem sequer se apercebe do quão chocante é a sua aparência. Costumava adorar Madonna, mas ela falhou a si própria e aos seus fãs, tornou-se uma pessoa que seguiu as tendências estabelecidas pelos perdedores. Deveria ter envelhecido com dignidade, mas escolheu tentar provar algo que não precisava de provar”, pode ler-se num dos comentários.

Madonna, aos 64 anos, continua a ter de mostrar ao mundo que a sua música tem uma mensagem, mas que ela, mais do que a música que dá ao mundo, tem uma palavra a dizer e, acima de tudo, ainda muito preconceito para partir antes de se dedicar a ser a avozinha a tricotar no sofá.

É por isso que, dias depois de toda a polémica relacionada com o seu aparecimento nos Grammys, a artista publicou uma nova foto sua, desta vez no Twitter, com a seguinte legenda: “Vejam como estou gira agora que o inchaço da cirurgia diminuiu. Lol 😂

That’s Madonna, bitch!

Mafalda Santos fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.

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