Quando era miúdo, costumava fazer listas de compras baseadas nas imagens dos livros lá de casa. O rei dos livros chamava-se “A - Z Natureza”, do Círculo de Leitores e ilustrava desde as mais excêntricas e raras espécies de animais às mais exuberantes vidas botânicas.
As minhas práticas consumistas abraçaram sempre as várias formas do Belo, começando nestas maravilhas naturais, passando por viagens a um determinado destino, objectos decorativos, casas bonitas, prédios monumentais, edifícios sofisticados, roupas de se cair para o lado, o estilo disruptivo e sensacional que um determinado coordenado imprime e o equilíbrio de um rosto e de um corpo cuidados numa cabeça saudável.
Sempre me agradou estar rodeado de coisas bonitas e sempre me esforcei por ser um exemplo vivo deste meu capricho
No tempo dessas listas de compras, havia uma vizinha que batia à porta e ficava horas na conversa com a minha mãe. O assunto ia sempre cair no mesmo buraco: como aparentava ser mais nova do que era, os alunos que não acreditavam ter a idade que tinha, os cremes que usava e as invejas das mulheres. Ela vivia deslumbrada pela conquista desse Santo Graal, tal era o entusiasmo do discurso. Mas não era feliz.
Sempre que ela passava por mim, primeiro via alguém arrogante, mas logo depois percebia que estava num conflito interior, conturbada, absorta da realidade e zangada.
À medida que os anos passam, se não aceitarmos o envelhecimento, vamos ficar aprisionados numa frivolidade estúpida
A natureza definiu que os mais novos, por serem mais férteis, são mais propícios à propagação da espécie. Animalmente, somos mais atraídos por quem tem melhores condições biológicas. Os homens devem ser mais fortes, independentemente da idade, e as mulheres, quanto mais novas, melhores capacidades de gerarem um filho. Mas somos seres humanos, temos a capacidade de quebrar as amarras da condição animal e fazer evoluir a nossa espécie...
Ser bonito e ser velho pode ser um conceito difícil de aceitar quando combinados na mesma pessoa. Sobretudo se a nossa relação com o mundo e os outros é centrada na nossa imagem, na nossa beleza, naquilo que temos, que poucos têm e muitos invejam.
Eu sei que estes olhos azuis me abriram muitas portas. Ter a confiança de que a nossa aparência é a melhor maneira de cumprimentar o outro transforma por completo a nossa percepção de nós mesmos e como nos relacionamos com o mundo, pois esse cumprimento, antes de partir de nós mesmos, já começou no outro. Foi o outro que nos mimou e nos incentivou a cultivar essa imagem e nos incutiu o sentimento de aprovação.
Precisamos de ser aprovados para viver em sociedade e geralmente desenvolvemos aptidões no campo onde fomos aprovados...
É assim que vamos dando conta da nossa vocação, ou para os números ou para as artes ou para a educação física, entre outros. E depois somos nós mesmos que escolhemos o caminho que queremos fazer.
Mas queremos ser infelizes com o nosso envelhecimento?
Temos de fazer a escolha entre envelhecer bem e ser felizes ou envelhecer bem e ser infelizes por causa desse envelhecimento. E mesmo se não envelhecêssemos, essa preocupação obsessiva com a própria beleza onde é que nos levaria? Temos mais para dar aos outros do que só a aparência? No meu caso, quero acreditar que sim.
Quero ter músculos e uma cara engraçada para oferecer, mas a Beleza não imprime nada na vida de ninguém senão tiver um conteúdo coerente com o rótulo
Já o daVinci, um dos maiores estetas da História, dizia que “a simplicidade é a sofisticação máxima” o que para mim equivale a dizer sê bonito sem ser vaidoso.
Cuidarmo-nos dá muito trabalho, cultivar a nossa boa aparência é um exercício importante para a confiança e a auto-estima, mas só somos realmente belos quando transmitimos aos outros uma experiência enriquecedora, enquanto seres humanos.
Por isso, antes de andarem para aí a mostrar os músculos e os duck faces nas redes sociais, pensem duas vezes se não têm nada de mais interessante para dar ao mundo. E contra mim falo, atenção!
Quem for ao meu instagram vai ver a “pouca vergonha” que para lá anda! Cada um usa as amarras que melhor lhe servem! -:)
Bruno Reis, colaborador da Miranda, é o fundador e director criativo da Teeorema, marca de luxo de t-shirts.
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