Eu estava tentando fazer essa entrevista desde janeiro. Foram 27 e-mails e três mensagens no LinkedIn até sentar-me virtualmente com a Julia Petit para falar sobre a Sallve, a marca brasileira de skincare que foi lançada em 2019 e desde então virou a queridinha das apaixonadas por beleza no Brasil.
Um pequeno 'teaser' da entrevista que pode ler na íntegra mais abaixo.
Deixei a pergunta mais esperada para o fim, para estrategicamente não tirar a minha concentração, mas a vontade de saber se, em algum momento, teríamos a oportunidade de usar os produtos da Sallve em Portugal era um eco no fundo da minha cabeça. “A gente tem planos de, pelo menos, conseguir entregar fora do Brasil o mais rápido possível”, confessou aos risos Julia. “Todos os dias eu recebo DM [Direct Messages, as mensagens privadas nas redes sociais], todo santo dia – e algumas, não é uma só não.”
As mensagens vêm de Portugal, Japão, Canadá, Austrália, Estados Unidos da América… só mais uma prova de que o brasileiro está espalhado pelo mundo, mas continua atento com o que acontece de bom na sua terra natal.
Com a minha animação, respondi logo que começaria o artigo assim: A Sallve está chegando, para que toda gente ficasse em pânico comigo. “A gente não quer causar ansiedade nas pessoas, pelo amor de Deus, porque a pele já fica irritada”, amenizou ainda a rir a CCO da Sallve.
A Julia Petit é uma daquelas pessoas que dá gosto de conversar. Ela fala com você, ela usa as mãos – com as unhas lindamente pintadas de azul – ela faz gestos, dá exemplos, gosta de explicar os seus pensamentos e linha de raciocínio. Ela gosta de falar e foi numa conversa de uma hora que me contou de onde surgiu a vontade de uma publicitária, produtora musical e apresentadora de TV, de criar uma marca de beleza.
“Eu gosto de brincar, que é um misto de frustrações do meu tempo de publicidade e de depois, quando eu fui fazer conteúdo. Na época do Petiscos [blog criado em 2007], trabalhando e vendo muito próximo as marcas, eu fui catando experiências e muito de frustração mesmo”, conta, ao explicar o seu ponto de partida: “A gente quis fazer da Sallve tudo o que as outras marcas não entregam para as pessoas, sabe? E criar uma marca que as pessoas tivessem, de facto, orgulho de usar.”
Para Julia, outro ponto importante era criar algo que as pessoas precisavam, tentando perceber qual a necessidade que elas têm. “A última coisa era que as pessoas se vissem nessa marca, mas de uma maneira tranquila e silenciosa, sem você ter que ficar gritando na cara das pessoas que elas estão ali, sem a marca assediar as pessoas para elas comprarem. Tratar as coisas de uma maneira muito mais prática e direta”, explicou.
Foi assim que nasceu a Sallve
E veio a pandemia do novo coronavírus em 2020. “Uma marca como a Sallve há 10 anos seria impossível de acontecer. Antes das redes sociais e todo o aumento da presença das pessoas na internet no Brasil”, relembra Petit. “Antigamente você tinha que pôr os seus produtos na prateleira da farmácia ou do mercado e era uma disputa por milímetros da gôndola. Hoje em dia a gente não tem mais isso, você tem a internet inteira e todas as redes sociais para se apresentar do seu jeito, no seu tom.”
E a internet também possibilitou o crescimento de uma característica muito pessoal da Sallve: a comunidade. Um grupo de pessoas que gosta da marca e se dispõe a participar de colaborações com eles. “Essas colabs são reuniões para a gente discutir um monte de assunto, desde coisas específicas de sentimento, de como as pessoas vêem a pele, até sobre desenvolvimento de produto ou embalagem, preço, formato da caixa”, explica Julia.
É com eles que começa a trajetória, a perceber as necessidades da pele. “No quiz da pele a gente tem mais de 600.000 respostas, é uma pesquisa gigantesca – e partimos disso para as necessidades e, talvez, misturando uma coisa com a outra, chegamos a um produto. Tem um período que nós testamos entre os funcionários da Sallve e, quando ele está num formato que a gente acha que está minimamente do jeito que a gente gosta, voltamos para a comunidade para fazer essa afinação final. Perguntamos sobre a textura, o efeito na pele, o tempo que demora para tratar, o tamanho do produto. Quando está pronto, pomos no mercado.”
Para Julia Petit, é muito simples. “Quando se fala de produtos que as pessoas precisam, é preciso conversar com elas”, diz – e parece mesmo simples ao ouvi-la.
Pessoalmente, Petit teve esse insight de envolver fãs lá em 2015, quando foi a primeira brasileira a fazer uma colaboração com a M.A.C Cosmetics. “Quando eles me chamaram eu fiquei muito feliz e depois fiquei muito desesperada. Como eu vou escolher dentro de qualquer possibilidade numa marca como eles, que vai do glitter à cor da pele, o que eu quero? É impossível!”
E comunidade naquela época resumia-se aos comentários do blog Petiscos. “Era muito rudimentar o que as pessoas estavam fazendo em rede social do ponto de vista de comunidade. Então fui ver o que as pessoas queriam naquele momento, o que elas gostariam de comprar, mas também o que fosse funcionar na vida delas.” E envolvê-las no processo garantiu o sucesso e os produtos esgotaram muito rápido. “Na época – e por algum tempo – foi a maior coleção que eles fizeram da América Latina, e esgotou no mundo, porque teve venda global.”
Imediatamente perguntei à Julia se foi neste momento que ela viu que poderia ter algo próprio e se, por acaso, já havia pensado nisso. Mas a sua vontade não partiu para a maquilhagem.
“Era evidente naquela época, muito forte de YouTube, de maquilhagem, que as pessoas iam aprender que a pele – e até do ponto de vista de maquilhagem, não do ponto de vista de skincare, como a gente fala agora – tinha que estar hidratada, tinha que estar limpa, cuidada e preparada para receber a maquilhagem. E era natural que as pessoas iam olhar mais para a pele delas, até para aquela maquilhagem funcionar melhor”, partilha Julia.
“E eu fiquei muito entusiasmada, porque aí sim, quando você olha para a cosmética no Brasil, para cuidados da pele tem muito pouca coisa. Você cuidava ou de acne ou de rugas, ou você tinha 17 anos ou você tinha 50+. E o que eu faço aqui no meio?” A Sallve foi a solução.
“O Brasil tem ativos próprios incríveis, mas a Sallve usa coisas do mundo todo, tem coisas que não têm no Brasil, matérias-primas que vêm de fora. O que a Sallve gosta de fazer é olhar para todo mundo que cria moléculas, bases, ativos… tudo. E ver o que eles têm e trazer o melhor”, conta-me Petit.
A Sallve tem uma equipa de laboratório, chamada de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, liderada por Antônio Carlos Vanzo, que já trabalhou em empresas como Coty, International Flavors & Fragrances e Unilever. As fórmulas são desenvolvidas e estudadas na Sallve e, em seguida, vão para a Fareva, a gigante francesa, que desde o começo de 2020 passou a ser responsável por fabricar e acondicionar os produtos da marca.
O último lançamento da Sallve foi o protetor solar. “Esse produto era de obsessão para a gente. Além dele ter, evidentemente, uma parte mais complexa e mais longa dentro da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil], o desenvolvimento dele é muito complexo, no sentido do que a gente queria. A nossa meta era que ele ficasse transparente em todos os tons de pele e que não fosse oleoso, então a gente demorou muito para chegar nessa fórmula”, conta Julia. E vale ressaltar que quando chegaram, ainda estávamos no meio da pandemia, na qual a mesma agência autoriza o registo e a importação de vacinas no Brasil. Foi preciso esperar pacientemente por um bom motivo.
É porque o tempo para a Sallve, uma marca nativa digital, tem de funcionar de uma forma diferente. “Na internet, o tempo passa de outro jeito, é muito pior que o tempo [de produção] da marca tradicional da farmácia, e os desejos funcionam de uma maneira muito efêmera”, explica a CCO da marca. “Então, a gente tem que fazer tudo de uma maneira mais rápida, a gente sabe que esse público que a gente está trabalhando, que é esse buracão que ninguém olhava, precisa das coisas agora. Por isso que a gente trabalha com tanto fornecedor do mundo inteiro, porque a gente precisa dos ativos rápido. A velocidade do desenvolvimento tem que ser alta, porque a gente sabe que tem um momento que vai ficar lento, seja o momento de aprovação legal, seja de chegar no formato que a comunidade gostaria.”
E a Sallve tem outra característica diferente. Assim que ela faz o lançamento de um produtos, ela está aberta às críticas. “O produto tem que ser vivo. Ele entra em melhora imediatamente”, reforça Petit. Nas marcas tradicionais, esse tempo para relançar um produto leva de dois a três anos. “Se a gente acha que tem uma melhora que precisa ser feita imediatamente, que a gente não captou naquelas colabs, a gente faz a melhora imediatamente, porque se não você cria uma velocidade que não condiz com as pessoas que a gente está conversando”, remata Julia.
Comentários