Para Luís Buchinho, a noção de Beleza - isto é, a maquilhagem e o cabelo - que acompanha o desfile de apresentação das colecções pode surgir logo nos primeiros esboços. “Às vezes surge logo nos primeiros croquis que faço. Às vezes o croqui já tem um tipo de cabelo, já tem ali qualquer coisa. Não é a ideia a 100%, mas às vezes faço logo um cabelo apanhado, ou com uns olhos mais escuros e misteriosos, às vezes saem me até umas silhuetas que vão de acordo com aquela cabeça", conta à Miranda.

O criador de Moda português explica que, apesar de pensar sobre o assunto, está sempre aberto ao contributo dos profissionais das áreas de cabelo e maquilhagem. "Aliás, eu nunca tenho propriamente uma ideia muito fechada quando falo com eles da primeira vez. Mostro-lhes o tema, digo ‘ah, se calhar nesta colecção ficava bem um bocadinho mais de maquilhagem, um bocadinho menos, um cabelo mais liso, etc, e depois discutimos as ideias", diz, deixando claro que a dinâmica "ótima" que mantem com os profissionais se deve, sobretudo, à experiência. “Trabalho com o Paulo Almeida, da MAC, há muito tempo, ou seja, já há um conhecimento muito grande. Da parte do Vasco Freitas nem se fala, eu já trabalho com o Vasco há anos e anos. Ou seja, já há uma identificação muito grande da minha linguagem com aquilo que eles podem e querem transmitir quando trocamos ideias", explica.

“A Beleza de um desfile é completamente construída em conjunto, num brainstorm de ideias” - Luís Buchinho, designer

Para a designer Katty Xiomara, falar em Beleza "é sempre muito relativo". Em cada desfile seu há "a preocupação de coordenar tudo, não só as roupas, mas fazer com que tudo encaixe no conceito da colecção. Isso é extremamente importante".

"É muito diferente vermos as manequins no seu estado puro, e são lindas, obviamente, mas não representam o conceito por completo da colecção. A maquilhagem, os cabelos e a manicure, tudo isto acaba por compôr de uma forma mais coesa e mais completa todo o conceito da colecção. Acaba por transmitir de uma forma mais forte. Tentamos coordenar tudo com o espírito da própria colecção”, esclarece.

"A maquilhagem, os cabelos e a manicure, tudo isto acaba por compôr de uma forma mais coesa e mais completa todo o conceito da colecção.” - Katty Xiomara, designer

Da maquilhagem ao cabelo, tudo vai a teste

Por esse motivo, desengane-se quem ache que o cabelo e a maquilhagem que surgem na passerelle são decididos minutos antes, nos bastidores. Pelo contrário, são feitos testes para garantir que nada falha. Antecipadamente, os designers partilham com a equipa de maquilhagem e cabelos o que pretendem. “Explico o tipo de maquilhagem que quero, ou desenho, ou tento arranjar diferentes imagens que de certa forma componham o que eu quero. Depois descrevo o que pretendo", explica Xiomara. "Elas [equipas de maquilhagem e cabelo] fazem um teste. A ideia nunca é fechada. Aquilo são pequenos pontos de inspiração. E elas têm um ponto muito importante, porque com os testes as ideas colocadas vão evoluindo e vão tomando uma forma muito própria, muito nossa, que não é propriamente uma cópia da imagem inicial, mas antes uma inspiração”, resume.

A distância entre o primeiro teste e o dia do desfile varia muito de criador para criador. "Fazemos testes às vezes com um mês de antecedência", conta Vasco Freitas, o hairstylist responsável pelos cabelos no Portugal Fashion. Com designers que apresentam a mesma colecção em distintas semanas de Moda, há diferenças de desfile para desfile? "Pode acontecer às vezes por causa do casting, mas tentamos manter, porque, lá está, a mulher que eles [designers] vendem em França é a mesma que vendem em Portugal."

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Para Freitas, os testes são absolutamente indispensáveis para perceber se o que resulta na teoria também resulta na prática. "É bom fazer um restart do zero sempre que estás com alguém, quando te passam a informação da história, dos croquis, da colecção. E começas a perceber o que funciona ou não. Por exemplo, para o último desfile do Diogo [Miranda], acho que o primeiro exemplo que ele me enviou foi um cabelão, todo para trás, pelas costas abaixo. Mas as golas dele, as costas e os tecidos são tão bonitos que eu não queria ter algo a chamar mais a atenção. Pelo contrário, queria deixar brilhar ainda mais a colecção", explica.

Palavra-chave: colaboração

Paulo AlmeidaRegional Director of Artist Training Europe da MAC e responsável pela equipa de maquilhagem do Portugal Fashion, lembra o tempo em que o modus operandi era bem diferente do que se observa hoje. "Lembro-me que quando eu comecei me entregavam uma foto e diziam ‘eu quero isto’. Neste momento, nós temos uma conversa com os criadores e falamos sobre o que queremos criar e transmitir, qual é o espírito da colecção, qual é a mulher, e tudo isso. O meu trabalho é transpôr isso numa maquilhagem. Acho extremamente importante a colaboração entre os profissionais", admite.

A mecânica é semelhante ao que acontece no caso dos cabelos. "Eles [designers] explicam, eu ofereço, e depois trabalhamos no look", resume o maquilhador, revelando que odeia quando lhe pedem para replicar exatamente o que vê numa fotografia. "Primeiro, porque estou a copiar o trabalho que não é meu, e eu sou um criador de maquilhagem, segundo, porque não tem alma, não tem espírito. E obviamente o que me interessa é criar uma coisa específica para aquele criador, para aquela situação", justifica.

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Para Almeida, a palavra-chave na dinâmica entre maquilhadores, hairstylists e criadores é mesmo colaboração. “Da mesma forma que eu não digo a ninguém como é que se faz roupa, ou se corta cabelo, e respeito a profissão dos outros, acho que também é importante ouvirem o que tenho a dizer, pela experiência que eu tenho, já que vou aportar imenso à imagem que o criador quer transmitir", clarifica.

"Cada designer tem a sua particularidade"

"É das coisas que me deixa mais preso aos desfiles, esta ligação que conseguimos ter com os designers, de poder entrar no sonho deles e ajudar a criar esse sonho. Acho que é das coisas mais bonitas de quem gosta de Moda pode fazer", refere o hairstylist Vasco Freitas.

Para o profissional, que trabalha desde os 15 anos, "cada designer tem a sua particularidade, são todos diferentes". "O Nuno [Baltazar] é alguém que lida com as coisas com muito sentimento, e é alguém que gosta muito de cabelo. Ele aprecia muito o cabelo na imagem que cria para a mulher. É muito específico, principalmente nos pormenores. Depois tens o caso do Diogo [Miranda], em que é muito fácil porque aquilo em que o Diogo pensa é também aquilo em que eu sonho, por isso é muito fácil eu saber fazer o cabelo do Diogo, porque mediante o ponto de partida que ele quer dar eu percebo sempre para onde ir. E às vezes acontece começarmos a fazer a coisa, a querer algo mais natural, mas depois começamos a ver o boneco montado e pensamos 'isto não é Diogo, vamos ter de dar upgrade a isto'. E essas viagens com eles fazem-me evoluir imenso. Depois tens o caso do [Luís] Buchinho que até à hora do desfile estás a criar, e a acrescentar, e estás a dar. Cada um é especial à sua maneira", termina.

E na Moda masculina?

Se, por um lado, há espaço para a experimentação - olhemos para o caso do desfile de Alexandra Moura, em que os modelos masculinos levavam o rosto pintado com cores vibrantes - o padrão na Moda masculina continua a ser uma maquilhagem a tender para o naturalismo. Tânia Nicole, a designer por detrás da marca de menswear Nycole, confirma: “sendo Moda masculina, [a Beleza] acaba por ser sempre o mais natural possível. Normalmente não costumo abusar muito da makeup, apesar de que, hoje em dia, obviamente em homem ou mulher, em desfile, há makeup nos dois e pode-se exagerar nos dois. Mas, por acaso, eu gosto sempre de assumir algo mais natural”.

Por vezes, a escolha pode mesmo ter um propósito. “Neste último desfile, por exemplo, até foi [usada] muita base, para criar um efeito de quase sem identidade", explica a criadora do Porto, que admite que, no que toca a cabelos, também não há margem para grandes excentricidades. "Normalmente eu jogo com o cabelo, mas também nunca faço nada assim muito arrojado, ou com um efeito mais molhado, mas normalmente é sempre um look mais natural", esclarece.

Nos desfiles de Nycole, o grau do risco permite-lhes fazer os testes sem antecedência. "No meu caso, como nunca são coisas muito complexas, fazemos o teste no dia do desfile”, confessa.