Não gosto do termo cara-metade. Nunca tinha pensado muito nisso, mas apercebo-me agora que é simplesmente redutor, porque nos induz ao erro de acharmos que somos incompletos. Que somos apenas metade de algo e nunca por inteiro e que só no outro nos complementamos. E isso não podia estar mais longe da verdade.
Num dia como o de hoje, em que por todo o mundo se celebra o amor romântico, a dois – independentemente do género – falemos de amor próprio, aquele que começa de dentro para dentro e para nós, e que, esse sim, deve ser a força motriz. Não a busca de amor no outro como um complemento de algo, como se para a vida ter sentido precisássemos de estar acompanhados. Claro que acompanhado é bom, torna os momentos mais especiais, mas se não soubermos amar-nos primeiro, mais tarde ou mais cedo percebemos que o outro não será suficiente para nos amar por inteiro.
E tudo isto a propósito de vários temas e situações que, este fim-de-semana, vieram até mim. Primeiro, o documentário do momento, 'Tinder Swindler' (ou 'O Impostor do Tinder'), onde um rapaz bem parecido se fazia passar por filho de um multimilionário da indústria dos diamantes, enganando mulheres na aplicação Tinder, que se apaixonavam por ele e a quem, a dado momento, acabava a pedir grandes quantias de dinheiro, ao qual as mesmas acediam. Com o dinheiro de umas ia enganando outras, que conhecia através da mesma aplicação e, desta forma, dando continuidade ao seu plano e esquema bem engendrado, que lhe permitia viver uma vida de luxos e falsas aparências. As lesadas – e são várias – ficavam não só com a conta bancária desfalcada e completamente endividadas, como também de coração partido.
Ao ver o documentário, não pude deixar de questionar o que leva mulheres bonitas, inteligentes, com estudos e profissões de sucesso, a envolverem-se numa espiral de acontecimentos destes, numa tentativa desesperada de ajudar e salvar aquele que consideravam ser o amor das suas vidas. Será que qualquer um de nós não poderia fazer o mesmo? Qual é a linha que separa a razão do coração e nos diz: "Isto não está certo, estás a fazer algo que não consideras certo, mas continuas a fazê-lo".
Quantas de nós não temos as bandeiras vermelhas a acenar, os apitos todos descontrolados a tocar, a intuição a fazer-nos sinais e, mesmo assim, continuamos a insistir em ir em frente em situações e por pessoas – as nossas "caras-metade" – que nos levam na direção do abismo? Onde fica o nosso amor-próprio? Deverá o amor pelo outro cegar-nos desta maneira? Ou só todas(os) percebemos isso demasiado tarde? Quando já nos estatelámos fortemente contra a parede e o caminho já não tem volta?
Senti uma imensa solidariedade e empatia por estas mulheres que se expuseram desta forma para denunciar uma situação da qual foram vítimas. Porque acordaram demasiado tarde para uma relação que as prejudicou fortemente para a vida – a maior parte ainda se encontra a pagar as dívidas de milhares de dólares que contraíram em nome deste pretenso amor.
É muito triste ler os comentários nas redes sociais, onde a maioria das pessoas as acusa de oportunistas e que apenas tiveram aquilo que mereciam. Mas é de um enorme valor e coragem ver que se reergueram perante uma situação que as fragilizou não só na vida social e profissional, e lhes amputou o futuro, mas também no mais íntimo da sua essência, e que não cruzaram os braços – pelo contrário, criaram uma espécie de irmandade onde se apoiaram umas às outras, porque só elas sabiam o que tinham passado, unindo forças para denunciar a situação. Atualmente, há até uma Fundação que criaram para apoiar vítimas de fraude.
Ninguém está livre de que lhe partam o coração, por muito que se ame a si própria e saiba o seu valor… mas será que precisamos de bater no fundo para só assim e dessa forma termos outro olhar sobre a pessoa que amamos, colocando-nos a nós próprias em primeiro lugar?
Tudo isto serve também para abordar o tema – sem me querer alongar – das várias acusações que se tem visto, ao longo dos últimos dias/semana, de um 'reality show' na televisão portuguesa, que tem posto a nu e sob o olhar de todos, a toxicidade, a manipulação e a agressão, psicológica e verbal, sobre o outro. Ou seja, tudo o que o amor não deve ser e que é considerado crime de violência doméstica e punível por lei, e que está ali, aos olhos de todos e a passar em horário nobre na televisão nacional de forma impune, porque quem cala consente.
O amor próprio também se reconstrói, mesmo quando foi ferido de morte. E até pode vir com mais força e despertar-nos sentimentos de solidariedade e acolhimento por nós próprios. Mas não temos de nos estatelar por completo para o perceber e temos de saber reconhecer os padrões de quando estamos a deixar de ser nós em função do outro.
Por isso, hoje, dia de São Valentim, em que somos bombardeados por milhentos anúncios de casais enamorados, de amor romântico, que as redes sociais se enchem de fotos de casais apaixonados, de declarações e ramos de flores, a minha mensagem vai para todos os solteiros que só têm vontade de esconder a cabeça debaixo da almofada e de querer que o dia acabe depressa, para não se sentirem tão sozinhos no vazio de não serem amados por uma ‘cara metade’: ama-te a ti primeiro, porque é contigo que terás de viver o resto da tua vida.
Tu és a pessoa mais importante!
E, se for preciso, compra um ramo de flores para ti e come a caixa de bombons sozinha.
Verás como vale a pena.
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