A pele. O maior órgão do corpo humano, uma das nossas principais identidades, aquilo que é mais visível de nós e, também, motivo de tanto preconceito, sempre foi considerada pela indústria da Moda e da Beleza como um requisito fundamental. Uma boa pele, jovem, luminosa, sem falhas, é sinónimo de juventude, cuidado, saúde, em última instância, de sucesso. Quem tem uma boa pele, seja do corpo ou do rosto, trata e cuida de si, revela atenção ao detalhe, autocuidado, sentido apurado de estética, procura a beleza e a harmonia, a perfeição do todo.

Não é por isso de estranhar o que levou Olivier Rousteing, de 36 anos, diretor criativo da marca de luxo Balmain, a omitir durante mais de um ano o acidente no qual se viu envolvido e que o levou a ficar com queimaduras várias no corpo, em especial no torso, braços, pescoço, rosto e crânio, quando a lareira do seu apartamento em Paris explodiu em outubro de 2020. Olivier acordou no dia seguinte no hospital de Saint Louis, onde se deparou com grande parte do corpo queimado.

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Durante o ano que se seguiu, Olivier travou uma batalha consigo mesmo, escondendo o acidente que tinha sofrido e as marcas que este lhe infligiu no corpo, tendo revelado que o fez por vergonha e insegurança, num mundo que é obcecado com a perfeição e a beleza física. Golas altas, máscaras faciais, mangas compridas, e até anéis em todos os dedos, em inúmeras entrevistas e sessões de fotos, esconderam dos olhos de todos o que lhe tinha acontecido.

Num post franco e sincero na sua conta de Instagram, onde é seguido por mais de 7 milhões de pessoas, revelou: “Fiz de tudo para esconder esta história do maior número de pessoas possível, tentando mantê-la em segredo com a minha equipa e amigos por muito tempo. Para ser sincero, não sei bem por que estava tão envergonhado. Talvez esta obsessão pela perfeição, pela qual a Moda é conhecida, e pelas minhas próprias inseguranças".

Um ano depois, Olivier assumiu-se como curado, referindo que toda a experiência o fez perceber o poder das redes sociais, “onde cada um escolhe a sua própria narrativa especial, que evita o que não queremos ver ou mostrar: este é o nosso novo mundo”, e que hoje se sente livre e afortunado, pode ler-se no post de 9 de outubro.

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A sua recente coleção, apresentada a 29 de setembro na Semana de Moda de Paris, teve toda esta jornada pessoal como ponto criativo, sendo a celebração da cura e da dor. E se ainda duvidávamos que a Moda estava a mudar, Olivier é o claro exemplo de como o ensinamento e a consciência têm de vir de dentro, e não apenas baseadas na sua expressão mais superficial, visível ou física, mesmo que isso pareça um contra-senso quando se trabalha diretamente com a indústria do luxo e da perfeição física.

O talento, a criatividade e o valor de cada um, não estão diretamente ligados à imagem, mas sim a sermos verdadeiros para connosco próprios e em estarmos em paz com isso. E esses valores também podem (e devem) ser apreendidos pela Moda, pelo mundo da Beleza e da Cosmética, começando a ser cada vez mais aceites e normalizados. A jornada de cada um — mesmo quando é feita de dor e de uma expressão física não tão perfeita quanto o que desejaríamos — faz de nós, mesmo os que se consideram mais intocáveis e afortunados, mais humanos, e não há problema em assumi-lo.

Porque nunca o amor-próprio esteve tão na moda. E ainda bem.

Mafalda Santos  fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.