O mundo continua a cobrar das mulheres. Demasiado. E por mais que continuemos, semana após semana, ou mês após mês, a falar do tema, não há, infelizmente, como fugir dele. O envelhecimento. Principalmente quando a escolha de envelhecer naturalmente se torna sinónimo de coragem.

Como se fosse suposto sermos eternamente jovens, contrariar o curso natural da vida, de certa forma lutar contra isso e tentar, desesperadamente, beber da fonte da juventude – seja ela qual for. Por isso, quando uma mulher decide abraçar, de forma digna, a evolução natural do envelhecimento e da passagem do tempo no seu corpo, cabelos e rosto, por ser algo tão incomum, é notícia.

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Foi o que aconteceu com a atriz, cineasta e escritora Justine Bateman, a querida Mellory Keaton da velhinha sitcom dos anos 80, que passava na RTP, “Quem sai aos Seus”. Eu sei, a maioria da Geração Z, Millenials e Geração Alpha que lê a Miranda e a rubrica #RealFluencers, não é desse tempo, não sabe nem conhece a Justine, mas a sua personagem Mellory era conhecida por ser uma jovem bonita e atraente, que fazia suspirar os adolescentes da altura – além de fazer, igualmente, o papel de irmã do Michael J. Fox.

Vê-la hoje, do alto dos seus 57 anos, com o rosto naturalmente enrugado, sem filtros, sem botox e a assumir que não quer saber (para não parafrasear uma asneira) de como o seu rosto é, ou o que as pessoas percecionam dela por não ter cedido à pressão de combater a passagem do tempo, mais do que um ato de inconformismo, é um ato de provocação, num mundo habituado a demasiados filtros.

Numa entrevista ao programa '60 Minutos' australiano, a atriz afirmou que quando tinha 42 anos pesquisou no Google o seu nome, após comentários sobre como parecia velha: “Fiquei surpreendida quando me apercebi que o meu nome estava a ser discutido em chats na internet sobre como estava horrível e velha”, refere Justine no livro que escreveu sobre o tema, ‘Face: One Square Foot of Skin’, onde aborda a relação disfuncional e autopunitiva que temos com o envelhecimento, e onde, culturalmente, o mesmo é percecionado como algo negativo, uma perda, que requer intervenção e correção.

No seu livro – cuja capa começa logo por ser provocatória – e onde se vê o rosto de Justine a ser alvo de intervenção, com umas mãos de homem a desenharem linhas à volta dos seus olhos, a atriz aborda a temática de uma cultura obcecada pela otimização e pelo aperfeiçoamento do "eu exterior", num processo inesgotável e contínuo, onde quem não o pratica é visto como negligente, um sinónimo de auto-abandono e de falta de amor próprio.

Criadora da hashtag #TheresNothingWrongWithYourFace (não existe nada de errado com a tua cara), a atriz comenta que não deixa de ser tentador olhar-se no espelho e imaginar-se com um facelift, ou qualquer outra intervenção cirúrgica que lhe permita remover as rugas ou a pele flácida, mas que ela, enquanto pessoa, é muito mais do que isso e gosta de sentir que é diferente de quando tinha 20 anos, motivo pelo qual decidiu abraçar o envelhecimento de forma natural, evitando os filtros, as injeções ou o botox.

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Para aqueles que são famosos e debaixo do olhar crítico do público, pode haver uma maior pressão para se submeterem a intervenções cirúrgicas, alterar o rosto e escapar às críticas de que se está “velha e terrível”, escreve Justine no seu livro, mas também o público, que se habituou à ideia de uma atriz que era considerada uma das mais belas do mundo, responde horrorizado ao seu envelhecimento, como se não lhe fosse permitido.

A verdade é que grandes estrelas e divas do cinema, como Elizabeth Taylor ou Audrey Hepburn, foi-lhes permitido envelhecer, tanto em público como em privado, sem a pressão de terem de ceder a injetáveis ou a intervenções e sem serem odiadas por isso. Atualmente, a pressão de um corpo perfeito e de um rosto congelado no tempo, com a pele lisa e livre de rugas e de expressão, banalizou-se ao ponto de ser um ato de coragem, uma contestação, quando uma mulher decide não o fazer – sendo igualmente criticada por isso.

Quando, no mesmo programa, lhe perguntaram se considerava que “Há beleza no envelhecimento?”, Justine respondeu: “Bom, quando perguntas se 'Há beleza no envelhecimento?´, o que na realidade estás a dizer e a perguntar, é: 'Achas realmente que é possível que outras pessoas considerem envelhecer como algo bonito?' E eu simplesmente digo “Não ligo uma m…a! O meu rosto representa quem eu sou. Eu gosto. E é basicamente o fim da estrada".

A questão que me coloco é: o Michael J. Fox também entrava nesta série. Hoje está com uma doença degenerativa que o afasta – e muito – da imagem de jovem enérgico que tínhamos dele. E não vemos ninguém a perguntar-lhe se considera que 'há beleza no envelhecimento'… então porque é que o fazem com uma mulher?

Naturalizemos isso, para não ser “outra vez arroz”!

Mafalda Santos fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.