Por causa de um texto sobre pobreza menstrual que escrevi em junho, fui convidada a ser oradora no primeiro debate deste ano letivo 2022/23, promovido pelo núcleo HeforShe da Universidade Católica Portuguesa, do Centro Regional do Porto, cujo propósito é dar voz ao movimento feminista criado pela ONU Mulheres em 2014.

#ÀFlorDaPele: a pobreza menstrual existe e é preciso falar dela
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Sobre o tema “Pobreza menstrual, Produtos Reutilizáveis e Políticas de Mudança”, este grupo de jovens convidou oradores de diferentes quadrantes para darem o seu contributo sobre um tema que, infelizmente, ainda encontra barreiras na difusão e na pertinência da sua mensagem: a de que a pobreza menstrual existe, é real e que são necessárias medidas concretas, por parte do Estado e das comunidades, para as colmatar e mitigar.

E se é verdade que há, cada vez mais, uma abertura da sociedade para o tema, assim como de empresas que começam a aplicar medidas concretas que visam o bem-estar das suas trabalhadoras (por exemplo, através da aplicação de licenças menstruais em dias de trabalho), em Portugal ainda não existe uma regulamentação específica que permita a aplicação de uma licença menstrual generalizada, ou como algo instituído e previsto na Lei.

Mas nem é preciso ir tão longe na ambição. Claro que é um objetivo que se pretende mas, para já, é necessário mobilizar as pessoas, educar para o tema junto de uma população jovem – que, apesar de ter todos os meios para procurar informação, a maior parte lida com o assunto de forma envergonhada e sem saber por onde começar – e permitir que sejam eles, os jovens, os principais impulsionadores do tema. Porque visam o futuro e querem que o mesmo seja mais justo, igualitário e sustentável.

#ÀFlorDaPele: dialectos de ternura
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Projetos como o Let It Flow Pobreza Menstrual – uma organização sem fins lucrativos – criado em 2021 por jovens voluntárias que têm como missão a luta contra a desigualdade de género associada à pobreza menstrual, são fulcrais para permitir que os jovens tenham, muitas vezes, o primeiro contacto com o tema, permitindo-lhes o acesso a produtos que muitos desconheciam – como cuecas ou pensos reutilizáveis – ou que os rapazes, por exemplo, tenham o primeiro contacto com os diferentes produtos e opções que as raparigas têm ao seu dispor quando se encontram menstruadas, mas também tenham conhecimento e fiquem sensibilizados das dificuldades, sintomas e reações ao organismo da mulher. O que significa a menstruação, desconstruindo-a, normalizando-a, fazendo dela aquilo que ela verdadeiramente é e não um tabu: uma reação fisiológica natural do corpo da mulher, que consiste no corrimento de sangue e tecido mucoso do revestimento interior do útero pela vagina.

O Let it Flow vai às escolas falar com alunos do 4º ao 12º ano e encontra-se, atualmente, a atuar na cidade de Lisboa, mas gostaria de se expandir e de levar a iniciativa a outras escolas e zonas do país que mostrem abertura e interesse em falar sobre o tema da pobreza menstrual. Este ano conseguiram que o Agrupamento de Escolas Marquesa da Alorna, em Lisboa, os acolhesse e acreditasse no projeto, promovendo, nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, o contacto dos jovens com o mesmo, incentivando ao debate, à participação, à desconstrução de um estigma.

Mas nem sempre é fácil que as próprias escolas aceitem debater e permitam que se fale sobre o assunto, ou que as associações de pais o aprovem, rejeitando-o e considerando que o mesmo não é pertinente para o programa curricular, esquecendo-se que nem todos os jovens têm as mesmas condições socioeconómicas e acesso a produtos de higiene pessoal – que deveriam ser considerados bens de primeira necessidade.

#ÀFlorDaPele: a guerrilha de marketing da juventude
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A pobreza menstrual passa pela falta de conhecimento sobre a menstruação, a falta de recursos básicos, como pensos e tampões, e a falta de infraestruturas adequadas, como saneamento básico ou água em casa para uma higiene correta. Em Portugal, estima-se que 17% das pessoas tenha dificuldade em aceder a estes recursos e é por isso que é tão importante continuarmos a falar do tema. E é por isso que é tão importante que os jovens sejam mobilizadores do mesmo e não se resignem.

Neste momento, o Let It Flow está a recrutar novos elementos para o seu departamento educacional, mais precisamente formadores. Serão essas pessoas que irão às escolas dar formação sobre pobreza menstrual. Se quer dar a sua contribuição e ajuda para o tema, inscreva-se. Não precisa de ter experiência, apenas força de vontade, disponibilidade de horários e gosto pela comunicação. E lembre-se: só está vivo porque uma mulher menstruou e foi fecundada e todos os meses milhões de mulheres menstruam em todo o mundo. Tornemos este tópico urgente, ajudando à sua divulgação e acesso – não apenas nos principais centros urbanos, mas em todo o país.

Mafalda Santos  fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.