Não é a primeira vez que por aqui abordo a temática da menstruação. Regresso ao assunto porque, no passado mês de maio, Portugal deu mais um passo no combate à pobreza menstrual, tendo taxado todos os produtos menstruais à taxa mínima de 6% de IVA. Isto significa que todos os esses produtos menstruais, pensos, tampões, incluindo copo menstrual, pensos e cuecas de tecido, reutilizáveis e laváveis – e não apenas os de gaze e de utilização única – vão ver os seus preços a baixar.
Pode parecer algo pequeno, mas a realidade é que esta diferença de preço vai também significar a diferença no acesso e compra destes produtos por parte de muitas mulheres que todos os meses menstruam mas que nem todos os meses têm recursos económicos que lhes permitam adquirir ou ter acesso aos mesmos.
A pobreza menstrual ainda existe e afeta muita da população feminina em idade escolar que, dessa forma, vê a sua vida afetada pela menstruação. A Unicef estima que uma em cada 10 meninas não frequenta a escola durante a sua menstruação, seja por falta de condições sanitárias, seja por ausência de produtos de higiene, medo ou vergonha de se sujarem.
O acesso a produtos de higiene menstruais deveria ser algo natural, generalizado e acessível a todas as mulheres, mas a realidade está longe disso. Segundo um estudo de 2020, realizado pela Universidade do Minho, intitulado “Conceções de Mulheres Portuguesas Sobre a Menstruação, Higiene Menstrual e Constrangmentos no Espaço Público”, da autoria de Vânia Beliz e Zélia Anastácio, onde 445 mulheres portuguesas serviram de amostra ao mesmo – a grande maioria composta por licenciadas e a residir na zona de Lisboa – 16.6% das participantes assumem ter dificuldades económicas na aquisição dos produtos de higiene.
Esta amostra (pequena, por sinal) é um claro indicador de um problema mais amplo e generalizado, se tivermos em linha de conta que a maior parte das mulheres que fizeram parte do estudo tinham idades compreendidas entre os 25 e os 44 anos, ou seja, mulheres de todas as idades e não apenas jovens, o que também revela outra conclusão preocupante: o problema é maior do que imaginamos e a pobreza menstrual existe e é generalizada, afetando mulheres jovens a adultas. O que leva a outra conclusão: a pobreza menstrual afeta a saúde e bem-estar da maioria das mulheres, manifestando-se de inúmeras formas na sua vida quotidiana – seja em idade escolar, seja no trabalho.
Em qualquer momento, 800 milhões de pessoas em todo o mundo menstruam, e cada mulher passa, em média, 3000 (três mil!) dias da sua vida menstruada. Apesar de ser um ato fisiológico natural feminino, falar de menstruação ainda causa desconforto e a falta de acesso a produtos de higiene e menstruais deveria ser considerado tema de saúde pública e de direitos humanos, já que a sua ausência condiciona milhões de raparigas e mulheres de alcançarem o seu potencial económico e social, sendo por isso, igualmente, um poderoso incentivo à desigualdade de género. As mulheres de rendimentos inferiores são altamente prejudicadas pela menstruação, tendo, em algum momento das suas vidas, sacrificado a escola, o trabalho ou as suas obrigações sociais e quotidianas, por estarem menstruadas.
E não pensemos que esta situação existe apenas no nosso país, ou em países com situações económicas mais precárias. Por toda a União Europeia, o problema existe e as diferenças de país para país são díspares, mas a realidade é que cerca de metade dos Estados-membros continua a aplicar a taxa de IVA normal aos produtos de higiene menstrual, o que significa que esses produtos – que deveriam ser considerados bens de primeira necessidade – são taxados ao mesmo preço de uma bebida ou de uma peça de roupa, por exemplo. Em muitos estados dos EUA, artigos como champô para a caspa ou medicamentos para tratar a queda de cabelo, são isentos de impostos, mas ainda existem 30 desses estados onde os pensos higiénicos e os tampões são taxados, recusando-se a classificá-los como “artigos de primeira necessidade”.
Segundo estatísticas divulgadas pela Organização Não-Governamental “Plan International UK” , 10% das raparigas “não conseguem adquirir produtos de higiene feminina”, uma realidade que é também abordada pelo estudo nacional da Universidade do Minho, onde se conclui que é importante a disponibilização gratuita de produtos de higiene em escolas e locais públicos, assim como é importante criar campanhas de dignidade menstrual nas escolas, incluindo os meninos e rapazes como agentes de mudança.
Como escreveu Catarina de Albuquerque, diretora-executiva da iniciativa Saneamento para Todos, do Fundo das Nações Unidas para a Infância, num artigo sobre a pobreza menstrual, “tornar os produtos de higiene menstrual acessíveis não é apenas um passo necessário em direção à igualdade de género, mas um passo crucial para quebrar as barreiras que estigmatizam a menstruação. É um reconhecimento de que os processos biológicos das mulheres não devem atrapalhar a sua formação e perspetivas de futuro, contribuindo para a luta pela plena igualdade de género. Os governos nacionais devem também apoiar a promoção da ampla disponibilidade destes artigos e considerar o fornecimento complementar de material de higiene feminina em determinados espaços, como escolas, abrigos para sem-abrigo e para mulheres de baixos rendimentos, com o objetivo de erradicar a pobreza menstrual. Essas medidas teriam benefícios incomensuráveis para as mulheres e seriam um passo importante para a igualdade de género. A menstruação afeta diretamente apenas uma parte da população, mas garantir uma menstruação segura, com higiene e dignidade, beneficia-nos a todos.”
Na escola pública que a minha filha de 13 anos frequenta, fiquei a saber que existem produtos menstruais gratuitos nas casas de banho, sob o lema “Leva o que precisares, repõe quando puderes”. Parece-me um excelente exemplo de incentivo ao fim da pobreza menstrual dado pela associação de estudantes ou pela direção escolar, (confesso que não sei), passando a mensagem, de uma forma natural e tão sistémica do ato de dar e receber, sem pressão nem cobrança, de que nenhuma jovem fique impossibilitada de ir à escola ou seja condicionada, de que forma for, por estar com o período.
Devíamos ter mais exemplos destes na vida e na sociedade em geral.
Comentários