Se acham que falar de um assunto tão pessoal quanto um problema de pele, de forma quase blasée e sem pudores é corajoso da minha parte, eu digo-vos que ainda estou a anos-luz desta viagem. Não é um processo fácil, nem acontece de um dia para o outro. Vem com a idade, com a experiência de vida, com as situações com as quais já me deparei e, acima de tudo, com a aceitação de mim mesma.
Tenho 41 anos. Durante grande parte da minha vida desejei ter nascido de outra forma. Condicionei-me a mim mesma, nas experiências de vida, na forma como me entregava aos outros, na forma como me via e sofria terrivelmente com isso. Lembro-me de ser miúda e de um dos meus desejos recorrentes era acordar e tudo não passar de um sonho. O sonho em que eu teria uma pele igual à das outras meninas, em que poderia usar saias sempre que me apetecesse, andar com as pernas à mostra sem sentir o peso dos olhares alheios sobre a minha pessoa, ou, tão somente, ser apenas uma miúda “normal”.
Na adolescência, período da vida já de si complicado, os medos, a vergonha e os complexos aumentaram em larga escala. Além de ser terrivelmente magra, ter umas sobrancelhas dignas de fazer inveja à Frida Kahlo e de ser mais alta do que todas as minhas amigas, tinha ainda uma pele que mais ninguém tinha, que ninguém conhecia nem sabia como se chamava, o que fazia de mim a personificação perfeita do patinho feio. Não havia rapaz que olhasse para mim duas vezes.
Escusado será dizer que com toda esta bagagem, os anos de secundário não me deixaram grandes saudades. Estávamos no início dos anos 90 e as supermodelos começavam a dar nas vistas. Nomes como Cindy Crawford, Claudia Schiffer ou Linda Evangelista, tornavam-se cada vez mais conhecidos das pessoas comuns numa era em que a televisão, os jornais e as revistas, eram o único vínculo condutor de imagens externas que nos chegava e que nos podiam servir de inspiração. E neles não havia espaço para a imperfeição nem para mostrar a realidade tal como ela é: para mulheres com celulite, estrias, cicatrizes, ou mulheres com peles que não são perfeitas, mulheres que há 20 anos atrás nunca seriam consideradas “bonitas”, ou a quem seria dada visibilidade.
É o que tem de fantástico a internet e a forma como vulgarizou vários temas. E como deu poder às pessoas comuns para terem uma voz e uma palavra a dizer ao mundo, mesmo que isso signifique exporem-se na sua forma mais autêntica e natural: mostrando as suas vidas como elas são, sem filtros e sem pudores, porque há doenças que nos tiram tudo e ter uma doença rara de pele, pode-nos tirar toda a auto-estima e valorização do nosso “eu” enquanto seres humanos. Somos diferentes e essa diferença não é bonita de se ver.
Falar de uma doença pode ser tão heróico quanto mostrar da forma mais crua e pura de como ela nos afeta, mas eu, que a sinto na pele, acho que algumas das fantásticas senhoras que tenho descoberto nas redes sociais – que sofrem da mesma condição que eu – e que a mostram sem pudores, expondo-se da forma mais honesta possível nas suas contas de Instagram, são uma verdadeira inspiração.
Posso falar-vos da norte-americana Jeyza Gary, a primeira mulher negra com ictiose lamelar que não se deixou vencer pela sua condicionante e é hoje modelo! A Jeyza transformou a sua pele no seu bem maior e vingou num meio onde sempre se esperou que as mulheres fossem perfeitas, tendo inclusive já sido fotografada e publicado um editorial seu na Vogue Itália. Claro que ajuda ter uma personalidade forte e uma atitude bem resolvida, mas digo-vos, expor-se assim ao mundo, não é para “meninos”. É para mulheres com “M” bem grande!
Ou a Katherine Thrower, também norte americana, natural do Tennesse, uma simples miúda comum com uma conta aberta no Instagram, onde entre as várias coisas que lhe despertam interesse no seu dia a dia, partilha a sua pele, os tratamentos e o antes e depois de cuidar da mesma na sua forma mais natural e autêntica. Mais uma vez, sem filtros, sem dramas, apenas a vida como ela é.
Ou a nova iorquina Rochelle, que é uma verdadeira inspiração, não só pelo dom de mãos que possui e de onde saem trabalhos artesanais cheios de bom gosto, como pelo facto de ter ictiose lamelar e de falar sobre a mesma (há inclusive um destaque na sua conta de instagram só dedicado ao tema), mostrando como rapou o cabelo para evitar as lascas de couro cabeludo que constantemente lhe nascem e se agarram ao mesmo, ou de como tatuou os seus braços, mesmo que as tatuagens numa pele que está constantemente a escamar e a renovar-se, não fiquem perfeitas.
São pessoas como estas, comuns, que vivem todos os dias com a sua diferença, mas que fazem dela o seu maior legado e uma verdadeira inspiração para quem as vê, que me levaram, aos 40 anos a fazer a minha primeira tatuagem.
“Be brave”, foi o que decidi tatuar no braço, com uma seta que indica o caminho apontada a mim mesma. Hoje, um ano depois, já está a ficar sumida – mesmo já tendo sido retocada – mas todos os dias a vejo e me lembro, ninguém pode fazer a minha caminhada, por isso, mesmo quando ela parece difícil, mais vale ser forte e seguir em frente.
Não sei se é um ato de coragem ou de crescimento pessoal, mas que daqui nasce algo belo, disso não tenho dúvidas.
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