Até as top models se olham ao espelho e sentem-se 'lixo'. Percebi isso nos anos 90, numa entrevista em que uma famosa e conceituada modelo confessava que muitas vezes se sentia feia e pouco atraente. Se fosse nos dias que correm, em que nas passerelas nos deparamos com outros tipos de beleza mais alternativos, poderíamos facilmente compreender a insegurança da musa. Mas não, esta ninfa é do tempo em que todos se guiavam pelo mesmo e intemporal padrão de beleza.
Foi nessa altura que tive a certeza que por mais aprovação que tenhamos na nossa vida vão sempre existir os tais dias sem confiança e auto-estima, em que o espelho diz 'não'. E como é que se explicam aquelas pessoas que sendo feias são atraentes? Da mesma maneira que se explicam as outras que sendo bonitas também são desinteressantes?...
Enchamos uma sala com um grupo e outra sala com o outro grupo. Qual das salas gostariam de frequentar? Em que sala estão bem vestidos e em que sala há conversas fora da caixa? Acho que a resposta é evidente...
Eu sou aquele tipo de homem que teve muito amor enquanto criança, tanto da parte da família como da parte dos colegas da escola. Não tivesse sido assim, não sei onde iria hoje buscar a confiança e a auto-estima que quase caíram por terra durante a adolescência, em que era maltratado pelos colegas. Essa foi precisamente a fase em que comecei a ganhar a consciência do meu corpo, a comparar-me com os rapazes e a apreciá-los também. Sentia-me a anos-luz de ter o físico deles e envergonhava-me da minha magreza e fragilidade.
Só os meus olhos azuis eram motivo de cobiça, mas por mim podiam bem ser de outra cor, já que não os considerava essenciais ao analisar o pacote todo visto de fora. Sentia-me completamente inadaptado e assim foi durante uns anos.
O meu sentido de estética sempre foi muito forte e não ter para mim o que considerava ideal era frustrante.
Tentei engordar de muitas maneiras, e passar a comer mais não foi a solução, com o metabolismo acelerado de que sempre padeci. Mesmo quando comecei a frequentar o ginásio, defini a musculatura, mas o peso manteve-se. Magrinho “foreva”! Estava condenado!
Fiquei condenado durante muitos anos, até mudar de escola e fazer novas amizades; até sentir-me apreciado; até à idade adulta em que olho para um Jared Leto e percebo que nós, magros, também temos um nicho de mercado.
Então tudo bem, agora está tudo certo, aceito-me como sou. Este actor que tenho referido várias vezes aqui no #ÁguaPelaBarba abriu-me os olhos para um novo padrão de beleza masculina. Lá porque num homem aprecio um corpo forte e musculoso, não significa que eu tenha de pertencer a essa tribo. Não me importava de ter mais peso, mais massa magra, mas cheguei à conclusão que ao lado de outro magro prefiro ser o que tem atitude e confiança.
Porque atitude e confiança também fazem parte desse ideal de imagem que quero transmitir e acredito que faz a diferença em qualquer sala que entre. Já estive mais magro do que estou hoje e sinto que conquistei o patamar mínimo para a auto-estima não ir mais abaixo. Mas se estivesse com menos peso do que tenho hoje, teria de fazer um sobre-esforço para transmitir alguma confiança.
Confiança, meus caros
Confiança é o acessório básico antes de tudo o resto e trabalhá-la é dose! Está sempre dependente de muitos factores externos como o reconhecimento no trabalho, a aprovação dos amigos e da família, entre outros. Mas se nada disto existe, há que ir ao fundo da lama, chafurdar muito até que a pequena pepita de ouro dê de si e agarrá-la com força.
A minha confiança já teve dias melhores e também já teve dias piores. Mas do tempo em que fiz parte do júri de coreografias de yoga, aprendi que um sorriso e olhos nos olhos são duas ferramentas que cativam qualquer um em relação à dificuldade das técnicas apresentadas ou à beleza do seu encadeamento coreográfico.
Se assistirmos a um espectáculo em que dois bailarinos fazem exactamente a mesma coreografia, qual deles cria uma ligação com a audiência? O que está de cara sisuda e tem um olhar perdido? Ou o outro que sorri e olha para quem o assiste? E se este último, afinal, não dançar assim tão bem quanto o outro, quem deles nos encantou mais?
Não estou a dizer que pôr um sorriso na cara e olhar nos olhos resolve um sentimento de inadaptação e inferioridade, mas sem dúvida que abre muitas portas. Durante muitos anos lamentei não ter o corpo X ou o formato de cara Y ou a altura Z. Mas se a confiança de um feio atraente marca pontos neste mundo, então também há lugar para mim.
Felizmente, já estamos a chegar à era da democratização dos padrões de beleza e olhando à nossa volta confirmamos que na vida há mercado para todos. Lembro-me do meu tio, cujas namoradas foram sempre gordinhas.
Olhem para as capas de revistas e para as passarelas. Abençoadas curvas da Kim Kardashian e bem-aventurados pneus da Tess Holliday. E a lista de exemplos é infindável. A atitude começa por aceitar e valorizar o próprio corpo. E se o espelho diz não, vamos ter de lhe mostrar como se pronuncia um sim: olhos nos olhos e sorriso na cara!
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