Um foco de luz - quase sempre uma lanterna de telemóvel - deixa revelar o interior de o que é claramente um contentor do lixo. A noite já vai longa e alguém conduziu até ali para literalmente mergulhar no entulho de uma das maiores lojas de Beleza dos Estados Unidos.

"Biggest Ulta Dumpster Dive Ever + Live Dive", "$700 Worth of FREE Makeup!! Ulta Dumpster Diving!!", "HUGE $7,500 ULTA DUMPSTER DIVING HAUL! BRAND NEW BENEFIT MAKEUP! *shocking*" são alguns dos vídeos carregados no Youtube com este cenário.

Mas são apenas a ponta do iceberg. Há mais. Muitos mais. No extremo oposto da perfeição do cenário que embeleza cada haul (o termo designado para um vídeo em que se partilha as compras mais recentes) das típicas youtubers está este fenómeno, o de pessoas que se dedicam a vasculhar no lixo de lojas como a Ulta, Bath & Body Works, Sephora, CVS.

Aqui não há tripé, nem ring light, nem objectiva 1.4 para criar profundidade de campo. Aqui as filmagens são com a câmara do telemóvel, sem preocupações estéticas, nem floreados. O importante é o que está a acontecer no momento: o entusiasmo de quem desbrava agressivamente caixas de cartão, embalagens de plástico, em busca da última paleta de sombras que todas as influencers receberam ou simplesmente à procura dos testers do corrector que gostam, mas nunca comprariam.

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O resultado não podia ser mais discrepante: tanto numa noite pode existir a "sorte" de encontrar mercadoria intocável, alguma ainda por abrir e perfeita, como se pode encontrar maquilhagem usada, suja. E se o comum dos mortais olharia para os objectos com asco - a falta de higiene é incontestável, afinal, são produtos usados e depositados no lixo -, os "mergulhadores" olham para estes como uma oportunidade.

Há quem mergulhe no lixo à procura de produtos de Beleza - e filme tudo para o Youtube
A visão é muitas vezes esta: apenas lixo. Os "divers" usam utensílios como este, na imagem, para agarrar sacos e assim evitar entrar para dentro dos contentores. créditos: Youtube

É que além dos números das visualizações e do entusiasmo do inesperado, há outro elemento que motiva os dumpster divers. O dinheiro. Porque se, por um lado, estes indivíduos não recebem os produtos das marcas, certamente fazem dinheiro com eles. Depois de esterilizar os itens encontrados, muitos são os que os vendem em grupos secretos no Facebook.

Ainda que possa soar quase lunático que alguém confie nas condições de higiene dos produtos em causa, a verdade é que há quem faça efectivamente dinheiro com estas vendas - isto é, acredite-se ou não, há compradores.

Lillian Kay, actualmente com 95 mil subscritores, é uma das youtubers que começou por fazer DD (terminologia usada para designar Dumpster Diving), mas que hoje evoluiu para um canal de lifestyle. Com um upload cada vez menos regular de vídeos neste âmbito - e mais focado em lookbooks e hauls clássicos -, nem por isso deixou a prática. Só que é no facebook, uma vez mais, num grupo privado, que partilha esse conteúdo e vende o que encontra.

Bem diferente é a abordagem do Dumpster Haulics, um canal com cerca de 117 mil subcritores que opta por nunca mostrar a identidade. Com carregamentos de vídeos regulares, há toda uma colecção de viagens ao lixo das grandes lojas norte-americanas disponível à distância de um clique.

Há quem mergulhe no lixo à procura de produtos de Beleza - e filme tudo para o Youtube
O resultado de uma noite, do canal Dumpster Haulics. O vídeo revela que o Haul está avaliado, em produtos, em $7,500 (cerca de 6 mil e 500 euros). Youtube

É legal?

Uma vez que o lixo já não está na propriedade privada, mas na via pública - onde geralmente estão os contentores - o ali depositado torna-se livre de proprietário. Ainda assim, isso não impede que de quando em vez os funcionários das lojas já se tenham manifestado contra a prática. Neste vídeo, por exemplo, é visível uma funcionária da Ulta a tentar impedir o que está a acontecer, sendo confrontada com os dumpsters, que alegam que a polícia sabe e nada pode fazer.

Uma coisa é certa, com a indústria da cosmética debaixo de fogo pela sua cultura do desperdício, resta saber se a crescente consciencialização ambiental, a propagação de movimentos que apelam a compras conscientes, mais ecológicas, e a promoção de abordagens minimalistas à Beleza farão destes dumpster divers ("mergulhadores do lixo", traduzido à letra) um fenómeno em breve extinto.