Assistimos a uma revolução no mundo da moda. A indústria que cresceu e fomentou mundialmente a beleza assente em padrões de juventude, de corpos magros e esquálidos e rostos de pele imaculada, frescos e adolescentes, passa por uma transformação – ou será revolução? – onde marcas e campanhas apostam, aos poucos, em modelos com mais de 40 anos. O que há algumas décadas seria impensável, começa a ser uma realidade, numa clara posição de luta contra o idadismo e a discriminação com base na idade.
Exemplo disso, o gigantesco grupo Inditex, detentor da marca Zara, colocou a atriz espanhola vencedora de um Goya em 2021, Ángela Molina, com 67 anos, como o rosto da sua nova coleção Thirteen Pieces, uma coleção feita de peças minimalistas, sofisticadas, clássicas e intemporais, em tons neutros, onde a atriz aparece como a personificação de todos estes adjetivos.
Aos 67 anos, Ángela prima pela beleza e elegância natural, sem intervenções cirúrgicas, onde na última campanha da Zara aparece em poses relaxadas, com os seus longos cabelos grisalhos soltos, num despojamento sinónimo de segurança e de classe. Estes seus poderosos e naturais atributos não foram indiferentes ao gigante da indústria têxtil, tendo recaído sobre si a escolha para a personificação desta campanha, que representa a maior posição de sempre da companhia no que diz respeito à discriminação das pessoas mais velhas com base na idade.
Considerada uma das mulheres mais elegantes de Espanha, Ángela Molina é conhecida pelo seu trabalho enquanto atriz, mas também por ser um símbolo da beleza e envelhecimento natural, sem intervenções. A atriz, que já assumiu por diversas vezes que não considera beleza recorrer a procedimentos estéticos e/ou cirúrgicos, é o primeiro rosto sexagenário que o grupo Inditex escolhe para representar uma campanha. As fotos que ilustram a coleção-cápsula Thirteen Pieces, são a personificação do que a idade pode e deve ser: elegância, qualidade, conhecimento, beleza e intemporalidade.
A recente escolha do gigante Zara marca uma posição no mundo da moda, aproximando gerações e desconstruindo preconceitos, um assunto sobre o qual o Ministério da Saúde espanhol também se decidiu pronunciar, dando um passo na luta contra o estigma do idadismo e etarismo, lançando uma campanha sobre a consciencialização no país.
Num manifesto sobre o idadismo, pode ler-se no site do Ministério da Saúde espanhol, que “o idadismo faz parte da nossa compreensão do próprio envelhecimento, das nossas relações intergeracionais, e perpetua conceitos estereotipados sobre as pessoas idosas, limitando a nossa compreensão da diversidade que existe na velhice e tornando-se uma atitude comum nas nossas relações familiares, pessoais e práticas profissionais, com consequências tanto para as pessoas idosas como para a sociedade". Entre os vários efeitos na saúde, física e psicológica, que o idadismo provoca no ser humano estão também alguns conselhos sobre como o combater, nomeadamente:
- compreender o envelhecimento como apenas mais uma fase da vida;
- contrariar os conceitos negativos e estereotipados, reconhecendo a diversidade na velhice. As mudanças relacionadas com a idade devem ser respeitadas;
- participação informada das pessoas idosas na tomada de decisões, especialmente nas decisões em que estão envolvidas.
Noutro registo, mas igualmente revolucionário nesta tomada de consciência de que ser-se mais velho não significa “fora de prazo” ou “inútil”, a Vogue USA lançou na última semana a sua capa de setembro, onde se podem ver quatro das maiores supermodelos de sempre: Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e Christy Turlington. Todas, atualmente, com mais de 50 anos, foram nos finais dos anos 80 e durante os 90, os ícones de beleza mais desejados em todo o mundo. Nesta edição que junta as quatro super estrelas, há partilhas e desabafos sobre a idade, sobre a carreira e sobre as aprendizagens ao longo destes últimos 30 anos – e que poderá ser vista em maior detalhe na série documental “The Supermodels” (em português, As Supermodelos) – que será transmitida na Apple TV a partir de 20 de setembro.
A moda tem o poder de influenciar a sociedade. Ver uma mudança na mentalidade e abertura de gigantes que são referência na indústria, transmite uma poderosa mensagem de esperança face a uma maior tolerância e normalização de um processo pelo qual, inevitavelmente, todos iremos passar. Transmitir que podemos ser mais velhos mas continuarmos a ser belos, independentemente da idade que tenhamos, e que a beleza não se traduz apenas num rosto imaculado e sem rugas, mas num estilo, numa atitude, num estado de espírito e numa forma de estar, normalizando esses valores e mostrando ao mundo que sim, há beleza depois dos 40, dos 50 ou dos 60.
Linda Evangelista, já aqui mencionada num #ÀFlordaPele anterior sobre a intervenção estética que a levou a uma longa depressão nos últimos anos, referiu recentement, numa entrevista à revista InStyle: “Não me importo, e nunca me importei, com o envelhecimento", disse. "O envelhecimento leva-nos até onde queremos estar e, para mim, isso é uma vida longa. Eu quero rugas – mas aplico botox na testa, por isso sou uma hipócrita – mas quero envelhecer. Quero ver o meu filho [Augie] crescer e tornar-se num belo jovem. Só quero ficar por cá".
No final, é isto que a idade nos traz de bom: a aceitação e a constatação de que há coisas melhores pelas quais queremos viver, do que apenas estarmos preocupados com o parecermos eternamente jovens.
Basta amadurecer e abrir o olhar.
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