Claudia Raia pôs o dedo na ferida. Mulher e com mais de 50 anos, Claudia é o inverso de tudo aquilo que acreditamos (ou será "acreditávamos"?) que uma mulher quinquagenária deve ser. Bonita, em forma, elegante e assumidamente com poder sexual, Claudia assume-se como mulher, atriz, com mais de 50, falando abertamente de temas que, até então, muitos veem como tabus.

#ÀFlorDaPele: and just like that… elas têm 55 anos
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Não é demais relembrar que nem há 30 anos, em plenos anos 90, a mulher de 50 anos era retratada no ecrã como uma senhora já resignada com a vida, normalmente com filhos criados, adultos, avó, de casaquinho de malha pelos ombros e recatada em casa. E que nós crescemos com este arquétipo em mente, sendo-nos muito difícil, ainda atualmente, libertarmo-nos dele. E, certamente, no inconsciente coletivo da nossa sociedade, a mulher de 50 ainda não é, na generalidade, personificada por uma Claudia Raia, que tão depressa está de fatos justos de licra a exercitar-se no ginásio, como a fazer vídeos de Tik Tok e Reels com o marido para colocar nas suas redes sociais.

Mas como na história da jornada do herói, há sempre alguém que se liberta das amarras dos tabus, das dores do coletivo ou dos preconceitos, e dá o salto de fé, abrindo caminho e mudando mentalidades. Cláudia é certamente uma dessas mulheres que trilha o percurso para toda uma geração de outras mulheres que lhe seguirão os passos, falando de temas e denunciando situações que ainda estão profundamente enraizadas na sociedade e que ninguém contesta.

#ÀFlorDaPele: há representatividade da mulher madura na 7ª Arte?
créditos: @claudiaraia

Recentemente falou da falta de representatividade de mulheres mais velhas na arte cinematográfica e de como personagens maduras, que exigem experiência de vida, dor, ou sofrimento, são na grande maioria representadas por mulheres jovens, de vinte e poucos anos, estereotipando a beleza da maturidade num ideal inatingível, culpabilizando o patriarcado e o ageísmo.

O preconceito da mulher madura e a sua representatividade na 7ª Arte pode ser encontrado em vários exemplos que Cláudia denuncia de filmes que todos nós conhecemos: Elizabeth Taylor que, com apenas 32 anos, representou uma mulher de 50 no filme ‘Quem tem Medo de Virginia Woolf’; ou Carey Mulligan que, com apenas 36, representa uma viúva, Edith Pretty, de 56 anos em 'Grande Escavação'; e ainda Jennifer Lawrence que, aos 20 anos, interpretou também uma viúva, de 39 anos, no filme ‘Guia para um Final Feliz’ – papel que lhe viria a dar o Óscar para melhor atriz.

Perante exemplos como os descritos acima, como encontra uma mulher de 40 ou 50 anos representatividade em papéis protagonizados por atrizes com metade da sua idade? E que ideal de beleza passa para a sociedade em geral, que continua, por um lado, a achar que uma mulher de 50 é um ‘produto’ fechado e expirado, com prazo de validade já atingido e, por outro, a ver mulheres com uma beleza e juventude que ninguém tem aos 40 ou 50 anos? Até quando vamos continuar a permitir esta inversão de papéis e da ordem natural do processo de envelhecimento e de maturidade ser um tabu no grande ecrã?

#ÀFlorDaPele: há representatividade da mulher madura na 7ª Arte?
créditos: 'Who's Afraid of Virginia Woolf' @imdb

Claudia Raia denuncia que enquanto as grandes decisões continuarem a pertencer a homens que se recusam a ver a mulher como ela é, não haverá representatividade. Porque o ideal de beleza de mulher está invertido e será sempre mais fácil dar palco, beleza e ação de primeira linha a jovens na flor da idade do que a mulheres maduras, com rugas, ou sinais da passagem do tempo. Porque há ageísmo – preconceito da idade.

Não significa com isto que não haja atrizes mais velhas a dar corpo, alma e beleza a personagens maduras. Veja-se o exemplo da inigualável Meryl Streep, ou das maravilhosas Helen Mirren ou Olivia Colman, mas são ainda poucas as que se podem expressar nesse patamar. Falta mais, muito mais. Falta dar voz e chamar a atenção para isso, mudando mentalidades, seja dos poderosos produtores de Hollywood, seja do público em geral, que tem de demonstrar e exigir essa representatividade.

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Isto num mundo cada vez mais envelhecido: as Nações Unidas estimam que, até 2050, o número de pessoas idosas, com 60 anos ou mais, duplique; e que até 2100 triplique, passando dos 962 milhões de 2017 para os 2100 milhões em 2050 e para os 3100 milhões em 2100.

O envelhecimento da população trará, inerentes, transformações sociais profundas no século XXI, e transversais a todos os setores da sociedade – mercado laboral, financeiro, oferta e procura de bens e serviços, habitação, transportes, estruturas familiares e laços intergeracionais…

Até quando, num mundo cada vez mais envelhecido, vamos continuar a achar que a representatividade da beleza de uma mulher com mais de 40 está numa jovem de 20?

Até quando?

Mafalda Santos  fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.