Não vou dar uma de falsa puritana nem de intelectualmente superior – que não sou. Confesso que também eu cheguei a ver episódios do reality-show Keeping Up With the Kardashians e que no meio daquela família rica e disfuncional, eu encontrava um guilty pleasure que me prendia ao ecrã.
Mas há muitos anos que deixei de ver e há muitos anos que todo este culto desmedido a estas irmãs e ao seu estilo de vida me parece vazio de sentido. Não pelo lado empreendedor que souberam ter – e se elas são uma máquina de fazer dinheiro – mas pelas mensagens que passam, influenciando toda uma geração de jovens que cresceram a tê-las como o epíteto máximo de beleza e de estilo de vida.
Convenhamos, elas já eram uma família abastada e rica antes mesmo de se tornarem mundialmente conhecidas. E o motivo para o seu sucesso deveu-se, inicialmente, às amizades próximas a nomes igualmente abonados como Paris Hilton, ou à exposição da vida íntima através da circulação de uma cassete de vídeo em que Kim Kardashian aparece em atos sexuais com o então namorado. Golpe de marketing ou azar que se transformou em estratégia, a verdade é que a família Kardashian-Jenner soube explorar a oportunidade que a situação proporcionou, transformando-as em figuras à escala planetária e em estrelas do 'social media'.
São delas as sete fotos do Instagram com mais likes de sempre, assim como uma banalização da cirurgia plástica e dos procedimentos estéticos, mostrando sem pudores e em várias plataformas – da TV às redes sociais – um estilo de vida baseado na vaidade pessoal enquanto forma de influência e mobilização das massas.
Mas se há coisa que as irmãs Kardashian souberam fazer, e fazer bem, é gerar dinheiro e empreender negócios em torno desse fascínio que criavam nos outros. Só isso explica que Kim Kardashian cobre um milhão de dólares (US$ 1,000,000!) por cada publicação que faça a promover outras marcas, ou que tenha criado os Kimojis – os emojis inspirados na sua pessoa e que a fizeram ganhar cerca de um milhão de dólares por minuto.
Ou ainda que a irmã mais nova do clã Kardashian-Jenner, Kyle Jenner, tenha alterado completamente o rosto em pouco mais de oito anos, dando igualmente origem a uma marca própria de maquilhagem – a Kyle Cosmetics, onde se destacou o kit de lábios – que a fizeram ganhar cerca de 360 milhões de dólares e gerar inúmeros negócios que lhe valeram, em março de 2019, a inclusão pela revista Forbes na lista dos multimilionários mais jovens de sempre, com uma fortuna avaliada em mil milhões de dólares – mesmo que depois se tenha descoberto uma série de mentiras em relação às contas e que a Forbes a tenha retirado da lista... Kyle tinha então 21 anos.
A transformação física que estas irmãs mostraram ao longo dos anos é inegável. Basta vermos fotos do antes e do depois de todas elas para nos apercebermos como alteraram feições, esculpiram, experimentaram e banalizaram a utilização dos mais variados procedimentos estéticos, criando um novo paradigma de beleza do século XXI.
Foram elas que banalizaram as curvas e a voluptuosidade de ancas, glúteos e seios, quando anteriormente, saídos dos anos 90 e ainda com influências do início dos anos 2000, se celebrava a androgenia. Esta nova forma de mostrar o corpo da mulher fez com que mais mulheres se sentissem orgulhosas das suas curvas.
Não que tenham democratizado o gosto pelos “corpos reais”, antes pelo contrário: o tipo de "corpo Kardashian" coloca o mote em ancas largas, seios volumosos e cintura fina, o que não é de todo uma mensagem de “somos todas bonitas como somos”, mas ao colocar o foco na beleza das curvas fez com chegassem a muito mais mulheres – principalmente latinas e negras – que se reviam mais neste clã do que nas modelos esguias e magras que desfilavam nas 'passerelles'.
Também a elas se deve o excesso da feminilidade vã e da vaidade como único mote de foco de atenção. O que, para o marketing das marcas de moda e beleza, resulta na perfeição. Já para as gerações mais novas, que cresceram a ver estas irmãs e que querem ser como elas – mas não dispõem nem dos meios nem do dinheiro que este estilo de vida requer – pode levar a sentimentos de ansiedade, de falta de auto-estima e de depressão.
E não são apenas as gerações mais novas que se deixam influenciar pelas irmãs Kardashian-Jenner. Também mulheres de todas as idades e extratos sociais começaram a ter comportamentos semelhantes, a querer aparentar as mesmas características físicas e a contribuir para que, hoje em dia, no que à beleza diz respeito, tenham nestas figuras o desejo de poder ter um bocadinho delas.
Só isso explica, e a título de exemplo, que Kyle Jenner tenha alterado de forma profunda os seus lábios, ostentando-os perfeitos e volumosos, e admitido que usava produtos de preenchimento cosmético – a procura por este tipo de procedimento aumentaram 70%.
Já para não falar na influência que se faz sentir nas tendências de maquilhagem, no contouring (técnica utilizada em maquilhagem, que permite, através de bases, pós e sombras, definir e esculpir a estrutura do rosto, disfarçar características físicas e criar uma ilusão de ótica), ou ainda na banalização das pestanas postiças quase como um “must have”.
E a verdade é que não, não temos de ser todas Kardashian. Eu, pelo menos, recuso-me. Gosto muito de ver uma mulher com glamour, uma mulher que sabe o valor da sua feminilidade, que tem orgulho nela, mas que a utiliza como uma forma de enaltecer aquilo que já tem de belo sem se transformar por completo. Gosto de uma mulher que também revela o seu lado natural e o assume, que mostra que pode ter tanto de beleza e de força como de vulnerável e de humana.
Por isso, ainda bem que esta era “plástica”, criada e perpetuada pelo endeusamento a estas personagens, está a chegar ao fim, pelo menos na sua forma mais rotineira e diária. Porque de uma maneira geral, todos gostamos de divas, mas a maioria revela-se sempre insuportável.
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