Eu bem sei que a Miranda já falou sobre o tema recentemente, mas não posso deixar de falar sobre o mesmo, principalmente quando o ageísmo é algo de que tanto falo aqui. A mais recente vítima de críticas foi a Princesa de Gales: Kate Middleton, até agora considerada uma beleza natural e harmoniosa, graciosa e elegante, foi recentemente criticada por parecer “velha e cansada”.

#ÀFlorDaPele: envelhecimento – "outra vez arroz?"
#ÀFlorDaPele: envelhecimento – "outra vez arroz?"
Ver artigo

Com 41 anos e mãe de três filhos, Kate marcou lugar, recentemente, nas celebrações do Dia do Armistício – celebrado a 11 de novembro – e rapidamente as fotografias onde apareceu foram alvo de comentários ao seu aspeto: “Está a envelhecer pessimamente”; “Passou da mãe atrativa à mãe da noiva da noite para o dia”; ou “O que é que lhe aconteceu? Envelheceu imenso num curto espaço de tempo”; estes são apenas alguns dos comentários que se podem ler no Instagram em reação às suas fotos.

E se a revista 'Marie Claire' do Reino Unido escreveu, e bem, sobre o assunto, indignando-se, eu junto-me igualmente à mesma voz ao repetir que "envelhecer é natural e humano". Desde quando é que estipulámos patamares tão irreais de beleza que as mulheres têm de cumprir e alcançar, que nos desvirtuámos do que é a evolução natural de um corpo? E desde quando é que ainda julgamos, criticando de forma tão negativa e violenta, quem não se rendeu à desvirtuação da sua essência, ou de procurar passar a imagem de eternamente jovem quando já não se é?

Desde quando é que invertemos os valores ao ponto de preferirmos viver na mentira do que aceitar a verdade? A verdade de que, por mais cuidados estéticos, cosméticos, dieta equilibrada e prática de exercício físico – já para não falar em cirurgias – que o processo de envelhecimento é contínuo. Se pode ser retardado? Claro. Mas numa época onde temos como referência de beleza e juventude o clã Kardashian, não podemos esperar que uma Princesa de Gales envelheça de forma harmoniosa e natural, ou sequer tenha um ar cansado como o comum dos mortais. “Matamo-la” por isso.

#ÀFlorDaPele: descobrir o mundo aos 67 anos de idade? Sim, é possível
#ÀFlorDaPele: descobrir o mundo aos 67 anos de idade? Sim, é possível
Ver artigo

Ou temos? Pessoalmente, acho que temos. Temos de mudar o paradigma e temos de continuar a falar sobre o ageísmo e esta pressão, irreal e completamente falsa, de que aos 40 temos de ostentar cara e corpo de 20. Mas não sejamos hipócritas. Eu gosto de ter mais de 40 e continuar a sentir-me vital, saudável, ativa, bonita, de e sentir bem na minha pele, mas isso não significa que não possa ter um ar cansado. Ou que decida, ao contrário da maioria, não ceder à pressão de fazer peelings, cirurgias ou preenchimentos de botox. Porque é que temos de continuar a ter vergonha da idade e das rugas, como se isso fosse um carimbo que nos rotula de que já não somos suficientes? Nem suficientemente bonitas, nem suficientemente jovens, nem suficientemente magras, nem suficientemente importantes ou talentosas para sermos notadas pela positiva. Como se só a nossa aparência aportasse valor.

E porque é que, em pleno século XXI, ainda temos de continuar a dar provas do nosso valor, baseadas na aparência? Porque é que continuamos a ter um ‘prazo de validade’ tão curto? De procriação, de beleza, de juventude? Normalizámos o que nunca devíamos ter normalizado e agora, quando alguém tem o ato ‘rebelde’ de não ceder ao que a maioria considera como ‘normal’ – como, por exemplo, envelhecer naturalmente – é criticada e insultada em praça pública. E nem a Princesa de Gales escapa.

Estamos todos a ficar demasiado habituados a filtros. Seja na vida, seja nas redes sociais, na forma como nos vemos para os outros e como queremos que os outros nos vejam. Estamos a esquecer-nos do que é um corpo, um rosto, ‘normal’, a envelhecer. E não estamos a saber lidar com isso. Felizmente há alguns corajosos e corajosas que nos vão lembrando como é, mesmo que tenham de pagar um preço alto por isso. E já não há pachorra para estarmos sempre a repetir a mesma conversa. Daí o ar cansado.

Mafalda Santos fez das palavras profissão, tendo passado pelo jornalismo, assessoria de imprensa, marketing e media relations. Acredita em quebrar tabus e na educação para a diferença, temas que aborda duas vezes por mês, na Miranda, em #ÀFlorDaPele.