Isto de se ser homem e gostar de pintar as unhas tem muito que se lhe diga.

Quando crio o meu estilo, gosto de misturar elementos de diferentes universos, desde o desportivo, o clássico e o minimalista, passando pelo punk, pelo futurista e pelo tradicional e étnico, chegando mesmo a usar referências do campo feminino. Mas destes todos, o uso de notas femininas talvez seja o que causa mais impacto e o que tem gerado maior controvérsia entre as opiniões dos que me são mais próximos.

Quando somos homens, não há nada que abale a nossa masculinidade, certo? Podemos pintar as unhas, disfarçar as imperfeições da pele com maquilhagem, usar pérolas, pôr uma saia de vez em quando e até um crop top, que vamos continuar a gostar de mulheres, a ver futebol, a ter pêlos no peito, a usar barba e a urinar de pé num beco qualquer. A nossa virilidade não se deixa afectar só porque nos apropriamos de códigos do mundo feminino. Pois que nem precisamos de gostar de mulheres. Nem gostar de futebol, nem de ter pêlos no peito, nem de usar barba e urinar de pé num beco qualquer. Aquilo que somos é inviolável.

#ÁguaPelaBarba: um homem de unhas pintadas
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Sendo gay, sinto um peso maior quando tenho de assumir práticas femininas e não quero que estes novos hábitos, que são apenas reflexo da minha criatividade, sejam confundidos com preciosismos de quem é “menos homem”. Quando era adolescente, era extremamente magro, quase nada dotado para a actividade desportiva, e refugiava-me sempre nos estudos e nas conversas com as professoras e com as raparigas, pois considerava o comportamento dos colegas rapazes demasiado agressivo (e até muito próximo da delinquência). Era o que oferecia o subúrbio, mas não sei se em Chelas, onde vivia antes, seria muito diferente.

Nunca tive a plena aprovação da rapaziada e isso fazia-me sentir menos homem. Ainda mais se juntasse a isto o facto de ter sido facilmente confundido com o sexo oposto e o sentimento recalcado de poder ser maricas, como às vezes ouvia chamarem-me gratuitamente. Tive de viver com esse handicap até à idade adulta. Foi quando conheci outros homens como eu que fiquei em paz comigo mesmo, pois tive a surpresa de conhecer homens muito masculinos e que afinal eram gays. Também conheci homens heteros com traços físicos muito femininos.

Esse efeito surpresa encantou-me. Sempre gostei do inesperado. E se eu era gay e os gays eram femininos e delicados, então queria ser o gay mais másculo e grotesco que podia ser. Foi então que comecei a treinar os meus trejeitos e a masculinizá-los. Não deixei de ser quem sou, nunca fingi ser outra pessoa, apenas defini a imagem do homem que queria ser e explorei esse caminho, através da consciência corporal e das técnicas de mimetismo que aprendi no teatro. O preconceito para com homens efeminados pode ser maior na comunidade gay do que na comunidade heterossexual e o facto de escolher eliminar os meus “tiques” não significa que não apoie homens gays efeminados, que não são menos homens por isso.

#ÁguaPelaBarba: maquilha-te e faz-te um homem, pá!
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É curioso como escolher usar pérolas e unhas pintadas pode ser um acto político, não é? Esteticamente é um desafio criativo, pois que pérolas não dão com tudo, e qunto às unhas pintadas, há cores que não vão com o meu estilo. Mas cada vez que saio de casa sinto que tenho de realizar um esforço extra no styling, pois que o hetero que me vê deve sentir-se inspirado e o gay honrado. Não quero que o meu estilo seja descredibilizado porque afinal sou gay. Quando olhamos para o Harry Styles ou para o Jaden Smith, o que é que vemos? Eu vejo dois homens com muita atitude e carácter.

Enfim, tanta conversa quando o mais importante é que eu seja feliz com as minhas escolhas, não é verdade? Mas considero que o estilo masculino também tem espaço para evoluir e crescer, e não somos menos homens se decidimos “roubar” cenas do universo feminino. A criatividade deve ser usada a bem da humanidade e com uma linguagem masculina, tudo é possível. Pérolas com t-shirts extra-large são um must, e unhas pintadas de preto num estilo streetwear básico e minimal acrescentam tudo de bom.

Lamento que tenha de ser um homem menos homem a dar exemplos de como se pode ser um homem com estilo, mas a criatividade prolifera em grande escala neste hemisfério direito que sobredesenvolvi com a minha feminilidade acrescida. E alguém tem de vestir as calças e mostrar como um homem se deve apresentar, ou não é?

Bruno Reis, colaborador da Miranda, é o fundador e diretor criativo da Teeorema, marca de T-shirts de luxo.