Diz-se que a primeira vez nunca se esquece, e qualquer pessoa que já tenha sido vítima de algum tipo de bullying saberá que é verdade. Aquele comentário que à partida nos fez dar um nó no estômago vai começar a percorrer o nosso corpo todo, enfraquecendo-nos a cada passagem, desequilibrando as nossas pernas, tremendo as nossas mãos, instalando-se dentro da nossa cabeça como uma cassete num rádio cujo comando não está ao nosso alcance. Quando menos esperamos, a música começa a tocar. O mesmo acontece quando já estávamos à espera. O gatilho acciona e voltamos a viver aquela situação, aquela primeira vez.

A perfeição não existe por muito que achemos que sim

O skinshaming não é diferente do bodyshaming ou de qualquer outra forma de ataque que use e resulte em vergonha. É focada na nossa pele e aproveita-se das mais pequenas falhas para apontar o dedo, muitas vezes em público, tantas outras em privado. Como se todos não tivéssemos imperfeições, como se o aspecto da nossa pele dissesse mais sobre nós do que a nossa personalidade, como se não fossemos merecedores de algo porque temos uma "má pele". E porque é que os olhos estão todos postos na nossa pele? Porque, segundo Helena Morais Cardoso, terapeuta de amor-próprio, ela "é a forma como nos apresentamos ao mundo e não é por acaso que ela é utilizada também como simbolismo para a nossa identidade, por exemplo: “sentir-se bem na sua pele”, daí podemos concluir o seu impacto na forma como nos vemos". A aparência importa, e ainda importa muito, e sendo a nossa imagem o nosso cartão-postal - mais, "sendo o nosso rosto grande parte desse cartão social de apresentação, a nossa pele tem um impacto enorme na forma como achamos que os outros nos vêem". A juntar a isto a aceitação e aprovação que todos procuram, como nos explica Helena, "ter uma boa ou má pele influencia directamente a minha percepção interna de beleza (porque eu acho que isso influenciará a minha aceitação social) e isso impacta o meu amor-próprio".

"A grande maioria de nós tem um amor-próprio muito ancorado na aparência física e qualquer tipo de feedback sobre a nossa estética vai directamente aumentar ou diminuir a nossa auto-estima, logo um comentário menos positivo sobre a minha pele pode fazer com que eu me sinta pior com a minha imagem e consequentemente isso vai fazer com que o meu amor-próprio diminua", explica a terapeuta.

O pior é quando os comentários que ouvimos traduzem exatamente aquilo que pensamos sobre nós ou quando antes que alguém o diga (e pode nem nunca acontecer) somos nós a bullies de nós próprias. Uma baixa auto-estima faz com que nos achemos insuficientes, muito antes de nos aparecer uma borbulha ou não. E, quando aparece, sentimos vergonha, como se fosse a culpa nossa, como se isso nos tornasse inferiores de alguma forma.  "O que alimenta uma auto-estima precária é o nosso discurso interior que é repleto de críticas porque tem uma relação de insuficiência e perfeccionismo com a nossa própria imagem", diz Helena. "Porque sejamos sinceras: nenhum feedback exterior, por pior que ele seja, se compara àquilo que dizemos dentro das nossas cabeças, sobre nós mesmas. Este movimento de crítica interno, aumenta a sensação de que não sou suficiente e de que não serei aceite, o que aumenta a minha insegurança e alimenta uma auto-estima pouco saudável."

Para amar é preciso fazer as pazes com a pele

"Não ligues." "Estava a brincar." "Tens de ser superior." É fácil dar conselhos para quem está de fora de uma situação de skinshaming - afinal é "só" o aspecto da nossa pele aquilo com que estamos a lidar. Não vale a pena fingirmos que não nos afecta, porque há forma de conseguir 'ganhar crosta' aos comentários alheios. Como? Melhorando os comentários sobre nós próprias. "É necessário um amor-próprio mais “completo”, uma auto-estima “multidisciplinar”", explica a terapeuta. Ok, parece... complicado? Difícil? Impossível?  Calma, ela explica - e, no fundo, é uma conta matemática em que somamos todas as partes de nós e multiplicamos por muito amor.

"Ao invés de colocar na minha aparência o peso de todo o meu amor-próprio, eu distribuo-o por vários atributos reconhecendo o meu valor em várias áreas e percepcionando-me como válida e suficiente em diferentes situações e papeis da minha vida. Para trilhar este caminho a chave é praticar o auto-reconhecimento: reconhecer que sou uma excelente filha/mulher/mãe/amiga/etc, reconhecer que sou uma profissional dedicada, reconhecer que sou uma mulher de empatia e compaixão, reconhecer que tenho bom humor, reconhecer que sou muito boa na minha vida social, reconhecer que tenho alguns dons, reconhecer que sou inteligente e culta, e etc, esta lista poderia continuar infinitamente e de forma diferente para cada uma de nós. A lição importante é compreender que o meu valor não está associado (só) à minha imagem, ou seja, o meu valor enquanto pessoa está distribuído por vários atributos da minha identidade e por várias áreas na minha vida."

Acne: o que aprendi em 20 anos de convivência
Acne: o que aprendi em 20 anos de convivência
Ver artigo

Da teoria à prática

Step one: mudar o discurso interior.  "A nossa comunicação interna deve ser de aceitação e não de comparação constante e a nossa posição interna em relação à nossa aparência deve, antes de ser positiva, ser neutra - de aceitação total como somos, mesmo nos dias em que temos uma borbulha na testa". Até porque nunca conhecemos ninguém que tivesse tratado a acne à base de críticas. "O caminho é ganhar consciência da nossa “conversa interna” reparar quando estamos a fazer comentários mais negativos sobre nós mesmas e aos poucos ir contrariando essa vozinha critica interna que só que alimenta a nossa insegurança", diz a especialista.

E bom, tendo em conta que não vamos deixar de dar importância a como todos nos parecemos por fora tão cedo (há que encarar os factos), comecemos pelo interior. E sim, é agora que entra o self-care. "Cuida de ti. Se te sentes mais vulnerável em relação à tua imagem actua sobre isso: faz um tratamento estético, prepara um banho de imersão cheiroso, compra uma roupa/acessório que te faça sentir espectacular, ou aplica uma maquilhagem que te faça sentir mesmo bem. Vê este mundo da aparência pelo seu lado mais positivo e dá utilidade a estas ferramentas que nos podem fazer sentir bem mais bonitas. O importante é viver o mundo da beleza de uma forma equilibrada, utilizando as coisas maravilhosas que ele nos pode proporcionar, e que podem contribuir para a nossa confiança e consequentemente o aumento da nossa auto-estima, ao invés de viver “aprisionada” num estereótipo de beleza inalcançável, que é com certeza, um diminuidor de auto-estima."

Aqui na Miranda estamos cheias de coisas bonitas que nos põem também um sorriso na cara. Gostamos de olhar para a Beleza para lá da embalagem e isso quer dizer muitas das vezes aceitar que temos uma borbulha (ou muitas) no rosto mesmo quando temos uma rotina de fazer inveja a muitos dermatologistas - e fazer piadas sobre isso. É querer usar cremes da celulite mas não deixar de ir à praia só porque eles nem sempre resultam, é tratar do envelhecimento como um processo natural mas cuidá-lo, não no mote "anti-idade", até porque isso não existe, mas com amor e séruns, é ter penteados, e unhas, e looks de maquilhagens que agradem a todos os gostos, porque nenhum de nós é igual. Somos todos únicos e especiais - e isso inclui a nossa pele.