Quem me segue no Instagram, conhece a minha religiosidade em distribuir conteúdo soft porn depois do meu treino de CrossFit, que faço todos os dias. A selfie é o prémio que dou a mim próprio pelo esforço e dedicação, o reconhecimento da certeza de estar a caminho do corpo que sempre ambicionei.

Esta atitude, facilmente rotulada como um acto desesperado por aprovação e pouca-vergonha, é uma longa história de resiliência e amor-próprio, mas também de terapia a uns traumas da minha adolescência.

#ÁguaPelaBarba: mais ou menos homem, mais ou menos maquilhagem
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Nessa idade, quando fazia uma projeção de mim próprio para o futuro, o meu ideal passava sempre por ser alguém com um estilo de vida saudável, onde a alimentação e o desporto eram uma base fundamental. Eu sabia serem estes os ingredientes de que precisava, não só para corrigir o corpo magricela que tinha, mas também para abraçar uma longa jovialidade ao colo de uma beleza, que eu tinha assegurada nos meus lindos olhos azuis.

No que diz respeito à alimentação, sou daqueles privilegiados que devem ter sido tocados por uma mão divina à nascença, pois que, por mais que coma, nunca engordo. Isto era só para causar inveja, pois como manda a normativa social, um homem quer-se de boa compleição física em complemento da sua virilidade.

Nunca me senti encorpado o suficiente para me sentir sequer abençoado. Ser tão magro sempre me deu algum complexo de inferioridade em relação aos meus pares, e o facto de não ter qualquer sucesso nos desportos de equipa também não ajudava. Há coisas que se desenvolvem pelo convívio e por estímulo social. Não foi o meu caso, e ser bom a atletismo e a ginástica, desportos individuais, apenas me fazia sentir mais solitário.

Se comer mais não estava a ajudar a ter mais corpo, então o curto caminho que se traçara no desporto também estava a comprometer o meu ideal de vida.

#ÁguaPelaBarba: Bruno, põe creme nos olhos!
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No final da adolescência, descobri o yoga e fiz as pazes comigo mesmo no que diz respeito à actividade física. Havia descoberto uma modalidade em que era bom e, além disso, tinha reconhecimento dos colegas praticantes. Foi assim que me fui permitindo caminhar pelo admirável mundo novo do exercício físico. Mais tarde fiz natação, mais tarde comecei a correr, depois fiz escalada, até que ganhei coragem para fazer actividades em grupo.

Primeiro foi o treino militar, depois as aulas de HIIT (high-intensity interval training) e finalmente o CrossFit, amplamente conhecido por ser tão forte, completo e exigente – o que já é suficiente para me fazer sentir um desportista minimamente confiante, mesmo sendo ainda o mais franguinho de todos.

Continuo a não ter jeito para desportos de equipa, mas se hoje jogasse tenho a certeza que não seria o medroso desajeitado que fui no passado. Ter encontrado o meu self desportista deu-me a capacidade de aceitar que não vou ser bom noutras modalidades e só isso basta para as poder desempenhar com alguma confiança.

Pode ser que um dia me aventure, mas para já a grande epopeia ainda é conseguir terminar um WOD (workout of the day) no tempo, passar dos Single para os Double-Unders, fazer Kipping sem a ajuda do elástico, e fazer burpees sem o coração na boca . Há um ano e meio que me sinto um franguinho no meio daqueles bichos (quem faz CrossFit conhece estes termos em que se chamam bichos aos fortes e franguinhos… aos outros).

#ÁguaPelaBarba: eu perfumo, eu arrebato, eu domino!
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Recentemente, apercebi-me de que, por mais que me esforce por melhorar no levantamento de pesos, parece que há sempre uma força que me puxa e derruba. Apesar de já ter aumentado quase 10 kg com a prática do CrossFit, já aceitei há muito tempo, talvez no tempo das aulas de Educação Física, a fragilidade do meu corpo.

Todas as vezes em que fui empurrado, gozado, cuspido, passei a mim mesmo um certificado da minha fraqueza. Antes de tentar sequer driblar a bola em qualquer jogo de futebol, eu já sabia que não valia a pena fazê-lo, porque não era bom o suficiente e a equipa ia perder se eu jogasse. Percebo como esse sentimento ainda hoje me acompanha e de quão franguinho me sinto.

Os meus colegas não estão nem aí para isto. Eles querem é ser melhores que eles mesmos! O Crossfit é uma prática individual, mas eu sinto-me sempre como se a turma me desprezasse, pois sabem que levanto sempre o menor peso e que demoro sempre mais tempo a terminar o WOD.

Mas eu insisto. Todos os dias. Todos os dias faço um pouco melhor, todos os dias levanto um pouco mais de peso, todos os dias, apesar de ser o último do ranking, tenho esperança que um dia também chegarei ao pódio. Um dia terei finalmente a aprovação dos colegas para descobrir que afinal sempre tive essa aprovação desde o início.

Nesse dia, em que serei um bicho também, prometo já ter melhorado nos conteúdos soft porn e não vos dar nada menos digno de OnlyFans (ou não digno de todo!) Será que também terei a aprovação dos colegas?

Bruno Reis, colaborador da Miranda, é o fundador e diretor criativo da Teeorema, marca de T-shirts de luxo.