Quando achamos que uma notícia de cancro só acontece aos outros, hoje trago-vos o caso da minha amiga Inês que, com a devida autorização, permitiu que escrevesse sobre ela. A Inês tem nome de personagem histórica, ou não fosse ela Inês de Castro, alentejana de gema, dona de uma voz forte e de uma vontade de viver. É uma mulher furacão, mas daqueles bons, cuja presença e alegria enchem uma sala. Por isso, quando soube da história e da notícia do cancro da Inês, fiquei profundamente abalada. Como assim, a Inês? Aquela mulher tão nova, tão cheia de pinta, tão inspiradora, tão cheia de vida, tão cheia de garra, mãe de dois filhos — um deles ainda bastante pequeno — está a vivenciar a doença e o diagnóstico que ninguém quer receber: um cancro de mama. Confesso que, até a escrever sobre o tema, continuo a ficar estupefacta pela realidade… mesmo sendo real! E a Inês que o diga, que leva 10 meses de 2024 a lidar com um cancro de mama. Di-a-ri-a-men-te! Para ela, 2024 tem sido um ano marcado pela doença, mas que ela decidiu enfrentar de frente — como mulherão que é — pegando o touro pelos cornos e dando início a uma jornada de superação, de medo e de resiliência, mas também de vulnerabilidade, de aceitação e de uma determinação notável.
Foi no final de novembro de 2023 que Inês sentiu algo diferente no mamilo da sua mama esquerda. Uma pequena protuberância que a deixou desconfiada. Apesar de tentar manter a calma e seguir o conselho médico de esperar por um ciclo menstrual para reavaliar, a inquietação não a abandonou. Em dezembro, praticamente nas vésperas de Natal, partilhou com o marido a sua preocupação e também ele, através da apalpação, sentiu algo que não estava ali antes. Tinha exames de rotina marcados para o início do ano e decidiu aguardar, mesmo sabendo no seu íntimo o que a esperava.
No dia 11 de janeiro, os exames confirmaram aquilo que Inês tanto temia. Embora a técnica inicialmente não tivesse achado nada preocupante na mamografia, Inês insistiu que algo não estava bem. Após a ecografia, o diagnóstico era inegável: BIRADS 5, uma categorização que praticamente confirmava a presença de cancro. A partir daí, começou uma corrida contra o tempo.
Inês sentiu um turbilhão de emoções. O medo pelos filhos, a angústia de deixar coisas por fazer, a incerteza sobre o futuro. Mas não perdeu tempo. Logo em janeiro, realizou uma ressonância magnética que confirmou o diagnóstico, seguida de uma biópsia que revelou ser um carcinoma invasivo do tipo não especial, um cancro hormonal. No dia 17 de fevereiro, foi submetida a uma cirurgia que incluiu a remoção completa da mama esquerda e a reconstrução imediata com músculo do grande dorsal e prótese de silicone. Foi também graças à utilização de uma técnica antiga que a sua médica conseguiu detetar gânglios comprometidos que os exames modernos não haviam identificado.
A recuperação da cirurgia não foi fácil, mas Inês enfrentou-a com a mesma determinação com que encarou toda a jornada. Duas semanas depois, soube que teria de fazer quimioterapia e radioterapia. Foi um golpe difícil de digerir, mas preparou-se física e mentalmente para o que viria a seguir. Começou a quimioterapia em março e, durante os oito ciclos, manteve-se ativa, tentando viver a vida o mais normalmente possível, bebendo muita água, fazendo uma alimentação cuidada que seguia à risca, assim como a medicação, mas também permitindo-se descansar quando o corpo o pedia e mexendo-se, mesmo sem poder treinar. Os efeitos secundários, como a queda do cabelo, foram dolorosos e assume-o. A Inês sempre teve na sua longa e farta cabeleira a sua imagem de marca. Mas, mais uma vez, aceitou que era um mal necessário e que teria de o rapar. Esse momento, de intimidade, teve a ajuda da Carolina Piloto, em Lisboa, que a ajudou a escolher a prótese a utilizar, a cor e o comprimento, acompanhando todo o processo. A Inês fez da sua prótese uma extensão sua, integrando-a totalmente na sua vida e hoje — já com algum cabelo — assume-a e utiliza-a diariamente.
Em julho, terminou a quimioterapia e, em setembro, finalizou a radioterapia, onde, em conjunto com a medicação que já se encontrava a tomar — e que terá de tomar nos próximos 7 a 10 anos — e a injeção de supressão ovárica que já tinha recebido, a fizeram entrar na menopausa precoce. Como se não bastasse tudo o que já tinha vivido e suportado este ano, mais outro tema com o qual teve de lidar numa idade tão precoce.
Neste momento, 10 meses depois do diagnóstico (e lendo tudo o que já passou nestes 10 meses, parece que já correu uma maratona), a Inês prepara-se para voltar ao bloco para uma cirurgia preventiva devido ao resultado do estudo genético que realizou e para tirar a outra mama, assim como para os primeiros exames de seguimento e, embora a ansiedade seja uma constante, ela continua a acreditar que tudo vai correr bem.
A história de Inês também é um reflexo de uma realidade preocupante: o número crescente de mulheres jovens a serem diagnosticadas com cancro da mama.
Segundo o site da Liga Portuguesa Contra o Cancro, em Portugal, o cancro da mama é o tipo de cancro mais comum, sendo detetados anualmente cerca de 9.000 novos casos de cancro da mama, com mais de 2.000 mulheres a morrerem com esta doença. Mas há também uma boa notícia: quando diagnosticado e tratado precocemente, a taxa de sobrevivência é elevada. Atualmente, o rastreio do cancro da mama pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) começa aos 45 anos, mas casos como o de Inês, diagnosticada aos 42, reforçam a necessidade de uma maior sensibilização para a realização de autoexames e de consultas médicas regulares, independentemente da idade. Em mês de sensibilização para o cancro de mama, é importante voltar a reforçar e recordar a mesma mensagem: o diagnóstico precoce pode salvar vidas e o rastreio e vigilância regular devem ser uma premissa constante.
Espero que esta breve e muito resumida jornada da Inês possa ser uma inspiração para todas as mulheres que enfrentam o cancro da mama e, também, um alerta para todas aquelas que, não sofrendo da doença, tomem medidas, façam exames regulares, façam a apalpação e tenham presente que acontece a qualquer uma. Já ela, a Inês, mostrou-me, no seu testemunho tão sincero e transparente, que, apesar de ser uma doença devastadora, a atitude com que a enfrentas pode fazer a diferença, mas “sem romantizar o cancro”, porque de fácil não tem nada. A Inês continua a lutar, mas fá-lo com a certeza de que vai vencer. Tem um desejo inabalável de viver até os 90 anos e, nas palavras da própria, ser uma “velha gira, estilosa e muito refilona”, como sempre sonhou. E eu não duvido, querida Inês, que vais ser isso tudo e muito mais.
Se querem conhecer a Inês, sigam-na nas redes sociais da própria. Encontram-na no Instagram e no Tik Tok.
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